Igluna 2020

Design

Brasileiro cria utensílios de cozinha para astronautas utilizando matéria-prima lunar

Luan Galani
13/08/2020 21:31
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Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação

Estudantes do mestrado em Design de Produto Integrado, do Politécnico de Milão, na Itália, criaram novos utensílios de cozinha para astronautas da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês). Um dos designers responsáveis pelo projeto inovador é o brasileiro João Henrique Dluhosch, 24 anos, que, junto com a ítalo-colombiana Laura Stella Herrera, 25, e os italianos Francesco Memo, 24, e Riccardo Toldo, 25, concebeu uma cafeteira, uma sorveteira, um forno e um esterilizador de alimentos e ferramentas domésticas, todos impressos em 3D, sem precisar de energia elétrica para funcionar e utilizando matérias-primas encontrados na própria superfície da Lua.
A iniciativa, que contou com a supervisão de Annalisa Dominioni e Benedetto Quaquaro, ambos do Departamento de Design da instituição de ensino italiana, integra o Igluna 2020, projeto coordenado pelo Centro Espacial Suíço, com apoio da Agência Espacial Europeia, para fomentar soluções interdisciplinares para a vida no espaço. As ideias foram apresentadas no dia 13 de julho em um evento online.
Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação
Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação

Porque repensar os utensílios de cozinha

Em entrevista exclusiva para HAUS, o brasileiro Dluhosch conta que, no início, o grupo até considerou se dedicar a pensar ferramentas de segurança no interior das bases espaciais, como extintores, e até equipamentos para exercício físico dos astronautas. "Mas começamos a analisar o ambiente interior da base lunar que serviu de ponto de partida para nosso projeto e percebemos que um dos lugares de união, interação e relaxamento seria o espaço comunal, onde a cozinha está inserida", explica o designer brasileiro natural de Curitiba.
"Quando apresentamos essa ideia em uma das etapas do Igluna, observamos que 5 propostas eram voltadas para a produção de alimentos em ambientes extremos. Então, considerando que grande parte dessa produção precisaria ser preparada antes do consumo, vimos a oportunidade de se dedicar aos utensílios de cozinha", resume.
 Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação
Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação
Atualmente o cenário internacional de utensílios de cozinha para estações espaciais e foguetes, segundo o italiano Francesco Memo, um dos desenvolvedores, foca apenas na eficiência dos produtos e em seus aspectos tecnológicos. "Quisemos destacar o uso de materiais do próprio local [materiais nativos da Lua, por exemplo] na fabricação dos objetos e as novas tecnologias de impressão 3D que as agências espaciais estão desenvolvendo", frisa Memo para HAUS. "Um dos pontos-chave do nosso projeto foi a redução da necessidade de componentes técnicos nos utensílios, a fim de diminuir os suprimentos necessários da Terra."

Humanização das missões espaciais

Outro fator crucial na reinvenção dos utensílios foi considerar o bem-estar dos astronautas, um dos pontos frequentemente esquecidos no desenvolvimento de ferramentas técnicas para as estações espaciais. "Em missões de longa duração, como aquelas de cientistas no Ártico, por exemplo, sabemos por experiência própria que confinamento em um único lugar por um longo período pode ser um problema, especialmente para o psicológico das pessoas" lembra a colombiana Laura Stella Herrera, destacando a importância dos objetos inspirarem familiaridade e ajudarem nas relações emocionais.
  Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação
Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação
Prova desses argumentos é que recentemente alguns astronautas começaram a interferir nesses espaços tão assépticos de afetividade. O designer brasileiro relembra de casos em que astronautas grudaram figurinhas de suas missões pela nave e que a DoubleTree se uniu com a Agência Espacial Norte-Americana para assar cookies pela primeira vez no espaço.
"Outra ação que me chamou atenção foi a inserção de um dinossauro de pelúcia adorável em módulos da SpaceX, batizando o bichinho de Sensor Gravidade Zero", diz Dluhosch. "Mais e mais a gente vê a humanização das missões espaciais. Por isso focamos em objetos comuns no nosso planeta e que ainda não foram feitos para o espaço: cafeteira, sorveteira e forno", conclui.
Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação
Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação

Detalhes dos novos utensílios

Todos os produtos foram concebidos levando em conta seu tamanho compacto, já que o espaço é rarefeito dentro das estações; funcionalidade máxima, uso intuitivo sem precisar de manual e conserto facilitado. Tudo isso utilizando tecnologias existentes em contextos diferentes.
Archaic é a sorveteira, que não precisa de energia elétrica ou outro sistema complexo para funcionar. Ela utiliza a temperatura externa do espaço para gelar uma mistura fluida (em um compartimento interno) que irá esfriar o conteúdo do sorvete. E como base de sabor uma dieta a partir das plantas cultivadas nas áreas de plantio do espaço, como esclarece o italiano Riccardo Toldo.
 Archaic. Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação
Archaic. Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação
O esterilizador de alimentos e utensílios foi batizado de UV e funciona a partir de luz UVC, que atualmente é uma tecnologia barata e low tech para eliminar micro-organismos. Ele funcionaria com pouca energia elétrica, da própria estação mesmo, e não foi pensado em extrair energia elétrica de maneira autônoma por causa do baixo uso pelo LED. Teria ainda uma capa de polietileno que protegeria o resto do ambiente e das pessoas durante seu uso, uma vez que a luz pode ser perigosa para a pele humana.
  UV. Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação
UV. Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação
O italiano Memo confidencia que a cafeteira Ma.Co surgiu do que eles consideraram a união perfeita entre necessidade prática e psicológica. "O café é um dos elementos fundamentais da nossa vida. Diferente da Lavazza ISSpresso, máquina de café utilizada a bordo da Estação Espacial Internacional de 2015 a 2017, Ma.Co nasceu como a evolução natural da cafeteira napolitana, feita para funcionar sem fonte de energia ou componentes tecnológicos", explica Memo.
Para seu funcionamento, os designers utilizaram um zeólito sintético, que é um mineral que aumenta sua temperatura quando em contato com a água e que é amplamente utilizado em lava-louças e outros eletrodomésticos. Além dos elementos internos "analógicos", como o contêiner de água e dois filtros de café em cobre.
   Ma.Co. Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação
Ma.Co. Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação
O forno Sugamuxi foi desenvolvido depois de um estudo detalhado das diversas formas de cocção e inspirado em aparatos similares que eram utilizados pelas civilizações pré-Colombianas na América Latina, como relata a designer Laura. Existe uma camada interna de zeólito, o mineral que gera calor quando em contato com a água, que é usada como se fossem pellets miúdos e isolados em um compartimento específico para colocar a água e esquentar.
 Sugamuxi. Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação
Sugamuxi. Imagem: Focus/Igluna/Swiss Space Center/Divulgação

Quando serão utilizadas no espaço?

O designer brasileiro que participou ativamente do projeto explica que, além de todo o conceito técnico pronto, existem protótipos que foram impressos em uma impressora 3D de cerâmica, viabilizada pela SuperForma, uma das patrocinadoras da iniciativa.
"Com esse projeto, quisemos inspirar os especialistas desse campo espacial. Um exemplo brilhante para nós é que o primeiro celular dobrável da Motorola, lançado em 1996, foi inspirado nos aparatos similares da série Star Trek, de 1966", sentencia Dluhosch.

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