Entrevista exclusiva

Design

Design italiano precisa ser menos espetacular, defende arquiteto Ferruccio Laviani

Fernanda Massarotto, especial para a HAUS
26/05/2020 19:00
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“Quanto ao design ´Made in Italy´ acho que a tendência para o futuro é de ser mais sério, íntegro, mais profissional, e de ser menos espetacular. Deve voltar às raízes sem perder o seu lado criativo”, arquiteto e designer italiano Ferruccio Laviani. | Simone Segalini / Divulgação

Portitaliano. Ou seria italiatuguês. Ferruccio Laviani se comunica em um idioma próprio, fluido, único. O designer e arquiteto italiano, que se sente um pouco brasileiro, não se acanha ao ser entrevistado na língua de Camões. Pelo contrário. Sente-se à vontade. Os quase 10 anos de ponte-aérea Itália-Brasil lhe deram autonomia para dominar um dialeto só seu, recheado de palavras e frases que misturam termos em ambas as línguas. “Hoje, já não falo como antes. Mas há palavras no meu vocabulário que só podem ser pronunciadas em português”, brinca ele, que quando pode volta à nossa pátria amada para visitar os amigos. “O país mudou muito, ficou mais moderno e mais evoluído", diz.
Um dos mais renomados arquitetos – e designers – do chamado “Made in Italy”, 59 anos, nascido em Cremona, a 100 km de Milão, Ferruccio Laviani é talento puro. Seu nome está ligado a marcas como Kartell, onde em 2021, completa 30 anos à frente da direção criativa, Foscarini, Flos, De Padova, Molteni e Dada, Moroso, Cassina, Swarovski, Samsung, Dolce & Gabbana e até Forum e Triton, no Brasil.
O desenvolvimento das boutiques da marca Dolce & Gabbana faz parte do portfólio de sucesso do designer.
O desenvolvimento das boutiques da marca Dolce & Gabbana faz parte do portfólio de sucesso do designer.
Na escola de luthier, em Cremona, sua cidade natal, ele descobriu a madeira e como trabalhar com essa matéria-prima preciosa. “Violino e música fizeram parte da minha vida, mas os anos passados na escola foram fundamentais para que eu descobrisse o design industrial. Digo sempre que o que me salvou foi o fato de, no ano em que comecei a estudar, instituíram um departamento de design de móveis. Ali descobri minha verdadeira vocação”, confessa o italiano que, ainda adolescente, queria seguir carreira como egiptologista (estudioso de temas relacionados ao Antigo Egito).
Eclético, curioso e apaixonado pelo seu trabalho, Ferruccio Laviani conversou com HAUS, por mais de uma hora por telefone, entre muitas gargalhadas, revelações e lembranças.
Sua vida profissional teve passagens curiosas, como pela escola de luthier, até chegar ao curso de arquitetura, na Politécnica de Milão. Qual foi o momento na sua vida onde teve certeza de que o design e a arquitetura fariam parte do seu futuro?
Pode até parecer pueril, mas acho que é comum trazermos lembranças da infância para contar e explicar um pouco das nossas escolhas profissionais. Eu devia ter 10 ou 11 anos e ainda me lembro de uma publicação com várias imagens referentes a grandes obras arquitetônicas. Fiquei maravilhado ao me deparar com a Casa da Cascata, de Frank Lloyd Wright, um projeto que, na minha cabeça, se revelava fora dos padrões. Acho que naquele momento a arquitetura me conquistou. E, por falar em fotos, ainda me lembro de folhear uma enciclopédia e ficar admirado pela genialidade de Salvador Dali, mais especificamente a excentricidade de uma boca cravejada de rubis e recheada de pérolas, com o broche Ruby Lips, de 1949. Acho que são dois momentos que, de forma inusitada, delinearam meu destino.
Quais foram os encontros fundamentais na sua carreira profissional? 
Achille Castiglioni, com certeza. A primeira vez que o vi, eu tinha uns 14, 15 anos (1974/1975). Ele foi a Cremona para uma apresentação e fiquei embasbacado pelo seu carisma, sua presença. Um ser humano especial. Nunca poderia imaginar que anos mais tarde, mais especificamente em 1999, iria assinar com ele uma poltrona para a Moroso. Achille também fez parte da minha vida acadêmica na faculdade de arquitetura, na Politécnica de Milão. Mais do que arquitetura, ele me passou noções importantes de decoração de ambientes internos.
Poltrona assinada por Achille Castiglioni e Ferruccio Laviani para Moroso em 1999.
Poltrona assinada por Achille Castiglioni e Ferruccio Laviani para Moroso em 1999.
Outro encontro fundamental, também nos anos da universidade, foi com o designer e arquiteto Marco Zanuso, um personagem que meu deu uma visão muito teórica do desenho industrial. A lista continua com Corrado Levi, arquiteto, intelectual, docente, um importante nome da história da arte. Sem falar no convívio com meu colega e ex-sócio Michele De Lucchi e com mestres do design, como Ettore Sottsass e Alessandro Mendini.
Na década de 1990, o designer começou a parceria com a marca Kartell.
Na década de 1990, o designer começou a parceria com a marca Kartell.
Você se considera mais arquiteto ou designer? Ou os dois ao mesmo tempo? 
Sou e sempre serei arquiteto. A arquitetura vem antes de tudo. O design vem depois. Sou fundamentalmente um arquiteto que se tornou designer. Vale lembrar que a ascensão do design nos anos 1980 abriu uma porta para muitos profissionais da arquitetura. Até porque a realização de projetos arquitetônicos é obviamente limitada, enquanto a criação de peças de design é muito mais ampla. Com o tempo, admito que fui descobrindo que desenhar objetos era um grande prazer. E eu, modéstia à parte, sou muito bom nisso (risos).
De showrooms, boutiques, escritórios retail, passando por luminárias, peças de mobiliário, projetos de interiores, mostras e instalações para grandes nomes do design internacional. O processo criativo é sempre o mesmo?
Vou ser muito sincero. Não há regras. Tudo acontece casualmente, aleatoriamente, sem muita ordem, se assim posso dizer. Não há limites, as ideias vão ganhando vida e aí vou transformando. Obviamente que as diretrizes (inputs) dados pelo cliente têm um peso, além do valor e do objetivo da marca. Uma conquista profissional minha é o respeito que adquiri e isso me leva a ter total liberdade na hora da criação e, durante o processo, vou “afinando” com o cliente.
Cozinha para a Molteni Dada, em 2007.
Cozinha para a Molteni Dada, em 2007.
O grande salto em sua carreira aconteceu em 1991, quando abriu seu próprio escritório e se tornou diretor criativo da Kartell. O que representa a marca na sua vida nestes quase 30 anos de parceria com Claudio Luti?
Em 1991, quase 30 anos atrás, abri meu escritório depois de ter trabalhado com Michele De Lucchi. O primeiro cliente foi a Kartell, uma empresa já conhecida no mercado, mas que passava para as mãos de Claudio Luti, que vinha do mundo da moda com uma visão completamente diferente. Nessas quase três décadas com a Kartell, a parceria com Claudio se solidificou. A Kartell de Claudio nasceu para ser uma empresa inovadora. E assim é.
Ainda me lembro que revolucionamos tudo, deixamos somente seis produtos no catálogo, como o porta guarda-chuvas Gino Colombini. Partimos do zero. Hoje, a marca tem cerca de 200 produtos em seu catálogo.  E não é só isso. Criamos um conceito para as lojas monomarcas que foram abertas no mundo todo. Aprendi com Claudio noções comerciais, de distribuição e comunicação, que se mostraram muito úteis quando comecei a trabalhar no desenvolvimento das boutiques da marca Dolce & Gabbana e até com a Triton e Forum, no Brasil. Uma verdadeira escola.
Loja Triton Concept, criação de Laviani em 1997, momento em que trabalhou no Brasil.
Loja Triton Concept, criação de Laviani em 1997, momento em que trabalhou no Brasil.
Como você vê o futuro do design e do design “Made in Italy”? 
Fala-se muito em sustentabilidade. Mas esse tema já não faz mais parte do futuro. Ele é presente. A sustentabilidade deve ser uma característica intrínseca do produto, do modo como se faz design hoje. O respeito pelo ambiente é obrigatório. A sustentabilidade é parte da nossa consciência e deve fazer parte integral de qualquer projeto. Quanto ao design “Made in Italy” acho que a tendência para o futuro é de ser mais sério, íntegro, mais profissional, e de ser menos espetacular. Deve voltar às raízes sem perder o seu lado criativo, inovador, funcional e carismático que o tornou objeto de desejo do público internacional.

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