Entrevista

Design

“Luxo é cor e irreverência”, defende o designer italiano Matteo Cibic

Luan Galani e Luciane Belin, especial para HAUS
24/11/2021 15:25
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Matteo Cibic é especialista em luxury fun e busca boa parte de sua inspiração no trabalho do tio, o arquiteto e fundador do Grupo Memphis, Aldo Cibic. | Divulgação/ St. James

Um artista transmídia, mestre em luxury fun. Assim se define o designer Matteo Cibic, italiano que, aos 38 anos, tem peças espalhadas pelo mundo em exposições, galerias e boutiques de artigos de luxo.
Com trabalhos que priorizam funções híbridas e formas antropomórficas e divertidas, Matteo costuma dizer que trabalha apenas para pessoas simpáticas. Esse critério o levou a desenvolver desde peças elaboradas por pequenos artesãos a aquelas que passam por processos industriais, dos itens mais exclusivos de colecionador até soluções para empresas high-tech.
Em outubro, Cibic veio ao Brasil a convite do Fórum Internacional de Arquitetura, Design e Arte, BoomSpDesign, quando aproveitou também para visitar algumas das lojas participantes da DW!, como a St. James, marca para a qual assinou a coleção Smooth. Matteo também assina as peças que foram expostas na Florense Gabriel, durante a DW!, na mostra intitulada “Paradise Dreams”.
"Para mim, o design é uma ferramenta social que me ajuda na conexão com as pessoas mais diversas", diz Cibic em entrevista para HAUS
"Para mim, o design é uma ferramenta social que me ajuda na conexão com as pessoas mais diversas", diz Cibic em entrevista para HAUS
Aproveitando sua passagem pelo país, HAUS conversou com o designer sobre suas coleções mais recentes, sua inspiração no tio, o arquiteto e fundador do Grupo Memphis, Aldo Cibic, e sobre a linguagem do trabalho do artista. Confira!
Qual o conceito por trás das peças da exposição Paradise Dreams e como você as desenvolveu?
Meu trabalho é alimentado por sonhos lúcidos. Um sonho é uma combinação irrepetível de memória, imaginação e desejo. Paradise Dreams é uma coleção de sonhos e fantasias pessoais que relatam uma busca para o bizarro e o irracional. A veneração de deuses à imagem e semelhança de seres humanos e animais tem sido um atributo compartilhado de diferentes culturas e religiões desde a antiguidade até os nossos dias. O homem está apaixonado pela ideia de que entidades superiores – com características físicas curiosas e híbridas – pode revelar verdades universais. Ouro sempre foi o material usado para representar sua atração sobrenatural, irradiância, sacralidade.
Seu trabalho é marcado pelo humor, ludicidade e irreverência. Qual é a mensagem que você busca transmitir?
A vida é curta demais para ser vivida com tristeza, fazendo atividades chatas. Para mim, o design é uma ferramenta social que me ajuda na conexão com as pessoas mais diversas, tornando-me amigo íntimo de um tecelão na Índia rural e também de um multimilionário que mora em Manhattan. Amor, liberdade e felicidade são as mensagens. Esses são valores globais que podem unir pessoas de qualquer origem social e local.
Cerâmicas com desenhos de Cibic em exposição durante a DW! 2021
Cerâmicas com desenhos de Cibic em exposição durante a DW! 2021
É inevitável perguntar: em que medida seu tio Aldo influencia você e seu design? Houve muita pressão por conta disso no início de sua carreira?
Tanto o trabalho de Memphis quanto o de Aldo influenciam na minha prática diária. O trabalho de Aldo após o período de Memphis tornou-se a antítese de Memphis. Memphis pretendia criar produtos icônicos que surgissem na paisagem interior criando descontinuidade e falta de homogeneidade nas formas, cores e funções. Os produtos de Aldo pós-Memphis ficam suaves e arredondados, são itens icônicos, mas devem se integrar ao meio ambiente, não precisam prejudicar o espectador, são monocromáticos.
Qual a lição mais importante que você aprendeu com ele e sua “gangue” de Memphis?
Sottsass [Ettore Sottsass, membro fundador do grupo Memphis] fundou o Memphis quando tinha cerca de 60 anos e se tornou associado a um grupo de pessoas de 20 anos. A capacidade de criar tal movimento nessa idade e de dar total confiança aos jovens para dirigir uma empresa internacional é algo que me impressiona, e acredito que hoje ainda não aconteça com muita frequência. Ele criou um movimento ao qual você poderia se juntar facilmente. Aldo fez o mesmo comigo quando eu tinha 21 anos e produzi os vídeos e protótipos para um grande projeto da Bienal de Veneza. Ambos, Memphis e Aldo, têm corpos antropomórficos. Mas, na minha opinião, as peças de Aldo têm uma alma, enquanto Memphis tem itens muito rígidos e frios, como uma armadura.
Um artista transmídia que trabalha com diversão de luxo. É assim que se define o italiano, famoso por mesclar funções, formas e cores múltiplas, em que o denominador comum é a alegria.
Um artista transmídia que trabalha com diversão de luxo. É assim que se define o italiano, famoso por mesclar funções, formas e cores múltiplas, em que o denominador comum é a alegria.
Aqui no Brasil, luxo significa sóbrio, neutro, todo branco, cinza ou bege. Muito parecido com o que os americanos gostam. Mas na Itália é tão diferente. Por que você acha que os italianos valorizam mais cores e diversão?
O que você fez para merecer uma casa triste, modesta e deprimente para ser descolada? Acredito que o design deve encorajar as pessoas a serem felizes, não esnobes.
Você visitou Supersalone e Fuorisalone este ano? Quais suas impressões?
Eu gostei. Este formato funcionou muito bem para as pequenas empresas que encontraram uma forma de emergir ao lado das grandes empresas, e para todas as grandes empresas que têm grandes showrooms ou lojas próprias em Milão ou em todo o mundo. Descobri muitas pequenas empresas e tive a oportunidade de falar diretamente com os seus chefes, porque ambos não nos distraímos com o FOMO [Fear of Missing Out, o famoso medo de não conseguir ver tudo] dos muitos eventos e pessoas a conhecer e com o habitual clima de circo que o Salone teve nos anos passados.
Uma das esculturas criadas por Cibic trazem o humor e o fantástico
Uma das esculturas criadas por Cibic trazem o humor e o fantástico
Vocês lançaram novas criações e produtos este ano?
Projetamos e abrimos a primeira loja na Europa, a da Jaipur Rugs, uma empresa social líder com 40 mil tecelões trabalhando nas áreas rurais mais remotas da Índia. Uma coleção de móveis chamada Nasca Booby, para a marca italiana Scapin e uma coleção de papéis de parede para a Texturae.
Em entrevista recente à nossa correspondente em Milão, Fernanda Massarotto, no Fuorisalone 2020, você destacou que era hora de repensar a fast culture. Você acha que a indústria e o setor de design também entenderam isso?
Na verdade, não, ainda não vejo muitas das melhores práticas de economia circular. Estou passando um dia por semana em instalações de resíduos para entender como os produtos são desmontados atualmente, a fim de entender como criar novos formatos de upcycling. A Europa está trabalhando em muitas diretrizes para regulamentar as produções e o uso de materiais, mas acredito que mais esforços devem ser feitos neste sentido. Os tecidos de composição mista, por exemplo, assim como o lixo digital, criam enormes volumes de lixo que não podem ser reciclados de forma alguma.
“O design deve encorajar as pessoas a serem felizes, não esnobes”, declara Matteo.
“O design deve encorajar as pessoas a serem felizes, não esnobes”, declara Matteo.
Você poderia nos contar qual o conceito por trás de suas peças para a St. James, a Smooth Collection? O que você pretendia com essas novas criações?
A Smooth Collection é um experimento de ciência óptica e design. Eu queria criar uma coleção de objetos em que um sólido platônico (prata) estivesse flutuando no ar em uma gelatina transparente (resina). A cor e seus reflexos estão mudando a forma dos volumes e os transformam em um objeto mágico. Os módulos individuais podem ser usados ​​como recipientes, vasos, pequenos templos ou esculturas.
É a sua primeira vez no Brasil? O que você visitou em São Paulo?
Sim. Passei três dias no Brasil como convidado do BoomSpDesign. Tive a chance de visitar os belos edifícios de Niemeyer, o Museu de Arte Moderna e a Bienal de São Paulo, no Ibirapuera, onde provei jabuticaba, me hospedei no hotel metafísico Unique, de Ruy Ohtake, comi pastel e bebi caldo de cana no mercado. Fiquei impressionado com o tamanho e a qualidade das lojas da Alameda Gabriel e do Shopping D&D, e com a fábrica que está incrivelmente fora de escala na cidade.
Cibic assina a Smooth Collection para a St. James.
Cibic assina a Smooth Collection para a St. James.

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