Opinião: muita coisa bonita e satisfatória cabe na vida nas Vilas

Key Imaguire Junior
11/04/2019 17:08
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A vidinha lá na vilinha

É uma das melhores coisas da vida urbana – o que alguém poderia chamar de “sociabilidade espontânea” ou “involuntária”. Tanto faz: mas captar pequenas frações de conversas é um dos indicativos mais reveladores e mais autênticos da vida urbana.
Não se trata, evidente, das insanas conversas ao celular – resolvendo negócios com a China ou com grandes multinacionais – ou expondo uma vida privada que provavelmente é apenas empostação pública: são indicadores artificiais, nada significam. Só nos lembram que o ser humano é muito precário, muito previsível.
Mas algumas vezes, numa espera no banco, num ponto de ônibus, numa lanchonete aguardando pelo sanduba ou numa rua entre pedestres passantes – capta-se umas poucas palavras, mal encobertas pelos ruídos dos veículos. Há poucos dias, escutei uma dessas preciosidades, nem lembro mais onde:
– A nossa vidinha lá na vilinha…
Meia dúzia de palavras, onde talvez eu me tenha impressionado mais com a entonação carinhosa do que com o conteúdo em si. Nesses tempos de desapego, onde tudo – principalmente o chão, o lugar, o sedentário – se avalia em moeda corrente, a pessoa falante revelava uma afeição explícita pelo seu lugar – ou pela vida que levava nesse lugar. Não tinha “sotaque” português, visto que lá os diminutivos pertencem à cotidianidade.
De imediato pensei nas “Villas” burguesas, numerosas nas primeiras décadas do século XX, produtos da erva mate – e agora em extinção. Cada vez mais, soterradas pela estética cemiterial das clínicas e escritórios; e ademais, eram arquitetura a pedir por aumentativos, não por diminutivos… Algumas ainda ostentam essa satisfação de morador feliz, como quem escreve o nome na primeira página de um livro recém comprado…
O mais provável é que a moradora se referisse a alguns loteamentos, que também recebiam a denominação de “vilas” e permearam para nomes de bairros na cidade: Vila Guaíra, Vila Oficinas, Vila Izabel… Como conceito, eram afastados do centro urbano mais denso, um tipo de transição para o mundo rural então envolvendo a cidade. Algumas vezes eram temáticas: Vila dos Bancários, dos Comerciários, dos Ferroviários.
E na satisfação, na quase sorridente frase – pena que não escutei mais da conversa… – havia uma “vidinha” em casas com jardins, venda na esquina, escola primária e igreja próximas, talvez ruas de pouco trânsito sem revestimento, calçadas de lajotinhas com sombra de árvores, eventuais vendedores ambulantes conhecedores dos nomes da “freguesia”, ônibus na outra quadra, praça a cinco minutos, cachorros dormindo no portão, conversa com vizinhos no fim da tarde… muita, muita, muita coisa bonita e satisfatória cabe numa vidinha de vilinha…
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