Herança do ecletismo

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O que é a “arquitetura dos ervateiros”? Veja assinaturas do período em Curitiba

Luciane Belin, especial para HAUS
15/06/2020 12:26
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Retrato histórico do Palacete dos Leões. Foto: Divulgação/ Fundação Cultural de Curitiba

Não fosse pela erva-mate, o chamado “ouro verde” que crescia nessas terras, o Paraná nunca teria sido Paraná. Hoje uma unidade federativa independente, a região só se tornou província e, depois, Estado, alcançando sua autonomia em relação a São Paulo, justamente por conta da importância que adquiriu o cultivo, a comercialização e exportação da Ilex paraguariensis.
Mais do que as agora consolidadas
linhas fronteiriças paranaenses, a importância desta planta para a história do
sul do Brasil está marcada também na arquitetura, por meio dos poucos
exemplares remanescentes da época de ouro da erva-mate, o final do século 19 e
começo do 20.
Alguns dos edifícios residenciais construídos pelos grandes produtores de erva-mate, em pé até hoje, ostentam o que o arquiteto Key Imaguire batizou de “arquitetura dos ervateiros”. São assim chamados pelos pesquisadores do tema porque são construções marcadas por elementos que têm uma espécie de identidade própria, que ajuda a reconstruir uma imagem do que eram o Estado e sua capital à época.
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
“O Paraná nunca estudou, nunca fez
um trabalho de pesquisa consistente, que eu tenha conhecimento, sobre os
galpões da indústria da erva-mate, que devem ter sido muito mais extensos e
muito mais complexos do que chegamos a conhecer, com ferramentas e equipamentos
há muito superados e que a essa altura já devem ter desaparecido. O que sobrou
foram as casas que os ervateiros fizeram, isso foi o grande testemunho que
ficou do ciclo da erva-mate”, justifica o arquiteto.
De acordo com ele, construções como o Solar do Barão e o Palacete Leão Jr. – atualmente Espaço Cultural BRDE, ambas da virada do século 19 para o 20, são representativas pela qualidade dos projetos, repletos de referências adquiridas tanto pelos engenheiros e arquitetos envolvidos, quanto pelos próprios moradores - nestes casos, a família Leão e o Barão do Serro Azul, Ildefonso Pereira Correia, respectivamente. “Eram pessoas que já tinham livre instrução, conheciam pelo menos a região importadora da erva-mate, no Rio da Prata, muitos já tinham visitado a Europa, tinham uma noção do que seria uma arquitetura de boa qualidade”.
Solar do Barão, residência de Ildefonso Pereira Correia, é um dos exemplares da chamada arquitetura dos ervateiros. Foto: Antonio More/Arquivo Gazeta do Povo
Solar do Barão, residência de Ildefonso Pereira Correia, é um dos exemplares da chamada arquitetura dos ervateiros. Foto: Antonio More/Arquivo Gazeta do Povo
Tantas influências faziam com que as construções resultassem em grandes mosaicos de elementos advindos das mais diversas assinaturas, consagrando de vez na cidade o período eclético, ainda que esse também adotasse formas variadas de acordo com cada residência. “Na primeira fase, os ervateiros construíram uma arquitetura urbana de tradição mais alemã. O melhor exemplo é o Solar do Rosário, mas há outras no São Francisco. Mais tarde, se transitava para uma arquitetura mais italiana, menos urbana, mais à vontade no terreno”.

Exemplares e características

Mas que elementos, no fim das contas, caracterizam esta arquitetura dos ervateiros de que fala o professor? Dizer que eram casas do período eclético não significa, para Imaguire, que sejam sinônimos. “Não há uma assinatura específica dos ervateiros. Eles viviam num período em que começava a predominar o eclético, com abertura a influências externas, mas a verdadeira marca da identidade destas construções é o alto padrão de qualidade. Eram os barões da erva-mate, que tinham pretensões aristocráticas e precisavam expressar isso nas suas moradias”, reforça Imaguire.
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
Em uma
pesquisa realizada nos anos 80 em coautoria com as também arquitetas Elizabeth
Amorim de Castro, Marialba Rocha Gaspar Imaguire e Rosina Coeli Alice Parchen,
o grupo buscou analisar algumas das construções do período para tentar
reconhecer alguns marcadores desta época.
Depois de
observar 18 residências, eles cravaram que a mais antiga das construções era a
casa de Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul, que data de 1885,
embora não excluam completamente a possibilidade de que alguma tenha sido
finalizada antes disso.
A mais recente seria a casa de Ascânio Miró Filho, finalizada em 1935. Esse intervalo de precisos 50 anos, portanto, é o que concentra o período mais prolífero da arquitetura dos ervateiros, com edificações no Batel, Alto da Glória, Centro, em regiões como a Praça Senador Correia (próximo ao Terminal Guadalupe), a Rua Desembargador Westphalen e a Avenida Marechal Floriano Peixoto.
Compoteira no topo do Palacete dos Leões, um dos exemplares da arquitetura dos ervateiros. Foto: Arnaldo Alves/ Arquivo Gazeta do Povo
Compoteira no topo do Palacete dos Leões, um dos exemplares da arquitetura dos ervateiros. Foto: Arnaldo Alves/ Arquivo Gazeta do Povo
Os autores dos projetos também ajudavam a compreender o prestígio das obras: Cândido de Abreu e Ernesto Guaita, nomes essenciais para a história de Curitiba e do Paraná, assinaram algumas das obras.
Com um único pavimento habitável, a maior parte das casas dos ervateiros é marcada pela existência de um porão, que eleva a altura da construção em geral. "O sótão é usado para compor a volumetria e destacar o volume das torres, acrescendo imponência à casa. A opção pela cobertura em telhas é unânime, sendo provável que algumas tenham utilizado originalmente telhas escamadas, depois substituídas pelas francesas", revela o relatório da pesquisa divulgada pelos arquitetos, ressaltando duas exceções no que diz respeito à cobertura: a casa de José Lima, que tem cobertura plana, e a Vila Odette, que opta pelas placas de ardósia.
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
Os
ornamentos trazem o que os arquitetos chamam de um "vocabulário
eclético" que remete a um aspecto palaciano: parte das construções opta
por vãos em arco pleno, pilastras, balaustradas e platibandas, gradis e
guarda-corpos de escadarias em ferro batido.
Embora
estas características não estejam presentes em todas as unidades que os
arquitetos analisaram na época, em resumo, eles definem a residência modelo dos
ervateiros como aquela "situada no centro do terreno ou no alinhamento, de
um só pavimento, planta retangular coberta por telhado de quatro águas. Estaria
elevada sobre o nível da rua por um porão alto; a circulação acontecendo por um
corredor central, distribuindo a área social para a frente, os aposentos
íntimos para as laterais e os serviços aos fundos".
Por fim, as casas trazem ainda pelo menos uma escadaria, que em geral ajuda a acentuar a monumentalidade das construções, finalizadas com detalhes de decoração de assinatura essencialmente eclética.

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