Alto da Glória

BRDE Palacete

Conheça a história do bairro curitibano que é “filho” da erva-mate

Luciane Belin, especial para HAUS
15/06/2020 12:23
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Vista aérea do Palacete dos Leões na década de 30. Tombada como patrimônio histórico, a construção é uma das heranças do período da erva-mate. Foto: Divulgação FCC

Quem tem o hábito de começar o dia com uma cuia de chimarrão na mão costuma atribuir valor a este hábito, que já é mais do que gastronômico - é cultural.  Para quem é residente do bairro Alto da Glória, contudo, a importância do chimarrão é ainda maior. Não se encontra com facilidade um pé de Ilex paraguariensis por ali, mas é na erva-mate que o bairro tem as suas raízes.
Durante muitas décadas, a região que faz divisa com o Centro Cívico, onde hoje estão o início da Avenida João Gualberto e o Passeio Público, foi parte importante do trajeto dos animais que levavam a colheita de erva-mate para o litoral, onde as sacas eram embarcadas para exportação.
Preparação de feixes da erva-mate para o sapeco. Foto: Acervo Casa da Memória
Preparação de feixes da erva-mate para o sapeco. Foto: Acervo Casa da Memória
O processo começava principalmente nas cidades de Ponta Grossa e
São Mateus do Sul - município que é, até hoje, um grande produtor de erva-mate,
tendo extraído 70 mil toneladas em 2018, equivalente a 17,8% do total nacional.
De lá, a carga rumava para Curitiba no lombo de mulas e burros, para ser processada nos engenhos que tinham lugar nas regiões do atual Batel e Alto da Glória, seguindo para o litoral, primeiro pela mata, depois pela Estrada da Graciosa, inaugurada em 1873, e e então pela ferrovia, que passou a operar em 1884.
Carroça carregada de erva-mate descendo a Serra do Mar. Foto: Divulgação FCC
Carroça carregada de erva-mate descendo a Serra do Mar. Foto: Divulgação FCC
Não à toa, a Avenida João Gualberto se chamava “Atalho da
Graciosa”, passando até ser rebatizada como Boulevard 02 de Julho, antes de
finalmente receber o nome que tem até hoje. Era, de fato, um atalho até a
Estrada da Graciosa.

Os primeiros engenhos curitibanos

Curitiba ganhou em 1834 o primeiro engenho de soque, o Engenho da
Glória, no bairro Alto da Glória, quando Caetano José Munhoz se instalou
sozinho às margens do Rio Belém para utilizar o fluxo da água em seu moinho.
Khae Lhucas Ferreira Pereira, pesquisador da Fundação Cultural de
Curitiba, explica que, em 1872, a estrutura passou a operar com máquinas a
vapor, até que, em 1879, um incêndio fez parar a avançada produção do “Coronel
Caetaninho”, como era chamado. O engenho foi adquirido pelo Comendador
Francisco Fasce Fontana, comerciante vindo do Uruguai.
“Estabelecido em Curitiba, Fontana teve de equipar a fábrica com aparelhagem melhorada e projetou o conjunto de benfeitorias no terreno, que até então era cercado por um pântano pestilento, que ele transformou num formoso jardim. Estupefato pelo que Fontana havia feito em sua propriedade, apelidada “Mansão das Rosas”, o presidente da província, Visconde de Taunay, encarregou o ervateiro da condução das obras do primeiro parque público da cidade, o Passeio Público, inaugurado em 1886”.
Foto: Cid Destefani/ Acervo Casa da Memória
Foto: Cid Destefani/ Acervo Casa da Memória
A inauguração do Passeio Público ajudou a colocar definitivamente o
Alto da Glória no mapa da cidade, de forma que a região passou a ganhar
densidade e status. “Certamente, a localidade cresceu a partir do ciclo da
erva-mate. Afinal, no final do século 19, o bairro era praticamente desocupado,
sem moradores – haviam algumas chácaras e os próprios engenhos de erva-mate”,
explica o jornalista e pesquisador Diego Antonelli, autor de quatro livros
sobre a história do Paraná.
Da Mansão das Rosas, permanece até hoje somente um grande portal, localizado à frente de um edifício, cruzando a rua a partir do Colégio Estadual do Paraná. Seguindo pela Avenida João Gualberto, está o atual Espaço Cultural BRDE - Palacete dos Leões. Hoje dedicado à arte e à promoção da cultura, sob administração do Banco Regional do Desenvolvimento do Extremo Sul desde 2004. O local, inaugurado em 1902, foi por quase um século a residência da família Leão, também ervateira e proprietária da Matte Leão.
“A cultura da erva-mate trouxe todo o requinte conhecido àquela região altaneira quando a descendência do Desembargador Agostinho Ermelino de Leão, enlaçada às famílias Fontana e Veiga, modificou completamente o cenário arquitetônico e cultural do Alto da Glória, erguendo suas residências e promovendo uma intensa vida social avantajada”, reforça Pereira.

A Matte Leão

Ervateiros mais renomados da época levavam produtos para feiras internacionais, o que impulsionou até mesmo a indústria da propaganda e da litografia. Foto: Antonio More/ Arquivo GP - Acervo Museu Paranaense
Ervateiros mais renomados da época levavam produtos para feiras internacionais, o que impulsionou até mesmo a indústria da propaganda e da litografia. Foto: Antonio More/ Arquivo GP - Acervo Museu Paranaense
“A família Leão sobreviveu a uma das crises mais severas da economia mundial e manteve um legado que é vivo até o século 21. E toda essa trajetória começou oficialmente em 1901, quando Agostinho Ermelino de Leão Júnior perdeu o emprego de gerente geral de engenhos de erva-mate da empresa que hoje é a Moinhos Unidos do Brasil. Como havia se dedicado a vida toda a esse ramo, arriscou e montou um pequeno engenho em Curitiba. Este virou um império, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento social e econômico do Paraná”, explica o pesquisador.
Foto: Antonio More/ Arquivo GP - Acervo Museu Paranaense
Foto: Antonio More/ Arquivo GP - Acervo Museu Paranaense
Nos primeiros anos de existência, a companhia enfrentou três grandes incêndios em suas fábricas, algo comum nos engenhos pela facilidade com que a erva-mate entra em combustão. Apesar disso, “nos anos 1920, a Leão Junior já era a maior empresa do setor, com um volume de exportação de mais de 5 mil toneladas por ano, de acordo com dados da época”, resgata Antonelli. A Matte Leão permaneceu sob o comando da família até 2007, quando a empresa foi adquirida pelo grupo à frente da Coca-Cola.

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