Design

Por que as cadeiras são curingas no portfólio de (quase) todo designer?

Luciane Belin*
24/06/2019 18:55
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Uma composição contemporânea com diferentes modelos de cadeiras, todas assinadas pelo designer Verner Panton. Foto: Lorenz Cugini/ Divulgação Vitra e Artek/Inove | Lorenz Cugini

Na década de 1940, Charles Eames desenvolvia um trabalho inovador que tinha como objetivo moldar o compensado de madeira, de forma que esse material – que até então era usado principalmente em áreas industriais – pudesse ser empregado também em mobiliário residencial.
O primeiro móvel no qual ele de fato colocou em prática esse objetivo foi uma cadeira: a Lounge Chair Metal (LCM), uma peça que unia conforto, versatilidade e linhas estéticas únicas para a época, e que o arquiteto e designer assinou em conjunto com a esposa e também designer Ray Eames.
Não se sabe exatamente o motivo que levou os Eames a escolherem uma cadeira para aplicar e aprimorar a técnica, mas é possível afirmar que, assim como eles, designers e arquitetos do mundo inteiro elegem essa peça de mobiliário para iniciar suas incursões no mundo do design e testar produtos, materiais ou tecnologias.
Foto: Divulgação Vitra
Foto: Divulgação Vitra
E isso não vale apenas para os profissionais. Segundo a arquiteta Bartira Brittes, da Kraft The Home Store, as cadeiras costumam ser também o pontapé inicial entre consumidores que desejam começar a levar o universo do design para dentro de casa. “Primeiro, porque é um objeto superfuncional, é pequeno – independentemente do tamanho do apartamento ou do escritório, você sempre consegue encaixar uma cadeira legal.”
Ela aponta também a questão do custo que, geralmente, costuma ser menor em comparação a móveis maiores e mais complexos, como os sofás e poltronas. “Uma cadeira de design pode até fazer as vezes de uma poltrona. E há também a questão de funcionalidade”, complementa.
Foto: Divulgação Vitra e Artek
Foto: Divulgação Vitra e Artek
Por serem peças mais acessíveis aos clientes e, na maior parte dos casos, serem adquiridas em quantidade, as cadeiras também são responsáveis por uma demanda maior para os fornecedores e, consequentemente, aos designers.
“Podemos até pensar que o mundo não precisa mais de cadeiras, mas as redes comerciais continuam pedindo por peças diferentes porque os arquitetos gostam de inovar em seus projetos. Depois de já terem explorado variações de cores, os profissionais pedem peças novas, então a necessidade de renovação é constante”, explica o arquiteto e designer do Estúdio Bola, Maurício Lamosa, que em Curitiba tem como revendedora exclusiva a loja Inove.
Cadeiras Maria, do Estúdio Bola. Nela, as costas ficam apoiadas numa parte específica do plástico, em uma técnica desenvolvida para manter uma espécie de arco composto, através de uma colagem específica para gerar um formato fluido e confortável. Foto: Divulgação
Cadeiras Maria, do Estúdio Bola. Nela, as costas ficam apoiadas numa parte específica do plástico, em uma técnica desenvolvida para manter uma espécie de arco composto, através de uma colagem específica para gerar um formato fluido e confortável. Foto: Divulgação
Mas não se trata apenas de atender às necessidades de mercado. Segundo ele, esse item de mobiliário também é o escolhido para integrar o portfólio de tantos profissionais por ser, até hoje, uma peça complexa e desafiadora. “A cadeira tem que ser leve, pois ninguém gosta de cadeira pesada e, ao mesmo tempo, estruturada e resistente. Além disso, tem que ser barata, porque se compra em quantidade, ergonômica e diferente de tudo o que já foi feito”, detalha.
Por conta disso, ele explica que os profissionais da área costumam desenvolver vários protótipos, que acabam esquecidos ou não sendo usados, até que consigam elaborar uma peça com potencial de chegar às lojas. “É muito difícil soltar uma cadeira e, quando sai, ela é um filho. Por isso, é um item clássico, como se fosse um cartão de visitas do designer. Se você sabe fazer cadeira, você faz qualquer coisa”.

Com quantas ideias se faz uma cadeira?

A ergonomia e o conforto por meio de uma peça que se moldasse às formas do corpo humano e a possibilidade de reproduzir o item em larga escala foram as principais motivações de Charles e Ray Eames ao desenvolver o projeto da LCM.
Hoje, o conforto segue sendo um dos requisitos principais na lista dos designers, mas o segmento passou a apreciar também a exclusividade, e não apenas a reprodutibilidade em larga escala, bem como a aplicação de novas tecnologias.
Um projeto lançado em 1964 pelo designer Joe Colombo, por exemplo, foi tão revolucionário que a tecnologia da época não permitia que a peça fosse construída da forma como o profissional pensou. Assim, o modelo 4801 foi, então, fabricado pela Kartell em madeira, e somente em 2011 recebeu sua versão em polipropileno que foi renomeada como a Cadeira Joe Colombo, em homenagem ao designer, falecido em 1971.
Joe Colombo, idealizada em 1964 e construída primeiro em madeira, foi concretizada em polipropileno somente em 2011. Foto: Divulgação/ Kraft
Joe Colombo, idealizada em 1964 e construída primeiro em madeira, foi concretizada em polipropileno somente em 2011. Foto: Divulgação/ Kraft
Outra peça que exemplifica uma pegada mais única e regional é a Chita, criação do brasileiro Sérgio Ramos que incorpora a cultura nacional em homenagem ao tecido tradicionalmente brasileiro com as linhas da cadeira imitando as da estampa. Hoje exportada internacionalmente, a peça é icônica e aposta no conforto unido à extravagância elegante e bem brasileira.
A cadeira Louis Ghost, assinada pelo designer francês Philippe Starck e fabricada pela Kartell, é um exemplo de criação que vem sendo reproduzida até hoje. “Essa peça está completando 70 anos no mercado. Quando fez dez anos, em 2012, ela já tinha mais de um milhão e meio de unidades comercializadas. É a cadeira assinada mais vendida do mundo”, diz Bartira Brittes.
A cadeira assinada mais vendida do mundo, a Louis Ghost, de Philippe Starck. Foto: Divulgação/ Kraft
A cadeira assinada mais vendida do mundo, a Louis Ghost, de Philippe Starck. Foto: Divulgação/ Kraft
Do mesmo designer, ela cita ainda a Masters, que Starck elaborou com traços para homenagear três cadeiras clássicas do design: a série 7, da Jacobsen; a Tulipa, de Eero Saarinen; e a Eiffel, do Charles Eames. Segundo Lúcia Susuki, country manager da Vitra e Artek do Brasil, versatilidade é outra palavra-chave ao se pensar em cadeiras. Ela cita, por exemplo, as peças para escritório desenvolvidas por Antonio Citterio. “São cadeiras bem versáteis, que possuem oito mil formas de montar uma única peça, e são todas ergonômicas”.
Cadeiras Master, de Phillipe Starck, homenageia grandes mestres do design. Na imagem, ambientadas com cadeiras antigas de acervo do cliente pela arquiteta Leticia Kaniak Kunow. Foto: Neni Glock
Cadeiras Master, de Phillipe Starck, homenageia grandes mestres do design. Na imagem, ambientadas com cadeiras antigas de acervo do cliente pela arquiteta Leticia Kaniak Kunow. Foto: Neni Glock
Quem também tem um trabalho interessante, segundo ela, são os irmãos Ronan e Erwan Bourollec, que “têm um estilo simples, mas não minimalista, e incorporam um estilo bem francês às peças, com desenhos inspirados na natureza”. As cadeiras Vegetal, por exemplo, trazem a ideia de uma peça que brota do chão, como explicaram os próprios irmãos Bourollec ao lançar o móvel.
Dos irmãos Ronan e Erwan Bourollec, a cadeira vegetal simula o movimento do “brotar e crescer” da natureza. Foto: Divulgação/ Kraft
Dos irmãos Ronan e Erwan Bourollec, a cadeira vegetal simula o movimento do “brotar e crescer” da natureza. Foto: Divulgação/ Kraft

Uma resposta a Bauhaus

Nomes como Carlos Motta, Aristeu Pires, Jader Almeida e Paulo Mendes da Rocha são outros que merecem atenção no design brasileiro de cadeiras, segundo Gisele Schwartsburd, da LinBrasil. Em peças como as cadeiras Satti, Milla e Dinna, Almeida conseguiu refletir tendências do design e da arquitetura e incorporar os desejos do público por refinamento e conforto.
Ambas assinadas por Jader Almeida, cadeiras Dinna, à esquerda, e Satti, à direita. Foto: Divulgação/ Ton Sur Ton
Ambas assinadas por Jader Almeida, cadeiras Dinna, à esquerda, e Satti, à direita. Foto: Divulgação/ Ton Sur Ton
Mas é em Sérgio Rodrigues, cuja fama nacional e internacional despontou com o lançamento da Poltrona Mole, em 1957, que o design de cadeiras tem seu ponto alto no país. Ela acredita que essa peça “mudou o jeito de sentar no mundo”, influenciando não apenas o mercado de poltronas, mas refletindo também na forma como se viam as cadeiras.
Cadeira Katita, de Sérgio Rodrigues, tem braços em forma de aspas e assento em compensado moldado a frio, estofado em espuma de poliuretano e revestido em couro ou tecido. Foto: Divulgação/ LinBrasil
Cadeira Katita, de Sérgio Rodrigues, tem braços em forma de aspas e assento em compensado moldado a frio, estofado em espuma de poliuretano e revestido em couro ou tecido. Foto: Divulgação/ LinBrasil
“É inovador porque realmente tirou a rigidez dos móveis da época. Existia já a arquitetura modernista, mas não tinha móvel. O que se usava era a Bauhaus, com linhas retas e modernas, mas rígidas: você sentava de uma forma ereta. Com a Poltrona Mole, o que ele fez foi esparramar as pessoas em cima de um assento”.
Depois dessa criação, o conforto passou a ser valorizado. “A partir daí, o móvel perdeu aquela formalidade que tinha, e criou-se um estilo. Começou-se a trazer elementos da cultura brasileira para um mobiliário moderno.”
*Especial para HAUS.

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