Memória e História

BRDE Palacete

O que é um patrimônio histórico e cultural e por que preservá-lo?

Luciane Belin, especial para HAUS
15/06/2020 13:27
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Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE | Guilherme Pupo

A palavra “cultura” tem pelo menos duas origens etimológicas
mapeadas: do inglês, ela vem de “coulter”, do latim, vem de “colere”. Nos dois
casos, os termos remetem à ideia de cultivo, de fazer nascer e crescer algo do
solo, uma atividade essencial a todos os povos, mas que cada um desenvolve de
uma maneira particular.
A cultura também está diretamente ligada à História, já que
conhecer a trajetória de um povo é essencial para preservá-la e garantir o
desenvolvimento saudável de uma sociedade. Mas isso só é possível com a
inclusão de um fator: a preservação.
Preservar os elementos que são testemunhas da história e ajudam a manter viva a memória de um povo é, portanto, um compromisso necessário com quem ajudou a escrever esta história, mas também com seu futuro, frente a tantas transformações.
Foto: Ascom/BRDE
Foto: Ascom/BRDE
“Cada cidade tem várias temporalidades. A cada 20 ou 30 anos, uma
cidade é praticamente construída em cima da outra. Construções são erguidas,
outras são derrubadas, e cada uma conta uma história dessa época. Cada residência
seria o testemunho de como se morava, como se construía, quem eram as pessoas
que construíram aquela obra, por que elas faziam aquelas escolhas”, reflete o
historiador e diretor de patrimônio da Prefeitura de Curitiba, Marcelo Sutil.
De acordo com ele, são estes critérios que determinam quais construções devem ser preservadas enquanto patrimônio material de um povo. “Preservar um bem isolado ou um conjunto ajuda a compreender como se deu o desenvolvimento da cidade. Ao preservar as edificações, se está conservando uma técnica construtiva, um modo de vida”, explica.

Palco e cenário de desenvolvimento cultural

"Espelho-espelho”: obra de Eliane Prolik na exposição ARR, de 2015. Foto: Marcelo Almeida/ Divulgação
"Espelho-espelho”: obra de Eliane Prolik na exposição ARR, de 2015. Foto: Marcelo Almeida/ Divulgação
O Paraná tem atualmente mais de 200 bens tombados como patrimônio histórico e cultural, dos quais 70 estão em Curitiba. A capital do Estado conta mais de 600 imóveis considerados Unidades de Interesse de Preservação, das quais boa parte está em processo de tombamento. Mas o que acontece depois que estes espaços passam a ser considerados um patrimônio da cidade?
Muitas dessas obras são de propriedade do governo municipal ou
estadual, outras são propriedade privada de empresas ou famílias tradicionais
da região. Nestes casos, é comum que algumas continuem servindo como
residências ou comércios, enquanto outras ganham finalidades diretamente
culturais. É o caso do tradicional Palacete Leão Jr., que pertenceu à família
Leão, passou às mãos da IBM e, desde 2005, foi transformado em Espaço Cultural
pelo Banco Regional do Desenvolvimento do Extremo Sul.
“O Palacete Leão Jr. foi construído no contexto de sucesso econômico da erva-mate. A cidade começa a ter grande crescimento, entrada de imigrantes, a população praticamente dobrou de tamanho em 10 anos, passou de 30, 40 mil habitantes para quase 70 mil. Os ervateiros aproveitaram esse momento e contribuíram com suas propriedades para transformar a arquitetura da cidade ", justifica Sutil.
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
O diretor administrativo do BRDE, Dr. Luiz Carlos Borges da Silveira, reforça este ponto: “O Palacete representa um símbolo de uma época ou de um período importante na economia paranaense, que foi o ciclo da erva-mate, assim como a família que era proprietária daquele imóvel”.
Paulo Cesar Starke Junior, superintendente da agência do Paraná do
BRDE, complementa que o laço do Palacete Leão Jr. vai além: “O BRDE é um banco
público, focado no desenvolvimento econômico e socioambiental dos três Estados
da Região Sul e do Mato Grosso do Sul. 
São quase 60 anos de uma atuação estratégica que promove ações de
fomento a longo prazo. Essa visão de futuro faz parte de nossos valores. Nesse
sentido, manter o Palacete como um espaço cultural significa também contribuir
com o desenvolvimento social, nosso legado para as futuras gerações”, diz.

O ciclo da cultura

Agostinho Ermelino de Leão Jr. e Maria Clara Abreu de Leão ladeando Maria Augusta. Fase residencial do Palacete Leão Jr. era movimentada cultural e artisticamente. Foto: Acervo Cassiana Lacerda
Agostinho Ermelino de Leão Jr. e Maria Clara Abreu de Leão ladeando Maria Augusta. Fase residencial do Palacete Leão Jr. era movimentada cultural e artisticamente. Foto: Acervo Cassiana Lacerda
“Quando era criança, a gente reunia 16 ou 17 primos e visitávamos a Tia Caia no Palacete. Ela tinha uma sala grande onde ficavam malas e baús com todo tipo de vestimenta da família, de diferentes momentos da história, e era interessante porque a gente fazia teatros com a vestimenta da família”. A recordação é de Maria Cecília Leão Rosenmann, sobrinha-neta de Maria Clara Leão de Macedo, última moradora da fase residencial do Palacete Leão Jr.
A memória dela remonta a um período em que a construção ostentava uma intensa atividade cultural. “A família sempre foi muito ligada à cultura, o desembargador Agostinho Ermelino de Leão foi fundador do Museu Paranaense. No Palacete, eram promovidos casamentos, festas, tertúlias e teatros”, completa.
Foto: Acervo Cassiana Lacerda
Foto: Acervo Cassiana Lacerda
Um espaço cuja estrutura ajuda a recordar a história paranaense, e
que hoje ajuda a desenvolver a cultura de outras maneiras. “É muito importante
preservar e valorizar a cultura e é também papel das empresas incentivar esse
hábito”, acredita Dr. Borges.
O diretor de operações do BRDE, Wilson Bley, concorda. "O BRDE
fez uma ótima opção ao adquirir o imóvel; desde 2005, quando este foi
transformado em espaço cultural, passou a fortalecer o olhar do Banco para a
cultura e a preservação, ao que se somaram outras ações. Dar este uso cultural
ao Palacete Leão Jr. é devolver à sociedade aquilo que é um dever institucional
do BRDE, que é fomentar a economia".
Desde que iniciaram as  atividades culturais no Palacete, o espaço recebeu dezenas de exposições, com artistas selecionados por meio de editais ou convites institucionais. Rafaela Tasca, atual coordenadora do Espaço Cultural BRDE, explica como se dá a relação entre espaço, artista e público. “O propósito do Espaço Cultural BRDE é de estabelecer um diálogo contemporâneo com a cultura. A constância de atividades e critérios ao longo de quinze anos proporcionou um reconhecimento público do Palacete no circuito artístico de Curitiba.”
Exposição Asas, da artista Cristina Agostinho. Foto: Rafael Dabul/ Divulgação BRDE
Exposição Asas, da artista Cristina Agostinho. Foto: Rafael Dabul/ Divulgação BRDE
No entanto, Rafaela também ressalta que importantes exposições nacionais e internacionais passaram pelas salas do Palacete, “Foram parcerias com o Instituto Goethe e a Bienal de Curitiba quando recebemos as obras do alemão Stefan Moses e as do britânico Anthony McCall.”, complementa.
Para o artista André Mendes, o espaço carrega um significado especial. “Minha primeira exposição individual foi lá, em 2009. Estava fazendo gravura no Solar do Barão, conhecendo mais profundamente a cena artística daqui, depois de retornar de Barcelona, e surgiu um edital muito acolhedor a quem tem menos experiência. Me inscrevi e deu certo”, comemora.
Na mostra “Desconstrução”, sua primeira individual e focada em pintura e desenho, foram exibidas obras bidimensionais inéditas. “Me dediquei por um período de um ano, produzindo para aquela exposição. Era uma busca por um novo caminho no trabalho, passava por uma desconstrução do desenho, caminhando para a pintura, não fazia ainda instalações que interferiam na arquitetura e no espaço”.
Exposição Asas, da artista Cristina Agostinho. Foto: Rafael Dabul/ Divulgação
Exposição Asas, da artista Cristina Agostinho. Foto: Rafael Dabul/ Divulgação
Além do momento importante para a carreira, Mendes recorda também que seu tio, Jair Mendes, foi o primeiro artista a expor no Espaço Cultural BRDE, e ressalta as particularidades de expor em ocupar um edifício tombado como patrimônio cultural. “É um local com uma presença muito forte, um interior muito específico, há a necessidade de se fazer esse diálogo entre as obras e o espaço. Mas é um espaço muito acolhedor para novas gerações, os editais de seleção dos artistas não são engessados, há abertura para o diálogo com o artista, então é uma alternativa interessante para descentralizar das grandes instituições”.
Exposição ARR, de Eliane Prolik. Foto: Marcelo Almeida
Exposição ARR, de Eliane Prolik. Foto: Marcelo Almeida
A artista Eliane Prolik é outro importante nome que já apresentou seu trabalho no Espaço Cultural BRDE. Em 2015, ela assinou exposição em coautoria com Anna Mariah Comodos e com texto do crítico Adolfo Montejo Navas. "ARR foi uma proposta criada para o Palacete, o que envolve sua carga de antiga residência aristocrática unida à situação atual de espaço cultural pertencente ao órgão público para desenvolvimento econômico regional, este o contexto histórico, geográfico, social, econômico, cultural”.
Segundo ela, além da atual adaptação para eventos institucionais e exposições, arquitetonicamente o local não tem a neutralidade presente nos espaços para as artes plásticas. “É composta por uma infinidade de ornamentos ecléticos característicos advindos do projeto de Cândido de Abreu ofertado a sua irmã, a primeira moradora da casa e forte empresária da erva-mate, Maria Clara”.
Exposição ARR, de Eliane Prolik. Foto: Marcelo Almeida
Exposição ARR, de Eliane Prolik. Foto: Marcelo Almeida
Na mostra, foram exibidas obras de cada artista em separado e
outras produzidas em parceria. A instalação Espelho-espelho
de Eliane Prolik (2015, espelho, aço inox e acrílico) ocupou dois ambientes. “A
primeira, no hall de entrada do Palacete, situada num espaço fronteiriço e de
proa, entre a rua ou a cidade e a área interna de acesso, com o trabalho em
ação junto ao percurso e movimentação do visitante e seu entorno. Um segundo
conjunto foi instalado na varanda, local que conduz ao jardim, entorno, vizinhança
e cidade”.
Para a artista, foi uma forma de aproveitar o potencial desse
cômodo. “Ali se dá a comunicação entre as várias salas do palacete, chamando a
atenção por ser um meio-fora ou entre-exterior. O sentido labiríntico,
multiplicador e caleidoscópico ali foi mais acentuado pela área ampliada, pelo
número maior de peças, pelos desenhos geométricos e coloridos das lajotas do
piso, pelas diversas portas e janelas com superfícies vítreas e pela evidência
da passagem da luz reverberando de vários modos”.

O Preço da Paz

Além de dar espaço para eventos culturais voltados principalmente às artes visuais, o Palacete Leão Jr. também já serviu como cenário para o cinema, com a gravação do longa-metragem O Preço da Paz. Com direção e produção de Paulo Morelli e roteiro de Walther Negrão, o filme estrelado por Herson Capri, Giulia Gam e Lima Duarte conta a história do Barão do Serro Azul, Ildefonso Pereira Correia.
Na película lançada em 2004, o Palacete Leão Jr. emprestou suas salas para simular a residência do Barão, o que, até hoje, confunde alguns visitantes, que pensam que a construção foi, de fato, a casa do Barão. Na verdade, a verdadeira residência do protagonista é o Solar do Barão, atual sede do Museu da Gravura, do Museu da Fotografia e da Gibiteca de Curitiba, que fica no bairro centro da cidade. O Barão do Serro Azul foi um dos poucos ervateiros a construir sua morada mais ao centro de Curitiba, nem no Alto da Glória, nem no Batel.

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