Entrevista

Design

“Milão se rendeu à cultura de que aparecer é mais importante do que ser”, disse Rodolfo Dordoni, falecido nesta semana

Fernanda Massarotto, de Milão
01/02/2022 12:59
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Designer e arquiteto Rodolfo Dordoni faleceu na última terça-feira (1º). | Onphrame/Courtesy Minotti Spa

Um dos principais nomes do design contemporâneo, o designer e arquiteto Rodolfo Dordoni faleceu nesta terça-feira (1º), deixando um legado de qualidade estética e ergonômica que protagonizava suas criações para além de sua assinatura. Dordoni não apreciava a alcunha de “archistar”. Pelo contrário. “Prefiro que só minhas criações apareçam. Eu fico nos bastidores”, rebatia.
Milanês da gema, assim como os mestres Achille Castiglioni e Vico Magistretti, Rodolfo Dordoni nasceu na capital italiana do design e formou-se em Arquitetura pela prestigiada faculdade Politécnica de Milão, em 1979, e, por mais de 30 anos, foi diretor criativo da marca Minotti.
Sóbrio, elegante, coerente e minimalista, o estilo Rodolfo Dordoni refletia a identidade low profile da sua cidade natal. E a sua. A receita do sucesso do arquiteto e designer milanês era fruto de sua visão precisa das proporções e da mistura dos ingredientes perfeitos. Em se tratando de cores, Rodolfo Dordoni era quase um conservador.
Em seu escritório “Dordoni Architetti”, em associação com Luca Zaniboni, na Via Bramante, pertinho do bairro de Brera, ele comandava mais de 20 pessoas que se ocupam de projetos de arquitetura e de design. Em conversa por telefone com a HAUS, em fevereiro de 2022, o designer contou um pouco sobre seu trabalho para grandes empresas como Cappellini, Cassina, Foscarini e Kartell, os efeitos da pandemia, sua então volta aos projetos de iluminação, além de como a profissão mudou nos últimos anos. Confira!

Em tempos de pandemia se viu, de alguma maneira, uma mudança no conceito do design e da arquitetura?

Digamos que em relação à arquitetura seria necessário vislumbrar um panorama mais detalhado que envolve a relação entre as cidades e as pessoas. Já quando se trata de design, acredito ser um assunto mais ‘palpável’. Não vejo uma mudança no modo como os designers trabalham, mas talvez na percepção do público em relação aos produtos. O consumidor adquiriu um olhar mais atento, mais analítico e, por vezes, até mais crítico. Com certeza, passou a selecionar com precisão e requisitar por peças e móveis mais funcionais. Essa, talvez, seja a grande transformação. Ressalto que essa mudança ocorreu não por uma necessidade científica, mas sobretudo, por um aspecto pessoal, pois passamos a viver de forma completa nossas residências. Passamos a viver o design e acabamos por entender quão presente ele está em nossa vida.
Sofá Roger da Minotti.
Sofá Roger da Minotti.

Falando de transições, quanto o design se transformou desde que o senhor se formou em arquitetura em 1979?

Para dizer a verdade, a profissão de designer mudou radicalmente, até porque se tornou uma profissão. Na minha época, não havia cursos específicos, o que havia era um programa de design industrial dentro da faculdade de arquitetura. Quem se ocupava de design eram arquitetos que trabalhavam com decoração. Em seguida, surgiu uma segunda geração de arquitetos especializados em desenho industrial.
Hoje, temos os chamados designers saindo das escolas especializadas e temos um novo setor que se aperfeiçoou com o tempo graças também a essa crescente informação e cultura do design. No meu tempo, criávamos de acordo com a nossa intuição, era quase um trabalho artesanal. Eu, por exemplo, que frequentei o ensino médio com foco em educação artística, jamais tive contato com uma matéria de desenho industrial. O aprendizado era adquirido no campo do trabalho.
Hoje não existe mais essa lacuna profissional. O jovem sai da escola com bagagem e instrumentos para iniciar uma carreira. Eu tive a sorte e a oportunidade de entrar para a Cappellini, um histórico nome do design italiano, com Giulio (Cappellini) e lá aprendi tudo. Hoje, é tudo mais fácil.

Arquitetura e design: o senhor se sente mais arquiteto ou designer?

Eu me formei em Arquitetura como já falamos. Ou seja, sou arquiteto de formação, mas, na verdade, me considero um profissional híbrido. De qualquer forma, vejo a arquitetura e o design com os mesmos olhos, com os mesmos parâmetros.
Eu me vejo como um profissional que está muito próximo aos conceitos de forma, de proporção, de estética. Atualmente, me considero muito mais “designer” já que atuo muito nesse campo com a criação de pequenos objetos. Em meu escritório, porém, há pessoas responsáveis por projetos arquitetônicos. Repito e ressalto que o raciocínio nessas duas áreas para mim é o mesmo. O que diferencia um projeto do outro é a nossa personalidade, o nosso gosto e a nossa intuição.

O móvel mais desenhado por Rodolfo Dordoni é o sofá. E lhe faço a seguinte pergunta: quais as características para que um sofá seja perfeito?

A afirmação é correta e acrescento que tendo colaborado com tantas empresas, o sofá acabou virando realmente um produto de ponta no meu currículo (risos). Não quero desiludi-la, mas o sofá perfeito não existe. Até porque é sempre possível melhorar. Com o passar dos anos, ele foi sofrendo transformações e ganhando novas atribuições e, digo mais, não por opção de quem o desenha, mas pela necessidade de se adaptar às exigências de quem o usa. De peça formal na decoração de uma casa, quase um objeto de exposição e representação, ganhou status de móvel essencial, íntimo, acolhedor, proporcionando convivialidade em ambientes residenciais e comerciais. E mais do que tudo, passou a refletir o jeito como as pessoas se comportam, estando mais relaxadas, mais livres. Ou seja, responde às necessidades do momento em que vivemos.

Há alguma diferença na hora de criar um objeto de design e um projeto arquitetônico? O processo criativo é o mesmo?

Acredito que o que distingue o arquiteto do designer é a visão das proporções, o modo como vê o espaço a ser trabalhado. Essa é a leitura que se faz quando se desenha um projeto de arquitetura ou uma peça de design. E quando falo em proporção não digo só em relação à forma, mas também em relação ao equilíbrio entre os materiais que são usados, as cores, tudo que compõe a criação. Nós designers e arquitetos temos à disposição ingredientes comuns, o que faz a diferença é como fazemos essa mistura. O resultado é fruto dessa receita.
Dordoni liderou a Minotti por mais de três décadas.
Dordoni liderou a Minotti por mais de três décadas.

O senhor é o que chamamos um milanês da gema (milanese doc). Podemos dizer que seus projetos refletem um pouco a beleza sóbria de Milão?

Milão sempre foi conhecida como a locomotiva do país. Uma cidade onde o lema é trabalho. Uma metrópole low-profile assim como seus moradores. É claro que os tempos são outros e até mesmo Milão se rendeu à cultura da exposição exacerbada em que aparecer é mais importante do que ser. Infelizmente ou não, sou um tipo nostálgico e prefiro que meu trabalho apareça mais do que eu.

O senhor já desenhou de tudo. O que falta no seu currículo de designer?

A verdade é que desenhei muito, mas não tudo (risos). Há peças que desenhei e que, hoje, as teria concebido de modo diverso. Ou até mesmo, não as teria feito. Sou crítico em relação ao meu trabalho. Talvez, o que falte no meu currículo sejam objetos mais tecnológicos como relógios ou, por exemplo, rádios, peças que não estão diretamente relacionadas ao mundo do design de interiores. Tenho sede de conhecimento, gosto de aprender e trabalhar em novos projetos. É estimulante e revigorante.

Durante o SuperSalone de 2021, o senhor desenhou luminárias para a Foscarini e para a Kartell. Um retorno aos projetos de iluminação. Por que os havia abandonado e o que o fez retomá-los?

Acho que deixei de desenhar peças de iluminação porque não me sentia profundamente conhecedor do tema e até mesmo não preparado. Tudo que está relacionado à iluminação se renova rapidamente e, por isso mesmo, resolvi me afastar de tais projetos. Com o tempo, fui me aproximando das novas tecnologias, passei a seguir de perto a evolução neste campo e com maior autoconfiança resolvi voltar. Esses lançamentos do SuperSalone com a Foscarini e a Kartell mostram o meu modo de ver a luz, onde a luminária não deve esconder a fonte (a luz), ela deve ser a difusora.

A propósito de Kartell: essa é sua primeira colaboração com a marca de Claudio Luti, com a coleção K-Factor, composta de sofás e poltronas K-Wait revestidos com tecidos feitos a partir da reciclagem de garrafas PET, a luminária K-Lux e o tapete K-Lim. Como nasceu essa parceria?

É uma colaboração que nasceu graças não só à relação que tenho com a marca, mas também à empatia e a amizade que tenho com Claudio. Isso tudo me levou a trabalhar com ele. A coleção levou em conta justamente essa atenção à sustentabilidade que a Kartell vem incorporando há anos em seus produtos. As peças da linha K-Factor foram pensadas e desenhadas levando em conta essa filosofia reciclável e coerente que é parte integrante do design atual.

É possível definir o estilo Dordoni em três palavras?

Nunca tentei criar um estilo Dordoni. Sempre imprimi em meus projetos minhas convicções, meus conceitos e minha personalidade. Mas, diria que meu estilo é milanês, racional e coerente.

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