Opinião: uma casa inspiradora não combina obras de arte com a decoração

Key Imaguire Jr.
31/07/2019 13:29
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Foto: Marialba Gaspar Imaguire/Arquivo pessoal

As janelas sem transparência

Machado, em “Quincas Borba”, descreve a alcova em que se refugia uma personagem. Serve-se o autor da descrição minuciosa e exuberante para revelar a intimidade e assinalar sua solidão de solteira. Não menciona qualquer abertura – um postigo que fosse – mesmo porque, é sabido, as antigas alcovas não as tinham. Somente a porta, de preferência acessível através do quarto dos pais.
De algum canto da memória, desencavo o contraste com uma cela de convento, vista algures em peregrinações patrimoniais. As paredes absolutamente brancas – caiadas – e vazias: hoje se diriam “clean”. Salvo a cama, apenas um crucifixo sobre a cabeceira. Mas, quase sempre, uma janelinha gradeada vazada na espessa parede de alvenaria de pedra –- a partir da qual, uma portentosa paisagem. Ainda se percebe esse pendor pelos locais “altos e arejados” em antigos conventos e seminários.
Bem, o que é “do gosto regala a vida”, dizia a sabedoria açoriana da minha avó — versão menos antipática do “gosto não se discute”. Mas, claustrofobia à parte, mesmo sem janelas e portas, uma parede vazia me parece ascética demais, causadora ou fruto de solidão voluntária ou forçada. Mas, em qualquer dos casos, denotadora de pobreza de vida e imaginação.
Como a “Casa de Vidro” à Lina Bo Bardi é ambiental e climaticamente indefensável, entendo que uma parede não prescinde das janelas sem transparência — mas cheia de evocações românticas, culturais ou outras, ao gosto do freguês. Razão pela qual a ideia de decoração com objetivo de combinar cores de mobiliário com quadros me parece precária: são coisas independentes entre si. Peças de mobiliário respondem ao mesmo critério, devem ser elas mesmas desenhadas com engenho e arte, autônomas em seu conceito e valendo por si mesmas – sem necessidade de apoio cênico. Da mesma forma, uma boa foto ou quadro é uma janela que propicia voos de imaginação, evocações para além do espaço fechado entre paredes opacas.
Boas figuras não competem entre si — cada imagem, se eficiente, contém toda uma gama de referências que a tornam uma peça autossuficiente. Já uma parede vazia é opaca, uma barreira física e mental só aceitável em cela de convento. Onde, presumo, há valores místicos, filosóficos e transcendentais como compensação. Nosso tempo é muito rico na facilidade para obtenção, reprodução e exposição de imagens: fotografias, desenhos, pinturas, cartazes, gravuras, telas. Que permeiam para o interior dos ambientes, cada vez mais reduzidos, tornando-os mais humanos, mais habitáveis e mais cordiais.

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