Marcas de patas no cimento

Key Imaguire Junior
21/05/2016 01:00
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Calçadas marcadas mostram a subversão dos bichos, que, de alguma forma, demonstram sua presença. Foto: Marialba Gaspar Imaguire/Acervo

Volta e meia vejo e acho uma delícia: no cimento fresco, passou um cão e deixou impressas suas patas como se fossem moldes. Ao contrário do famoso teatro de Hollywood, onde astros e estrelas deixam as marcas de suas mãos e autógrafos, esses são seres anônimos, talvez nem nome tenham. Também lembro das marcas deixadas pelos dinossauros nos pântanos jurássicos, que atravessaram eras geológicas e chegaram até nós.
Acho que guardamos, em nossas cidades hostis e agressivas, muito pouco do convívio com os animais – nem sempre cordial de nossa parte. Ingratidão da arrogância de “espécie dominante”, não consideramos que a maior parte do transporte de passageiros e cargas para construções e instalações humanas, não seria viável sem a força dos animais. Não vamos aqui falar na crueldade e até ferocidade com que isso foi feito, é assunto que me causa vergonha em pertencer à humanidade.
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Mas sempre são bem-vindas as manifestações de apreço e gratidão ao trabalho e à amizade desses seres. A má qualidade ostentada pelas construções de nossas cidades jamais é culpa deles. Portinari homenageou os cães no painel da Pampulha; são comuns as referências a cavalos e mulas nos desenhos e painéis do Poty. Em toda a História da Arte, as referências a eles são frequentes. Convenhamos, os nomes relacionados a fauna e flora são melhores como nomes de logradouros que os de políticos e autoridades.
No entanto, o que se faz é muito pouco se comparado à importância de seu trabalho. Mesmo porque, algumas referências aludem a situações impostas pelos humanos e que vejo como nada enaltecedoras. Por exemplo, as argolas de ferro às quais se amarravam os animais de tração em posições horríveis durante horas. Já um bebedouro, representa uma certa consideração para com quem faz o trabalho pesado.
Mesmo na arquitetura, denominações de elementos construtivos estão em desuso: o acabamento de beiral em elegante “asa de andorinha” ou “peito de pombo”, os suportes com “cachorros”, “olhos de gato” na sinalização noturna. Sobreviveram as antipáticas “bocas de lobo” para os bueiros; “pardal” para os radares controladores de velocidade. Evidente que não é o caso de desenvolver aqui o quanto nos valemos dos bichos em nossa fala cotidiana, é assunto vasto e já abordado por muita gente.
Os poucos animais que sobreviveram nas cidades, sob proteção de humanos de boa vontade, foram, em sua maioria, domesticados ao longo de milênios, desde os primórdios da civilização. Poucas outras espécies nos dão o prazer de sua presença, sempre positiva, poética, alegre: os pombos nas praças, as capivaras num parque, macaquinhos em áreas não adensadas – são alegrias aos nossos olhos cansados da civilização urbana. Ainda bem que alguns artistas se lembram de valorizar sua presença em algumas obras.

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