Design

O artista que trabalha para tornar as paisagens urbanas mais divertidas

Luan Galani
18/01/2017 16:47
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Fotos: Studio Roosegaarde/Divulgação | Daan Roggeveen

Antes de se apaixonar por pessoas, ele se apaixonou pelas cidades. E nunca mais Daan Roosegaarde tirou da cabeça o desejo de tornar as paisagens urbanas mais divertidas. O desejo amadureceu e hoje o artista holandês de 37 anos também deseja despertar nosso interesse pelos espaços públicos para mudar nossas relações com a cidade e as pessoas ao nosso redor.
Ele trabalha lado a lado com uma gangue de engenheiros e designers que desenvolve tecnologias de ponta para suas intervenções. Foi eleito artista do ano de 2016 pela Semana de Arte de Roterdã e é considerado pela Forbes um change maker importante da atualidade. Agora também presta consultoria para o governo chinês com a missão de ajudar na melhoria das cidades do país asiático.
As tentativas de reconectar as pessoas aos espaços públicos por meio de intervenções urbanas são a sua marca registrada. Por que você tem essa obsessão? O que isso significa?
O lugar que habitamos tem uma grande influência em como pensamos, como nos comportamos, como interagimos com o mundo ao redor. Por isso é importante ter lugares que são bons para as pessoas. No nosso mundo, tudo vem se tornando cada vez maior e mais prejudicial. Temos problemas com água, energia, entre outros. Foi assim que me tornei fascinado pela questão do espaço público, que todo mundo usa, mas ninguém dá a mínima. E talvez isso seja algo bem pessoal. Sou um cara que se apaixonou primeiro pelas cidades, depois pelas mulheres [risos]. E o que podemos fazer? Propostas. E mostrar que dá para criar energia elétrica por meio da dança, fazer ciclovias que emitem luz à noite para incentivar o modal. Coisas da cidade do amanhã.
Você trabalha bastante com esse conceito de inovação. O que é inovação para você?
Design para mim não é projetar uma cadeira ou uma mesa. É melhorar a vida. Usando a criatividade e a tecnologia para criar ideias que melhorem nossas vidas. Inovação é basicamente questionar. Por que aceitamos a poluição? Como uma água-viva emite luz na água sem bateria? Tenta-se entender essas situações e então sugerir propostas de como podemos fazer melhor. É importante serem sugestões relevantes, future proof [à prova do futuro, em tradução livre, ou seja, a solução precisa fazer sentido no futuro], mas que também sejam divertidas. Fazer coisas e experimentar. É por isso que faço isso.
Paulo Mendes da Rocha, um importante arquiteto brasileiro que ganhou o Leão de Ouro de Veneza em 2016, costuma falar que a cidade é nosso lar fundamental. Quando você percebeu que era possível transformar nossas paisagens urbanas?
Ele está absolutamente certo. O espaço público emerge cada vez mais, o virtual e o mundo físico estão desconectados, só olhamos para as telas, e estou interessado no que acontece quando a tecnologia sai da tela e se torna parte das coisas que vestimos, sobre as quais caminhamos e das cidades em que habitamos. Fazer lugares em que você se sinta mais conectado com você, com seu corpo, com as pessoas ao seu redor. Por isso essa fronteira é cada vez mais borrada. Minha casa é onde meu laptop está. E devemos usar isso para reprojetar as cidades e fazê-las mais habitáveis.
Mas como fazer isso em cidades de escala monumental, como São Paulo ou Pequim? O que artistas, designers e arquitetos podem fazer para aumentar essa percepção?
Precisa de duas coisas. Primeiro de um bom governo, que diga qual é a prioridade, se é poluir menos ou tornar-se autossuficiente energéticamente, por exemplo, e tomar medidas para isso. Como multas para quem poluir mais que o permitido, investimentos em tecnologia. Mas isso leva tempo. No mínimo 50 anos para observar algum efeito. E a segunda coisa é propor novas ideias, coisas que se adaptem ou revolucionem as rotinas. As pessoas devem pedir por isso. Veja o projeto do Smog Free, por exemplo. Com uma única torre não vamos resolver o problema da poluição de uma cidade. Claro que não. Resolve de um parque, talvez. Mas inspira as pessoas e as impulsiona a ser parte da solução, em vez de apenas parte do problema. Você cria um movimento, cria uma tensão, cria consciência. Trabalhamos com o governo da China para transformar a cidade em 10 anos. Temos de ser infiltrados felizes. Criar a mudança fazendo, mostrando algo diferente.
Nesse mesmo trabalho que citamos agora, o Smog Free Tower, você concebe o ar como beleza. Como é esse processo de descobrir beleza e surpresa em elementos simples do dia a dia que estão sempre na nossa frente?
Eu sou um artista. Por isso sou interessado sempre pela beleza. Mas para mim uma Ferrari não é beleza. São os lugares que inspiram. Nas cidades o ar limpo é a nova beleza. E fazendo a compressão dessas partículas para fazer os anéis, você mostra o que é inovação e o valor das pessoas. Eu foco na tecnologia, mas não posso esquecer das pessoas. A tecnologia não resolve tudo. As pessoas precisam ser incentivadas. Nós sempre olhamos para a natureza. Como águas-vivas ou vaga-lumes. O que aprendemos deles? Como podemos emprestar princípios da natureza para fazer nossas cidades mais humanas novamente. As cidades em que vivemos agora são tão brutais. Fico extasiado, mas também quero sempre aprender algo disso.
Torre do projeto Smog Free: maior purificador de ar do mundo, que recolhe fuligem para a criação de bijuterias.
Torre do projeto Smog Free: maior purificador de ar do mundo, que recolhe fuligem para a criação de bijuterias.
E sustentabilidade? É uma palavra tão popular hoje. Como você concebe esse conceito? É uma preocupação em suas criações?
Absolutamente. Para mim sustentabilidade é o novo padrão. Em 2008 nós fizemos a primeira pista de dança que gerava energia quando as pessoas se movimentavam. Existe uma frase famosa de Marshall McLuhan que diz: “Na espaçonave Terra, não existem passageiros. Somos todos tripulação”. Então é como se sentir conectado ao mundo ao seu redor. É a essência da sustentabilidade.
Você está baseado em Roterdã, que muitos chamam de cidade do futuro devido às inovações e experimentações feitas no design e na arquitetura. O que faz Roterdã tão especial para criar?
Acho que Roterdã foi bombardeada na segunda grande guerra. A cidade tinha ido embora. E tudo precisou ser refeito. Foi uma tragédia, mas criou espaço para novas coisas. Roterdã se beneficia disso agora. É a nova capital. Somos um país pequeno, que precisa criar para sobreviver. E vivemos abaixo do nível do mar. Então, sem toda a tecnologia, sem diques, moinhos, literalmente nos afogaríamos. Então a tecnologia cria um pensamento inovador que está integrado à paisagem. E uma cidade que compreende a criatividade será a nova capital, a que está pronta para o futuro. O prefeito daqui entende isso. Vejo Roterdã como um bom laboratório, um bom espaço de testes. É bom poder experimentar.
Você é uma inspiração. Qual o seu conselho para os iniciantes que querem mudar as paisagens como você?
É investir em seus sonhos próprios. Acreditar, gastar tempo e energia. Mas também perceber que não pode fazer sozinho. Eu não fui educado para fazer 80% de tudo que faço agora. É preciso estar cercado de pessoas que sabem fazer coisas bem melhor do que você. É assim que se fazem as novas coisas. Primeiro tenha o sonho, depois crie um grupo que também acredite nele. E é tentativa e erro. Lance algo. Erre. Aprenda com isso. Mas não espere para começar. No começo sempre haverá pessoas dizendo que não é possível. Seu trabalho é provar que elas estão erradas.
Você tem planos de vir ao Brasil e fazer intervenções aqui?
É algo que tenho vontade de fazer. Mas ainda não há planos. Acho que vocês têm uma alegria e uma conexão maior com suas paisagens urbanas. Seria uma aventura incrível.

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