Patrimônio do Paraná

BRDE Palacete

Do restauro à manutenção: conheça os protocolos de cuidado e preservação do Palacete Leão Jr.

Luciane Belin, especial para HAUS
15/06/2020 13:23
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Foto: Adriano Mansur

Prestes a completar 15 anos como Espaço Cultural BRDE, o Palacete Leão Jr., uma das construções históricas curitibanas tombadas como Patrimônio Histórico Estadual é considerada por muitos arquitetos e restauradores locais como uma das obras mais bem preservadas da cidade.
Construído em 1902 para se tornar a residência da família de
Agostinho Ermelino de Leão Jr., o espaço, também chamado de Solar Leão Jr., foi
vendido à IBM na década de 80, quando foi promovida sua primeira grande
restauração.
Adquirida pelo BRDE nos anos 2000, a propriedade passou por uma segunda intervenção naquele ano e, em 2017, por uma terceira, que devolveu a cor original ao seu exterior.
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE

Diagnóstico e primeiras intervenções

O
primeiro restauro ao qual o Palacete Leão Jr. foi submetido
aconteceu em 1986, sete anos depois de a edificação ter sido incluída em uma
lista de propriedades candidatas ao tombamento como patrimônio. O projeto
técnico do restauro foi assinado pelo arquiteto Jeferson Dantas Navolar, que
continuou à frente das duas intervenções seguintes.
Ele conta que, após uma avaliação inicial e considerando os possíveis usos futuros do espaço, foi elaborado um planejamento para o restauro focado principalmente na estrutura e manutenção das características históricas. “Os três ambientes fronteiriços eram os que estavam com testemunhos mais completos do seu uso, tinha tapetes, papel de parede, portas trabalhadas, tinha vidro decorado, cortinas ainda centenárias, que nos deram o limite de utilização deste ambientes, inclusive a sala da lareira que estava com seus revestimentos presentes”, lembra.
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
Localizado
em um terreno com 10 mil metros quadrados, o Palacete possui mais de vinte
cômodos, entre o piso térreo e o porão, que foram adaptados para uso como
espaço cultural - ou seja, com visitação e circulação de pessoas. Essa
adaptação é desafiadora, uma vez que precisa ser feita cuidadosamente,
conservando o aspecto original e seguindo preceitos da restauração.
Embora
ainda não fosse oficialmente um bem tombado, havia um interesse dos
proprietários de preservar as características originais. Dessa forma, as
mudanças de estrutura seguiram algumas linhas daquelas que já haviam sido
promovidas ao longo das décadas de uso residencial do palacete. “Três antigos
quartos que já haviam perdido parte das suas características iniciais foram
unificados e transformados em salas de exposição. O volume atual da edificação,
com três escadas, não é o original, foi ampliado em pelo menos duas
oportunidades antes do restauro, onde se construíram cozinha e banheiros, logo
depois da sala de refeições. Há também uma lareira e a grande sala, e se
construiu o torreão posteriormente à obra original, mas a volumetria tinha uma
certa harmonia, então este aspecto se pôde recompor com facilidade”.
Navolar recorda ainda que o subsolo, que até então era menos utilizado, operando como área de serviço, despensa e cozinha, foi transformado em biblioteca e área de apoio aos funcionários, além da instalação de um gerador elétrico para o caso de queda de energia.
"Janelas" da restauração mostram fases anteriores da pintura na parede. Foto: Guilherme Pupo
"Janelas" da restauração mostram fases anteriores da pintura na parede. Foto: Guilherme Pupo

Desafios do restauro

A
recuperação estrutural da casa, que na época tinha quase nove décadas de
história, foi, segundo Navolar, o aspecto mais desafiador da primeira intervenção.
“Recuperamos os forros de estuque, que estavam em situação bastante delicada,
com rachaduras e pouco estável. Trouxemos o professor Mario Mendonça, da UFBA,
o maior conhecedor de tecnologia de restauro do Brasil, para colaborar com o
projeto e a contribuição dele foi fundamental, especialmente nesta
recuperação”.
A recuperação exigiu criatividade: tufos de fibras longas de vidro foram aplicadas com resina e fixadas a distâncias de 10 a 15 centímetros uma da outra, para reforçar a estrutura. “Depois, com uma malha horizontal, se penteava toda essa fibra, criando uma nova argamassa, o que gera um conjunto trabalhado que permite nivelamentos mecânicos na parte inferior. Para nós, tudo isso foi um grande aprendizado”, lembra ele.
Foto: Guilherme Pupo
Foto: Guilherme Pupo
Ainda no primeiro restauro, o Palacete Leão Jr. passou por intervenções nas pinturas externas e na decoração. A marcenaria, majoritariamente em cedro rosa, foi um dos pontos de cuidado, assim como a vidraçaria. “O detalhamento exigiu muito das equipes. A maioria dos vidros originais já não estava mais lá, então fizemos um inventário das aberturas com os monogramas de Maria Clara e Agostinho”.
Artistas locais e estrangeiros foram contratados, na ocasião, para colaborar com o restauro das pinturas do teto, da tapeçaria e das cortinas. “Em alguns casos, recorremos a soluções caseiras, com costureiras habilidosas que tiveram a paciência e o cuidado de lavar as cortinas a seco, ver que peças faltavam, como estavam os suportes, que tipo de pano era utilizado e como se fazia o douramento nos suportes”, explica.
Exposição Tempo Matéria, de André Nacli. Foto: Divulgação/ André Nacli
Exposição Tempo Matéria, de André Nacli. Foto: Divulgação/ André Nacli

Coadjuvante no terreno

Embora muito se fale sobre o Palacete dos Leões, essa não é a única construção no terreno em que o mesmo se encontra. Quando adquiriu a propriedade, a IBM construiu um prédio de escritórios nos fundos, já na época respeitando a harmonia do espaço com o entorno. A construção, assinada pelos arquitetos Alfred Willer, José Sanchotene e Oscar Müeller, data de 1987 e considerou, segundo Navolar, todos os critérios de preservação da propriedade - a área, o dimensionamento em relação ao palacete, o grande bosque do terreno, o conjunto entre o antigo e o novo. Mas, apesar da estética muito elogiada e da funcionalidade do novo prédio, o Palacete continuou sendo considerado “a cereja do bolo”.
Uma
vez finalizado o primeiro grande restauro , além da manutenção periódica
necessária para garantir a preservação do imóvel, a segunda intervenção, em
2000, consistiu em uma grande revisão das mudanças feitas mais de uma década
antes e em averiguar a necessidade de novas mudanças.
“A
legislação daquele momento já nos levou à instalação de um elevador e de uma
estrutura dedicada a pessoas com deficiência motora, então pudemos instalar um
elevador, corrimãos em alturas adequadas, implementar uma nova instalação
elétrica e hidráulica, o sistema de informática já veio para dentro do
palacete, e foi feita uma área de infraestrutura de cozinha e banheiros mais
bem dimensionada”.
A
obra incluiu também uma revitalização de paisagismo e condicionamento térmico,
uma vez que até então o espaço utilizava apenas a ventilação natural.

Atenção constante e manutenção

Com um edifício histórico, o trabalho de cuidado é constante, e o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE dedica esforços contínuos à conservação do mesmo. Por isso, em 1986, 2004 e, mais recentemente, em 2018, sucederam-se importantes intervenções no Palacete Leão Jr., conduzidas por renomados profissionais de Arquitetura e Restauro.
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
A
terceira intervenção foi, possivelmente, a de maior repercussão, uma vez que
alterou consideravelmente a imagem externa do espaço. Vizinhos, apreciadores da
história de Curitiba e outros arquitetos comentaram a repaginação, que
substituiu o tom lilás pela cor azul. “As pinturas estavam encobertas, foi
feito um decapê com cuidado para identificar o tom correto. Há uma leve
diferença entre o restante do palacete e a varanda lateral, que não é pintada.
Nela, foi recuperada a pintura original, por isso é mais tênue”, detalha
Navolar.
O
arquiteto Roberto Martins, responsável técnico e sócio da empresa ArquiBrasil,
que executou o restauro mais recente do Palacete, complementa: “Foram feitos
alguns testes de tonalidade para validar a cor preestabelecida em projeto, a
qual foi confirmada como a escolha mais adequada em conjunto com os arquitetos
da Coordenação do Patrimônio Cultural, Órgão da Secretaria de Estado da
Cultura”.
Martins
reforça ainda outro aspecto referente ao tipo de tinta utilizada - a acrílica.
“Em casos como este é praticamente impossível a volta à utilização da pintura a
cal [como era feito na época da construção do Palacete], posto que isso
demandaria a remoção de todas as camadas de tinta, inclusive dos elementos
decorativos, camadas de massa e revestimento não originais porventura
existentes. Algo que fugia totalmente do escopo da obra.”
Além da cor, a terceira restauração incluiu uma readaptação do pavimento inferior, corrigidos problemas de infiltração da escadaria frontal e recuperadas as compoteiras com os pináculos que ficam no telhado, entre outros ajustes de manutenção.
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
Foto: Guilherme Pupo/ Divulgação BRDE
De
lá para cá, a principal alteração pela qual passou o Palacete foi o restauro das duas peças decorativas em formato de leão que recebem
os visitantes à entrada do terreno, na parte externa. As peças originais,
importadas de Portugal, da Fábrica Santo Antônio do Vale da Piedade, na região
do Porto, foram restauradas primeiro por Carlos Alberto Cruz, em 1987, depois
em 2007 e em 2018, por Ângela Damiani.
Atualmente, para preservar a integridade das peças de cerâmica, as originais foram realocadas na parte interna do edifício. No exterior, seus pedestais agora ostentam duas réplicas desenvolvidas com tecnologia 3D.

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