Design

“Algumas tecnologias matam a humanidade”; leia entrevista exclusiva com o designer Philippe Starck

Luan Galani*
20/11/2016 21:00
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Foto: James Bort/Divulgação

Philippe Starck dispensa apresentações, mas a alcunha que melhor lhe cabe é a de rei dos subversivos. Ele subverte a ordem de diversas maneiras: distribui sorrisos gratuitamente, tem a simplicidade dos bons, não abandona o bom humor, revoluciona o simples com elegância e não poupa críticas a quem precisa ouvi-las. É isso que faz do francês de 67 anos um astro do design aclamado internacionalmente.
Seu gosto é por repensar os objetos do dia a dia, dando novos tons para o cotidiano a partir de ideias simples, onde vira e mexe mora sua genialidade. Não importa se é com mobiliários, espremedores de frutas ou hotéis de luxo. Tudo tem de ser estimulante, vibrante e emocional. E justamente por isso é fã confesso do Brasil, em suas próprias palavras.
Starck falou com a HAUS durante sua passagem relâmpago por São Paulo para contar os detalhes da direção artística que assina nas suítes do Rosewood São Paulo, complexo de luxo que sairá na cidade em 2017 na histórica Cidade Matarazzo.
O que é mais desafiador de fazer para você: interiores, mobiliário, moda?
Esquecer de mim. Não fazer peças Starck. Tenho de estar seguro de mim para isso. E tenho de ser sempre muito humilde. No projeto Rosewood, por exemplo, precisei mergulhar na cultura brasileira. O processo de trabalho foi desafiador. E me trouxe a um lugar diferente, me deu oportunidade de melhorar minha qualidade. E com o comprometimento de fazer tudo com raízes brasileiras, de entender a alma brasileira.
E qual é essa alma genuinamente brasileira?
A primeira regra foi ter respeito. Isso é parte de quem vocês são. Então propus um renascimento, uma revalorização. Outros povos se fiaram na materialidade, na prata, no plástico, no metal. A estética que vocês escolheram para manter a vida é a vida, a carne, o humano. Vocês são o único povo do mundo que tem humanidade.
Detalhes do projeto de interiores das suítes do Rosewood São Paulo assinadas por Starck. Fotos: Ruy Teixeira/Divulgação
Detalhes do projeto de interiores das suítes do Rosewood São Paulo assinadas por Starck. Fotos: Ruy Teixeira/Divulgação
Você interpretou o Brasil de uma maneira bastante madura. Como fez para não cair no Brasil do alegórico e do folclore?
Para mim não foi difícil. Mas havia armadilhas, sim. Porque existe diferença entre encontrar o coração do tema, a alma, o que é o correto, e o resto. Meu trabalho é sempre procurar por esse centro. Aliás, meu único talento é encontrar o coração das coisas. Comecei por isso [ele aponta para um cocar pendurado na parede]. Por que isso? O mistério! A magia! A floresta úmida, escura, densa, que não permite identificar as pessoas direito, e, por isso, os caçadores usavam para não serem confundidos com animais. Comecei a entender a lógica de tudo. Depois vieram os africanos, os italianos e outros povos. Então o segredo é sempre começar com os porquês. E não dizer: “Ai, que bonito”.
Quais as referências brasileiras que o inspiraram? Que nomes o impressionam no design brasileiro?
Péssima pergunta para mim. Não sou bom com nomes. Às vezes não lembro nem o nome da minha esposa. Não posso dar nomes, mas quando falo com a minha esposa, ela lembra de todo mundo. Eu não tenho ideia.
Como essas outras culturas influenciam seu processo de criação, já que você é um cidadão do mundo?
Eu não me importo com as culturas normalmente. Em geral, não são interessantes. Com exceção do Brasil, onde a cultura é rica, rica, rica. E isso combina comigo. Loucura, paixão, escuridão, cor, sim. E eu sou isso também. Por isso foi um prazer fazer o Rosewood São Paulo. Quando trabalho nos Estados Unidos, que traço da cultura posso explorar lá? Não há resposta.
Até que ponto a tecnologia é fundamental na sua criação? Alguns acham que o futuro é o caminho contrário, o artesanal.
Tudo tem tecnologia. Às vezes high tech, às vezes low tech. O cocar por exemplo é super low tech. Veja as ondas da internet: super high tech. Se quiser ser atemporal, temos de entender isso. E compreender que essa tecnologia é válida. Deve-se escolher sabiamente para utilizar menos coisas estúpidas. Às vezes algumas tecnologias matam a humanidade.
Cadeira feita por Starck para Dríade. Foto: Divulgação
Cadeira feita por Starck para Dríade. Foto: Divulgação
Por que você escolher seguir pelo caminho plástico? O que está por trás dessa escolha?
Eu sou o presidente global do clube social de admiração da inteligência humana. E o plástico é um produto criado pela inteligência humana. Nós não criamos a madeira, não criamos a pedra, não criamos o ferro. Criamos o plástico. E hoje alguns produtos sintéticos são muito melhores em qualidade que os naturais. Por isso, se posso, uso plástico para honrar a inteligência humana. E também: quando faço uma cadeira de plástico, por exemplo, eu não estou cortando uma árvore. Quando cubro uma cadeira com plástico, não mato ninguém. Por isso também me auto-intitulo presidente do clube de morte zero, que significa que não precisamos matar uma folha sequer.
O seu perfil de criação mostra que você é um faz tudo. Qual a intenção de pensar um pouco de tudo dos objetos do cotidiano?
Não é um pouco de tudo. Não sou arquiteto. Não sou designer. Não quero ser arquiteto. Não quero ser designer. Porque não me interessa. É o trabalho que me escolheu. Todo mundo quando nasce tem um dever com a sociedade. A primeira regra é que todo mundo precisa de legitimidade. Tem de encontrar sua própria legitimidade. E, para mim, não é inteligente, mas o jeito mais fácil de me legitimar é servir. Eu tenho ideias, tenho propostas, visões. Meu trabalho é usar meu know-how para comunicar. Meu trabalho não é fazer prédios. Mas ideias do que deve ser a cidade, as pessoas, as construções. Sobre sexualidade, perfume, o que é humano. Tudo que faço é para falar de algo além: política, tecnologia, sexo, Brasil. Imagine se seu parceiro falasse de uma coisa só. Ficaríamos loucos. Eu falo de tudo que acho interessante, quando faço um avião, um perfume, uma cadeira, um calçado. Por isso meu trabalho é comunicar. Eu não imponho nada. São sugestões.
Você cria e pensa esses espaços. Mas como é o seu espaço? Como é esse lugar Starck?
Sou viajante, nômade, um apátrida. E eu trago minha esposa. Sempre viajamos juntos. Ela é minha casa. Com ela tenho sorriso, boa música, elegância, beleza, amor, tenho tudo. E nunca nos separamos. É suficiente. Somos cobaias. Somos do mundo.
"Não quero ser arquiteto. Não quero ser designer. Porque não me interessa. É o trabalho que me escolheu. Todo mundo quando nasce tem um dever com a sociedade. A primeira regra é que todo mundo precisa de legitimidade. Tem de encontrar sua própria legitimidade. E, para mim, não é inteligente, mas o jeito mais fácil de me legitimar é servir." Foto: James Bort/Divulgação
"Não quero ser arquiteto. Não quero ser designer. Porque não me interessa. É o trabalho que me escolheu. Todo mundo quando nasce tem um dever com a sociedade. A primeira regra é que todo mundo precisa de legitimidade. Tem de encontrar sua própria legitimidade. E, para mim, não é inteligente, mas o jeito mais fácil de me legitimar é servir." Foto: James Bort/Divulgação
*O jornalista viajou a convite do Rosewood São Paulo.

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