Entrevista

Design

Trio revoluciona indústria dos relógios suíços

Luan Galani
20/03/2021 16:27
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Cada vez mais o mercado de luxo desperta para o fato de que a economia circular é um dogma dos novos tempos. Essa forma de criar e gerar negócios repensa o conceito de lixo, visa reduzir desperdícios e opta pelo uso contínuo de recursos. É justamente alicerçada nessa ideia que a ID Geneve, uma marca de luxo de relógios suíços, anuncia uma inovação surpreendente: a criação de relógios modulares de pulso feitos a partir de aço inoxidável reciclado e de outras peças reaproveitadas e sustentáveis. Pela revolução que a peça representa na indústria de relógios, o projeto recebeu o prêmio europeu de “Transição para a Economia Circular” e o “Prêmio de Economia Circular 2020” da Suíça.
O desenho do relógio, deliberadamente simples, elegante e durável, é inspirado no tradicional encaixe rabo de andorinha, que foi explorado nas pulseiras, nas peças e no logo. “É uma forma icônica que honra com o trabalho extraordinário de artesãos ao longo dos séculos, e que torna o modelo ainda mais dinâmico”, frisam.

Talentos

Os sócios juntaram suas expertises para o projeto. Singal estudou design industrial na Universidade de Artes de Lausanne e trabalhou por 15 anos no mercado de relojoaria e com design de mobiliário urbano e residencial. Nicolas estudou no Hotel Escola de Lausanne e, mais recentemente, atuou como diretor de comércio digital da Coca-Cola Suíça. Já Cédric estudou na Escola de Relojoaria de Genebra. Com o diploma de micromecânica, fez carreira na renomada Vacheron Constantin, e agora é diretor técnico da ID Geneve.
Como surgiu a ideia de criar a marca baseada na economia circular?
Singal Depéry: Eu cresci nas montanhas de Ticino, na Suíça, sem eletricidade ou acesso a carros. Meus pais criavam animais em um contexto de cultura pós-hippie. Então, sempre fui consciente sobre a economia de energia elétrica, por exemplo. Minha vida profissional e a dos meus colegas nos levaram a trabalhar por muito tempo dentro de empresas internacionais. Com o passar do tempo, nós perdemos certos valores. Precisávamos voltar para um projeto que fizesse sentido para nós, que estivesse alinhado com quem nós somos. Com respeito pelas companhias locais, pela pegada de carbono de nossas ações e pelos processos de reaproveitamento.
Qual o objetivo de vocês com essa nova empreitada?
Nicolas Freudiger: Nossa meta é mostrar que o luxo em 2021 pode ser diferente e comunicar valores de sustentabilidade e circularidade. Um relógio, em termos de quantidade, é nada. Mas em um nível simbólico, é tudo. A pessoa que usa o relógio também carrega e transmite seus valores. É um acessório muito pessoal. Queremos mudar o modelo de negócio da indústria de relógios e ser um exemplo que possa influenciar outros atores.
Por que vocês decidiram criar uma nova marca de relógio?
Nós três trabalhamos para a indústria de relógios há anos. Para sacudir esse setor, você precisa conhecê-lo de dentro para fora: processos, circuitos, padrões. A relojoaria é uma indústria muito tradicional e padronizada. Então surgir com um conceito de um sistema inteiramente circular é de fato revolucionário.
A linha de produção é inteiramente baseada no desenvolvimento sustentável. Como o consumidor pode estar seguro de que isso é verdade?
O aço inoxidável vem dos resíduos da indústria de relógios e da indústria de máquinas médicas de Jura, na Suíça. O material é separado, classificado e verificado se o aço é 4441, uma qualidade premium para a indústria da relojoaria. Então, é selado até termos toneladas suficientes para derreter e fundir. Esse aço é certificado por um laboratório. Somos bem transparentes com nossos parceiros sobre cada material empregado. E cada parceiro tem sua própria certificação. Tudo isso é comunicado para o consumidor final. Além disso, trabalhamos também com a certificação independente da Quantis, que mostra que a pegada de carbono do aço que utilizamos é 10 vezes menor do que a pegada do aço produzido do zero.
Vocês receberam o Prêmio de Economia Circular 2020. O que isso representou para vocês e para seus primeiros produtos?
Pelo período de um ano nós fomos aconselhados e mentorados para delinear melhor nossa economia circular. Dessa forma, foi possível refinar o que queríamos. E ganhar o prêmio, ao lado de outras startups incríveis, representa o primeiro reconhecimento público do que conquistamos. É uma garantia importante de confiança e profissionalismo.
“Precisávamos voltar para um projeto que fizesse sentido para nós, que estivesse alinhado com quem nós somos. Com respeito pelas companhias locais, pela pegada de carbono de nossas ações e pelos processos de reaproveitamento.” Singal Depéry, designer.
Podem nos explicar o design dos relógios que vocês criaram? Quais suas principais características?
O design é deliberadamente simples, elegante e durável. Ele foi pensado para ser consertado em qualquer lugar do mundo, o que aumenta consideravelmente o ciclo de vida do produto. É inspirado no encaixe rabo de andorinha (queue d’aronde), uma forma típica e famosa utilizada para reparar partes mecânicas dos relógios. Ela foi utilizada no logo, na pulseira e em outras peças que compõem o produto. É um formato icônico que honra o trabalho extraordinário de artesãos ao longo dos séculos, e que torna o modelo mais dinâmico. O perfil do case foi pensado em camadas para provocar um efeito delicado na peça. A maneira como a luz interage com o modelo também foi cuidadosamente pensada, bem como a precisão dos acabamentos, que somente experts da Suíça conhecem.
Qual o próximo passo? Vocês pretendem continuar com o modelo de financiamento coletivo para as próximas coleções?
O próximo passo é aumentar nosso polo de pesquisa. Vamos criar o ID Lab. O objetivo é encontrar novos materiais circulares, novas startups com as quais podemos colaborar, trocar conhecimento, além de ser uma fonte de propostas para a indústria de relógios do mundo todo. Já iniciamos um polo de pesquisa para novos materiais com o nosso fornecedor de pulseiras. Depois de colocarmos duas startups de materiais circulares em contato, eles decidiram abrir seu próprio espaço de experimentação. Outra startup contratou dois cientistas para desenvolver novos materiais recicláveis e sustentáveis. Além disso, a companhia que nos fornece metal reciclado quer criar uma parceria de longo prazo e permitir que sejamos os primeiros a testar seus novos materiais. Como nosso relógio é modular, a ideia não é propor coleções todos os anos, mas inovar em uma ou outra peça e material.
Vemos tantas ideias incríveis de materiais e designs sustentáveis, mas raramente eles chegam até nossas casas. Quais as maiores dificuldades para a indústria e os consumidores absorverem o que é criado?
Startups que lidam com produtos sustentáveis têm dificuldade de obter uma fatia do mercado devido ao seu pequeno tamanho que, frequentemente, enfrenta gigantes com um marketing potente bem além do poder das startups. Comumente um produto ecologicamente correto tem um preço um pouco mais alto devido à produção local e aos materiais, e muitas pessoas ainda não estão dispostas a pagar por isso. Os valores dos consumidores levam tempo para mudar. Mas em 2020, especialmente, mais e mais produtos sustentáveis foram consumidos.

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