Preferência nacional

Arquitetura

Um churrasquinho na sacada

Marcos Kahtalian*
04/02/2022 15:56
Thumbnail
Dentre os estranhos hábitos do homo apartamentus – a espécie que vive em ambientes verticais e pega elevador duas vezes ao dia – poucos são mais inabaláveis que o churrasquinho na sacada.
O churrasquinho: aquela mistura de carvão, fogo intenso, sal grosso, facas, carnes, linguiças, batidas, cerveja, som alto, fumaça, sujeira, copos e muita confusão. Ao fim de um churrasco não sobra muita coisa além daquele ar desolado de campo de batalha. É por isso que o churrasqueiro, exausto após a refrega, desaparece assim que termina o serviço – e vai se deitar em algum canto – enquanto as brasas do carvão ainda ardem, esperando pela limpeza.
Mas a churrasqueira tem que ser a carvão? Tem, sim senhor, porque segundo os corretores – aqueles especialistas em imóveis e, quero crer, em churrasco – nem pense em fazer um apartamento sem sacada e sem churrasqueira a carvão. Duplo pecado. É condição de venda, segundo eles. E quem vai querer pagar pra ver?
A verdade é que, pesquisa após pesquisa, a tal da churrasqueira na sacada aparece como um item de desejo. Em todas as rendas. Incrível. Consumidores aqui do Sul, e não apenas, gostam de fazer churrasco. Na sacada. A carvão.
Pobre, pois, dos incorporadores e arquitetos, desolados, tentando encontrar uma saída para a sacada. Eles timidamente procuram avaliar, e várias vezes perguntam-se: mas realmente precisa colocar uma churrasqueira na sacada? Por medo de não vender, e segundo o que todas as pesquisas atestam, a tal da churrasqueira na sacada acabou se impondo e somente um e outro construtor dissidente, por economia ou coragem mesmo, arrisca um aparelho à gás ou elétrico, quem sabe uma coifa na cozinha, fazendo as vezes de churrasqueira.
Mas nem sempre foi assim. Nos apartamentos antigos (até anos 1980/1990 do século passado; eu sei, faz muito tempo), muito raramente se encontraria uma churrasqueira na sacada como item de série. A sacada ou a varanda era o que sempre foi: um respiro externo, um local de contemplação e de jardinagem. Uma rede aqui e ali. Até que alguém algum dia descobriu que dava para colocar uma churrasqueira na sacada. A carvão. E assim a revolução da fumaça começou.
Alguém
pode afirmar que esse hábito não se sustenta: carne, carvão, aquecimento
global, para não falar em veganismo e conselhos médicos. Além do preço que,
você sabe. Pode ser. Mas enquanto tais hábitos perdurarem, teremos que resolver
alguns problemas.
É comum defumar-se mais o vizinho do que a carne; e incensa-se os demais andares que não foram convidados. Se há uma técnica para o churrasco (ninguém diria vendo certos pais de família), há mais ainda uma técnica para a construção e manutenção desses equipamentos domiciliares. Há ciência na fumaça.
O
fato é que da churrasqueira na sacada evoluiu-se (?) para a varanda gourmet e para
a integração com a cozinha. Carnes pingando sangue no tapete, no caminho até o prato,
nunca mais.
É cada vez mais é comum a integração entre sala e sacada. Os apartamentos novos usualmente procuram gerar um nivelamento entre os ambientes, incorporando a sacada como uma sala estendida. Se o apartamento diminuiu, a sacada aumentou. O churrasquinho foi o pai da varanda gourmet.
É
claro que nem todos são adeptos desse hábito. Há aqueles que só lembram da
churrasqueira quando estão muito animados e inspirados. E há aqueles que
aproveitam o espaço da churrasqueira para colocar plantas ou qualquer outra
coisa. Para outros, iconoclastas, a churrasqueira nem devia estar ali, nem
devia existir. Mas já que veio no apartamento, deixa ficar – como um canal a
cabo que ninguém assiste, mas está incluso no pacote.
Sobre os outros hábitos do homo apartamentus, fica para a próxima coluna. Hora de virar o espeto, antes que a carne queime de vez.
*Marcos Kahtalian é sócio fundador da Brain Inteligência Estratégica

Enquete

Você sabe quais são as vantagens de contratar um projeto de arquitetura para sua obra de reforma ou construção?

Newsletter

Receba as melhores notícias sobre arquitetura e design também no seu e-mail. Cadastre-se!