Opinião: a modernidade assassinou a interação nas grandes cidades; o que perdemos?

Key Imaguire Jr.
25/09/2019 19:30
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Foto: Marialba RG Imaguire / Arquivo pessoal

Aquecendo ao sol…

É uma reunião alegre, descontraída, amigável – apesar de rolar, principalmente, muita fofoca, boato, trivialidade… Como aliás é bom e desejável que seja: a hora da descontração não se presta a problemas existenciais, seriedade enfezada e quetais.
Os homens estarão num bar, tomando vinho e, além das petegolezzi, falando de política – e eles acham a de lá complicada, vejam só… logo a reunião não é só alegria. Nesse ponto nós, brasileiros, temos mais maturidade, sabemos que política é apenas assunto para piada e gargalhada.
O equivalente do lado de baixo do equador – onde, é sabido, não existe pecado – é a reunião familiar diante da casa, depois do sol se pôr – diz-se “pegar a fresca da tarde”. Claro que é privilégio das pequenas cidades: colocar as cadeiras diante da porta de entrada é como trazer a sala de visitas para a rua. As crianças brincam sob os cuidados dos adultos, porque os carros ainda são poucos, e rola um clima de cordialidade. Pode mesmo chegar gente de outra(s) casa(s), com sua(s) cadeira(s) – o que mostra intenção de ficar algum tempo – para entrar na roda da conversa.
Esse tipo de reunião sempre existiu e sempre foi espaço importante de sociabilidade – quando não jurídico. Tanto quanto a missa dominical ou a reunião dos “homens bons” na porta da cidade ou dos escravos na fonte de água.
Coisas de vida de dantes, sobrevivendo onde ainda não tenha sido assassinada pela televisão e outros itens da nossa modernidade urbana, como insegurança, trânsito, celular, redes sociais, vida de apartamento: enfim… Não dá para imaginar alguém trazendo uma cadeira pelo elevador, para conversar diante das dezenas de andares, na sombra e na friagem, a poucos metros distante do fluxo automobilístico, marginais nas imediações, e outras maravilhas contemporâneas.
Mas a assassina dessa prática urbana tão altamente positiva foi mesmo a televisão: não parece excesso de coincidência que a novela mais prestigiosa, aquela que todos correm para saborear uma deliciosa hora de alienação, seja exatamente a que corresponde às horas logo depois do fim do expediente profissional e doméstico? Bem na hora da descontração, de jogar conversa fora, rir, falar mal do governo…
A hora de descontração ficou para “depois da novela”, nos botecos cada vez mais numerosos, mas onde a coisa é mais comprometida, implica em trocar de roupa, em trancar a casa a sete chaves antes de sair, em consumir – ter uma despesa, ora essa – suportar um som o mais das vezes insuportável, enfim, numa balada bem menos tranquila que a conversa na porta de casa.

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