Design de mobiliário

Decoração

Conheça o trabalho do brasileiro que é um dos últimos ebanistas do mundo

Luan Galani
26/08/2020 20:43
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O carioca Ricardo Graham Ferreira, 49, é um dos últimos ebanistas. O ofício quase extinto no mundo contemporâneo consiste em criar e produzir peças de design de madeira de modo artesanal. O brasileiro que vive no coração da região serrana do Rio de Janeiro, em Nova Friburgo, aprendeu as técnicas tradicionais de trabalhar com madeiras e também metais e alguns materiais exóticos, como o marfim, durante quatro anos intensos de estudos com mestres ebanistas do sul da França e do norte da Itália há quase duas décadas.
O artista reconhece na liberdade criativa seu maior trunfo. Sem limitações de rotulagem de estilo ou grilhão conceitual de qualquer tipo, dedica-se a imprimir um frescor real em móveis novos por meio de processos renováveis e sustentáveis. Por isso integra a gangue dos principais designers de mobiliário contemporâneo. Sua obra mais famosa, que rodou o mundo, é o banco Sela, que consegue ser robusto e leve ao mesmo tempo. Hoje o banquinho é fabricado tanto em seu ateliê como pela tradicional movelaria dinamarquesa PP Mobler, que também produz desenhos de Zaha Hadid e Verner Panton, por exemplo.
Banco Sela, uma das principais criações de Ricardo.
Banco Sela, uma das principais criações de Ricardo.
Confira entrevista de Ferreira a HAUS, concedida em 2020:
Poderia fazer um resumo da sua caminhada acadêmica ou de vida até chegar a optar por ser ebanista? 
Minha decisão de fazer marcenaria surgiu depois de formado. Eu ingressei na faculdade para estudar desenho industrial. No meio do curso eu passei para marketing. Me formei. Cheguei a trabalhar um pouco com marketing. Mas foi durante esse período que decidi estudar marcenaria. Eu até então não imaginava que pudesse ser marceneiro. Mas quando me permiti tomar essa decisão, abriu-se em mim um canal de muita força. Muita alegria. Tava me permitindo fazer algo que eu tinha muita vontade desde pequeno.
E foi aí, nessas análises e observações minhas, que eu fui me dando conta quanto a madeira fazia parte das minhas memórias. Lembrava de detalhes de móveis, dos brinquedos de madeira que eu observava como se encaixavam. Essa foi a minha decisão. Em 2002, quando a minha filha estava com 7 anos de idade, eu fui estudar marcenaria na Itália. Estudei por 4 anos, com muitas idas e vindas para ver a minha filha, e assim foi a minha introdução à ebanisteria. Sou formado por duas escolas, uma na itália e outra na França.
Em que consiste o trabalho do ebanista?
O trabalho do ebanista é: reconhecer e conhecer a matéria-prima que ele usa. Que é em grande parte a madeira, mas não exclusivamente. O ebanista de uma época era aquele marceneiro, daí vem o termo, que trabalhava não só com madeira, mas com materiais exóticos, nobres, de muito valor. Usava-se madeira, varias espécies, pérolas, metais, latão, prata, bronze, casca de tartaruga. Esses outros materiais eram usados para fazer adornos e para marchetaria, técnica que o ebanista também é qualificado em fazer. O termo surgiu a séculos atrás, até onde eu soube, na França porque os ebanistas trabalhavam com esses materiais exóticos, entre elas o ébano, a madeira preta, originária da África, aquela madeira preta dos pianos antigos.
Com quais madeiras você trabalha?
Adoro falar disso. São muitas. Aqui no Brasil a gente tem uma variedade muito grande. E pelo meu trabalho ser artesanal, de marcenaria tradicional e não mais industrializado, não em grande série e grande volume, isso me permite trabalhar com uma variedade maior de madeiras. Porque acabo tendo mais tempo, posso me dedicar a esse ou aquele material. Cada madeira é quase como que um material diferente. Tem caracteristicas diferentes. Gosto principalmente de roxinho, freijó, sucupira, muirapiranga, cumaru, ipê, jequetibá, louro-faia.
Até que ponto seu trabalho é uma expressão tipicamente brasileira?
Essa é difícil de responder porque tenho receio de se há uma expressão tipicamente brasileira. Sou cidadão brasileiro, nasci aqui, tive influências dos meus pais e do meu entorno, que é também brasileiro. Minha família tem origem na Europa, mas há três gerações atrás. Eu utilizo madeiras brasileiras, as madeiras tropicais. Mas não necessariamente. Eu gostava das madeiras europeias também. Agora o que faz o meu trabalho uma expressão brasileira é que eu sou brasileiro. Para aumentar a reflexão: um dos pais do móvel moderno brasileiro é o Joaquim Tenreiro, que era um português. Ele usava palhinha, que não sei se é algo brasileiro.
Mas se tornou muito brasileira. Por ser arejada, por ser muito visto no móvel moderno brasileiro. A Lina Bo Bardi é italiana e virou um ícone com suas produções. E por aí vai. Então, o brasileiro é o que? Eu não tenho um estilo que eu sigo. Tento produzir através do impulso criativo, da expressão que me vem de forma mais espontânea. Cabe a cada um reconhecer se é uma expressão brasileira.
Esse caráter de slow design da sua produção é bem sedutora e inspiradora. Acha que agora, em tempos de coronavírus, esse deverá ser um dos nortes da indústria do setor para inovar?
Esse termo slow design é uma forma de gourmetizar o trabalho artesanal. Sem de forma alguma diminuir a sedução que esse trabalho faz. O slow design sempre existiu. Acho que o que tá acontecendo, parecem ondas, vão se conectando mais com isso, tem vontade de fazer, desde quem quer fazer como hobby ou seguir essa carreira, ou quem quer consumir. O movimento pega produtores e consumidores. Agora falar de mim é mais fácil. O tempo artesanal é mais manual, é tempo do ser humano, não da máquina, que cospe produto um atrás do outro. O que é feito à mão tem que ter habilidade, respeitar a matéria-prima, regular maquinário. Tempo relacionado com a natureza, de esperar madeira secar e coisa assim.
Como definiria a sua linguagem de mobiliário?
Outra pergunta que eu acho difícil. Se eu tentar adequar isso a alguma característica ou tipo de linguagem já existente, vou ficar batendo cabeça. Tem um pouco de art deco, lembra o móvel moderno etc. São sempre referências que tentamos buscar para tentar dar identidade ao que estamos vendo. Para mim, a criação original, nova,  demanda coragem. Tem que colocar a cara, você está se expondo. A gente ouve artista falar disso. O meu trabalho é artístico. Tô botando minhas ideias. E elas são originais. Pode reconhecer nele familiaridades com outras épocas, outros estilos, mas a expressão do meu trabalho é principalmente uma expressão minha. É o meu impulso criativo traduzido no trabalho. Gosto muito de curvas. De mostrar os veios e fibras da madeira. Eu não pinto a madeira, por exemplo.
Cadeira Três Pés
Cadeira Três Pés
Quais as maiores dificuldades em se trabalhar dessa forma mais sustentável?
Eu acho que o trabalho artesanal em si tem como base a sustentabilidade. O trabalho artesanal lida com o tempo humano, com a matéria-prima de uma forma mais direta, a produção é mais lenta, a quantidade é menor, e isso é mais sustentável. Bem diferente do industrial, em que tudo é grande. O consumo de combustível para manter as máquinas ligadas é grande. O desperdício é grande. A dificuldade que eu encontro é a compra de matéria-prima. Temos que estar muito atentos ao consumo da madeira. E a madeira é um material que renasce. diferente de outros materiais, cujo tempo de reaparição na Terra é muito maior. Procuro madeiras que tenham certificação sustentável, que tenham documento de origem florestal e madeiras de demolição. Uso esses três caminhos para procurar madeira.
Como é seu processo de criação?
Meu processo é um tanto livre e espontâneo. Uma vez me preparei para falar sobre processos criativos e fiquei preocupado em como falar sobre algo que para mim é tão espontâneo. Se posso dizer que tenho um método, o meu é permitir que o processo tenha uma expressão genuína, desde desenhar à mão com papel e lápis. Sinto que as curvas ficam mais bonitas. Demanda um esforço. Poder desenhar bonito. Tem que ter paciência. E acontece no contato direto com a madeira. A madeira sugere onde fazer a curva, o que será mais fino ou mais grosso, o que fica para cima ou para baixo. A madeira tem uma importância muito grande no processo.
Por que acha que o mobiliário com DNA brasileiro faz tanto sucesso no exterior? Criamos um mito muito alegórico da nossa linguagem de móveis e por isso atrai? Ou a qualidade é definitivamente superior?
Essa pergunta é tão difícil quanto aquela da expressão brasileira. Não sei o porquê. Graças a Deus as pessoas estão descobrindo. Tem que saber aproveitar essa onda. Acredito que tem a ver com o estilo que as pessoas reconhecem mesmo. Vejo que tem marcas grandes que estão se colocando mais lá fora, como a Etel, por exemplo. Isso é uma influência. Mostra muito da qualidade. A meu ver parece que a madeira tem uma expressão muito grande do que é o móvel brasileiro. Contemporâneo ou não. Não sei dizer se é qualidade superior. Do meu trabalho, tem expressão lá fora também. Volta e meia a gente exporta.

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