Opinião: preservar monumentos não é mania de guardar coisa velha

Key Imaguire Junior*
27/09/2017 14:06
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Monumento à personagem Mafalda, um ícone argentino, em Buenos Aires. Foto: Reprodução

Afinal, o que é um monumento?

O conceito principal da palavra monumento está relacionado com lembrança, memória, herança cultural. Em algum momento, a palavra adquiriu, por analogia, conotação de grandiosidade — que
não me parece conveniente porque não é o tamanho que torna alguma coisa memorável. Claro, como humanos, somos sensíveis ao dimensional: não há como não achar monumental a Praça de São Pedro, os Lusíadas ou os vãos do Museu Oscar Niemeyer.
Mas temos que afastar de nós esse cálice, monumento pode ser algo muito reduzido em dimensões: algumas obras primas medem-se em palmos ou nem isso. A Mona Lisa tem cerca de 50 X 70 centímetros, menor que a maioria dos quadros em nossas salas; um Berrocal é menor que uma action figure da gurizada; um “Livro de Horas” é menor que um gibi… para citar coisas que todos conhecemos.
Mesmo porque, um monumento pode não ter dimensão alguma, ou ser do tamanho de uma turminha de neurônios: pode existir apenas nos gestos de quem faz um pote de barro; uma canoa de tronco de árvore ou uma receita de comida. Ou ainda, de quem resgata a coleção de postais da tia, cita versinhos da vovó ou faz o sinal da cruz ao passar diante de uma igreja.
Mas qual é a preocupação dessa gente que quer assegurar a sobrevivência de tanta coisa — facilmente classificável como bobagem, visto não terem valor de mercado ou serem a ele opostas? Simplesmente, respeito ao que o ser humano fez, em dezenas de milhares de anos de presença — além de detonar com
o planeta a um ponto irreversível, arruinar com a Natureza acabando com todas as demais espécies ou levando-as ao ponto de extinção.
O que fica, são os monumentos para o bem ou para o mal: não vamos demolir nem o Coliseu porque nele havia lutas de gladiadores; nem os engenhos de açúcar porque eram acionados por escravos; nem queimar livros porque não gostamos das ideias neles contidas. Tudo são monumentos, são referências à
cultura humana como um todo. Neles está contida a capacidade do Homo sapiens para produzir coisas maravilhosas — ou coisas tenebrosas, que não devemos esquecer para não repetir.
Mania de guardar coisa velha? Absolutamente não é essa a ideia de monumento. Inscrições rupestres o são; mas também alguns sites e blogs têm essa conotação. Inscrições feitas por primatas em cavernas há séculos e milênios resistem galhardamente até hoje, mas quem pode confiar em uma nuvem?!
Mas então tudo é monumento e tem que ser preservado? Em um certo sentido, sim. Qualquer feitura humana ou natural tem direito de ser considerada monumental e ter sua sobrevivência assegurada. Na medida em que TUDO está igualmente sujeito ao desgaste, aos acidentes e às mudanças, terminando
inevitavelmente algum dia, quanto mais preservamos, melhor.
É o caminho — o único, permitam-me — para o nosso aprimoramento como espécie.

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