Perdidos no espaço (urbano…)

Key Imaguire Junior
18/06/2016 01:00
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A rosa-dos-ventos, feita em mosaico de pedras calcárias, enfeita o piso que dá acesso ao Padrão dos Descobrimentos, monumento localizado em Lisboa, Portugal. Foto: Bigstock

Uma das citações mais conhecidas – e também mais enigmáticas – do filósofo alemão Walter Benjamin diz que uma pessoa “só se perde numa cidade que conhece muito bem.” Por mim, seria necessária uma modificação, e ficaria assim: “só depois de se perder numa cidade, é que a pessoa a conhece bem”. Talvez, no fundo, seja a mesma coisa.
Na verdade, acho impossível a gente se perder em algumas cidades, conhecendo-as ou não. Por exemplo, cidades dominadas pelas configurações do terreno: mar, montanha, grande rio – enfim, um referencial geográfico muito presente.
É evidente que uma condição primária para perder-se é estar desprevenido – não no sentido da distração, mas no da ausência de mapa, bússola ou GPS. Ou ter e não saber usar, o que é pior ainda. Vale então o velho ditado: “quem tem boca, vai a Roma”. Ou a qualquer lugar do planeta.
As altíssimas torres de antigas abadias europeias serviam em grande parte a este propósito: orientar peregrinos e viajantes, como faróis nas planícies. Assim também outros grandes monumentos serviram e servem ainda, salvo submersão na mediocridade e volume das construções contemporâneas. Ninguém está perdido se puder ver, à distância, a Torre Eiffel, a Mole Antoneliana ou, mais caseiramente, o Edifício do Banespa em São Paulo ou o Cristo Redentor no Rio de Janeiro. São apenas exemplos emblemáticos, não é preciso tanto gigantismo para ser uma referência orientadora.
Mais que o tamanho, as cargas culturais da vivência fazem as balizas dos percursos urbanos. O lugar, a construção, o objeto que é o que é e não pode ser outra coisa. Em algumas cidades, pequenas referências são, com frequência, mais usadas que os monumentos famosos: “… o Sr. vai até a escadaria, sobe até o fim e vai à direita, então segue”. A escadaria em questão é a que está em frente à Igreja do SS Sacramento, de Salvador, um ícone da cultura brasileira. Na igreja há missa nos horários programados, mas na escadaria, as pessoas não apenas transitam, como estão sempre sentando para conversar, descansar, combinar coisas.
Aí está o conhecimento da cidade que começa nosso texto: se você se perde dos referenciais, vai ver o inusitado, o que não foi programado para ser visto – e portanto, o que é a essência da vida de uma cidade. E não são só impressões de viajante, não. Já aconteceu várias vezes de, as pessoas nativas de uma cidade, que me estão orientando, dizerem nunca ter visto algo. Obviamente, foi me perdendo que encontrei o inesperado…
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