Crítica

Design

Opinião: devaneio à milanesa; um olhar questionador para a Semana de Design de Milão

Mauricio Noronha e Rodrigo Brenner*
27/05/2020 19:40
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Em 2012, Mauricio Noronha com a cadeira Anjinho na Praça do Duomo. | Rodrigo Brenner/Arquivo pessoal

Esse texto com uma pitada de polêmica era para ser publicado durante o burburinho de mais uma edição da Semana de Design de Milão, que religiosamente acontece em abril de cada ano. Pelo menos é o que aprendemos em 2011, a primeira vez que fomos convidados para expor.
Foi com um curioso e-mail durante uma aula chata do Politecnico di Torino. Era de uma blogueira italiana que queria que a Furf respondesse uma entrevista breve, mas a gente deveria escrever como se tivéssemos 5 anos de idade. Ok, maluca! Papo vai, papo vem, ela comentou que era curadora de uma exposição do FuoriSalone e nos convidou para expormos a Anjinho.
A dupla de designers foi recém apontada como instrutores da UNIDO, o Departamento de Desenvolvimento Industrial da ONU.
A dupla de designers foi recém apontada como instrutores da UNIDO, o Departamento de Desenvolvimento Industrial da ONU.
Durante a Semana existem basicamente três tipos de evento. O mais conhecido é o Salone, com pavilhões enormes, toneladas de catálogos e estandes de empresas – um "feirão" com todo tipo de marca. Já a parte mais interessante é o FuoriSalone: evento que acontece espalhado pelos distritos da cidade, com destaques sempre para a holandesa Moooi e os alunos da Royal College of Art.
E, bem, também têm as exposições mais rebeldes e não menos interessantes que não pertencem oficialmente a nenhuma das opções anteriores.
Temos uma série de sonhos e objetivos que nutrimos desde a época de estudantes. Um dos mais fantásticos era expor durante o mais importante evento de design do mundo. É claro que no momento do primeiro convite caímos da cadeira e celebramos muito. Ainda na universidade, foi uma realização imensa. Estávamos em êxtase! Fizemos uma produção de série limitada – nosso primeiro Made In Italy. Como morávamos em Turim, fomos de trem para a nossa primeira Semana de Design de Milão, e logo na estreia como expositores! Talvez as asas da Anjinho tenham ajudado a gente se sentir nas nuvens. Foi um sucesso. Capa de revista, publicações em diversas línguas, vendemos todas unidades – inclusive para a Yoo, do Philippe Starck.
Em 2012, Mauricio Noronha com a cadeira Anjinho na Praça do Duomo.
Em 2012, Mauricio Noronha com a cadeira Anjinho na Praça do Duomo.
Tentando visitar tudo que o tempo e nossos pés permitiam, em um evento um tanto hipster, encontramos um jornal com uma mega manchete: A SEMANA DE DESIGN DE MILÃO É SUPERESTIMADA. ‘Que blasfêmia! Coisa de hater! Será?’ Aquilo ficou na cabeça.
Deixa a gente contar um segredo: atualmente, quem paga, expõe. Simples assim. Não existe uma real curadoria na grande maioria das mostras. Ou seja, o que antes era o sinônimo de chancela de inovação e qualidade, que passava por um filtro de olhares críticos, perde o seu brilho anualmente com o aumento surreal de produtos e "tendências" que pipocam por lá.
Um parênteses: o economista Claudio Luti, CEO da marca icônica Kartell é um dos grandes responsáveis por transformar a semana de design milanesa na Semana de Design de Milão. Poucos sabem da bagagem que ele carrega de ter trabalhado com Gianni Versace – Luti ficou milionário nesta época, por sinal – e como isso fez com que o design de mobiliário sofresse fortes influências do mundo da moda, com suas coleções sazonais e editoriais, que tornam “ultrapassada” até a coleção de menos de um ano. Vale lembrar que ele é um homem de negócios, Luti não é designer nem curador. O selo Salone del Mobile Milano virou franquia e já existem duas edições fora do país: Salone del Mobile Milano Moscow e Salone del Mobile Milano Shanghai. Sim, são esses os nomes mesmo. É no mínimo estranho, né?
Recebemos dezenas e dezenas de convites para expor e existem sim as organizações que ainda prezam pela qualidade. Porém, notamos que cada vez mais surgem exibições pagas sem grande curadoria.
Claro que existem lançamentos, eventos e projetos sensacionais que de fato expressam o espírito do tempo e olhares inovadores. Mas é preciso saber encontrá-los. É preciso saber para onde olhar. São pequenas gemas em meio a tantas pedras iguais.
Enquanto não existir uma curadoria e propósito maior das criaturas e criadores, cabe ao visitante explorar a cidade e a sua atmosfera incrível: em 2021 vá, mas vá preparado para assumir o crítico papel de curador.
A fórmula de para aumentar a relevância poderia ser algo como: abraçar um ou mais dos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU ou simplesmente deixar um produto um pouco mais sustentável em um dos seus pilares (ambiental, econômico e social), multiplicado pelo número de lançamentos que acontecem durante a semana, resultaria em um impacto positivo extremamente grande para o planeta.
Saber olhar significa não só ter o olhar atento para o design realmente relevante, mas também identificar as oportunidades silenciosas que a semana proporciona.
Certa vez, fugindo de uma forte chuva nos resguardamos em um edifício próximo ao impressionante Duomo. Ali, de cabelos molhados, aproveitamos o tempo à toa forçado e começamos a folhear alguns livretos – que também não tinham se protegido da água – com listas de inúmeros eventos que estavam para acontecer. Os olhos percorreram infinitas descrições similares até que de repente algo pulou e chamou nossa atenção. "Coquetel com os designers." Tratava-se de alguns dos maiores nomes do design mundial! Lemos de novo. "Coquetel com os designers. 19h. Via Montenapoleone." Faltavam quarenta minutos. Corremos. Chegamos a tempo. Encontramos ali aproximadamente vinte pessoas e entre elas Ross Lovegrove, Naoto Fukasawa e Konstantin Grcic. Nós ainda éramos estudantes e percebemos ali a oportunidade de aprender muito em meio a conversas descontraídas e muitas risadas - talvez os drinks tenham agido rápido em todos.  A Semana de Milão tem seus segredos e suas gemas. Mas é preciso saber encontrar.
Encontro inesperado dos criadores da Furf com Ross Lovegrove e Konstantin Grcic em Milão, em 2012.
Encontro inesperado dos criadores da Furf com Ross Lovegrove e Konstantin Grcic em Milão, em 2012.
Entre pizzas, vinhos e gelatos deliciosos se começa a perceber que muito do que é vangloriado por lá talvez não mereça um pedestal tão alto. Ou pelo menos, que muito do que não é vangloriado por aqui, merece um reconhecimento à altura. Não é preciso viajar milhares de quilômetros para encontrar design com doses generosas de qualidade, expressão e inovação.
É claro que existe um charme muito grande em torno do nome da principal exibição do mundo, mas sabemos que em terras tupiniquins encontra-se também o design digno de tamanho louvor e admiração. Olhar com fascínio também para o que acontece no Brasil é alimentar o poder criativo brasileiro e tudo, e especialmente a todos, que ele impacta.
*Mauricio Noronha e Rodrigo Brenner são designers formados pelo Politécnico de Turim e pela PUCPR, sócios-fundadores da premiada Furf Design Studio e criadores das especializações em Design e Inovação do Centro Europeu. Integram a seleta lista Forbes UNDER30, são palestrantes do TEDx e instrutores da UNIDO, o Departamento de Desenvolvimento Industrial da ONU.

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