Entrevista

Design

Herdeira de marca de móveis italiana fala sobre passado e futuro da empresa

Fernanda Massarotto, de Milão, especial para HAUS
16/11/2020 20:07
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Maria Porro, diretora de marketing da Porro, marca italiana de móveis. | Matteo Carassale

Maria Porro, 37 anos, é uma daquelas mulheres polivalentes. Em 24 horas, consegue ser mãe de três, esposa, diretora de marketing da Porro – uma das marcas mais respeitadas do design italiano – e ainda presidente da Assarredo, a associação italiana das indústrias moveleiras. E mesmo com uma carga horária intensa, a italiana, que faz parte da quarta geração da família Porro, não se lamenta. Pelo contrário. “O trabalho é parte da minha vida. Consigo harmonizar todas essas funções graças ao meu amor pela empresa, pela maternidade e pelos desafios”, relata a herdeira de Lorenzo Porro, que, por muitos anos, preferiu manter distância dos negócios da família e se dedicou ao teatro.
Cenógrafa, formada pela renomada Escola de Belas Artes de Brera, em Milão, ela participou de produções teatrais realizadas na Arena de Verona, na Opéra National de Rhin, na França, e até no Brasil, durante o Festival Amazonas de Ópera. Em 2014, Maria Porro, porém, não resistiu às lembranças da infância e ao legado deixado pelo bisavô Giulio Porro e resolveu ingressar na empresa. “Sinto falta, mas não me arrependo de ter deixado os palcos pela Porro”, atesta ela que, apesar do momento delicado em que vive o setor, anuncia grandes projetos e novidades para os próximos anos. “Continuaremos com as constantes pesquisas para o uso de novos materiais, como, por exemplo, a palha como revestimento”, diz ela.
E os planos da diretora de marketing da marca italiana não param por aqui. O tema da sustentabilidade já é uma característica quase obrigatório das novas coleções da Porro, da mesma forma que a colaboração com startups como a Rice House, que trabalha com o descarte da indústria do arroz. “Estamos também dando voz e trabalho a quem precisa. Por exemplo, em nosso showroom deixamos em nossos armários roupas feitas pela Cooperativa Alice, um ateliê de costura, que funciona no presídio de San Vittore de Milão”, conta Maria Porro em um bate-papo exclusivo com HAUS durante a Milano Design City, que aconteceu no mês de outubro na cidade. Confira a entrevista.
Você cresceu em Cantù, cidadezinha entre Como e Milão, uma região conhecida pela excelência na fabricação de móveis. A empresa fundada em 1925 pelo seu bisavô cresce, e depois da guerra, o então laboratório Porro ganha respeito no mundo do design. A alta qualidade da madeira e do acabamento são reconhecidos no mercado internacional. Como foi esse processo e o que significou a entrada de seu pai Lorenzo, que é um arquiteto, na empresa?
Certamente o Salão do Móvel, do qual jamais deixamos de participar desde a fundação da Porro, serviu como “vitrine” e nos deu a oportunidade de não só divulgar a qualidade do nosso mobiliário, mas também de estabelecer contato com clientes em todo o mundo. A internacionalização da empresa começou com o avanço das vendas para os países europeus, entre eles, a Alemanha, um mercado muito importante. Em paralelo, começamos as vendas para os Estados Unidos, onde criamos parcerias com representantes nas principais cidades do país. Na década de 1980, nosso foco se voltou para o Oriente. Primeiramente, o Japão e, logo em seguida, Hong Kong, onde estamos presentes há mais de 20 anos. Se nas décadas de 1960 e 1970, o Salão do Móvel abriu as portas ao mundo, nos anos 1980 foi o ingresso do meu pai na empresa que transformou a Porro. Ele trouxe consigo um olhar único e interessante em relação ao produto que passou a ser protagonista na decoração dos ambientes.
 Para marcar valores como sustentabilidade e apoio a empresas locais, a Porro exibe nos armários de seu showroom em Milão peças feitas pela Cooperativa Alice, um ateliê de costura que funciona no presídio de San Vittore de Milão.
Para marcar valores como sustentabilidade e apoio a empresas locais, a Porro exibe nos armários de seu showroom em Milão peças feitas pela Cooperativa Alice, um ateliê de costura que funciona no presídio de San Vittore de Milão.
Na metade dos anos 1980, Piero Lissoni, que foi colega de faculdade de seu pai, passa a colaborar com a marca. Nessa mesma época, a terceira geração Porro, da qual seu pai faz parte, assume a empresa. Podemos chamar essa fase de a “primeira revolução da Porro”?
Com certeza. A presença profissional de Piero, como diretor artístico, foi fundamental, bem como o contínuo diálogo entre ele e meu pai. Eles construíram o que a Porro é hoje.
 O cuidado na escolha da matéria-prima e o uso de materiais como tecido e palha nas coleções foram algumas das contribuições de Maria para a marca. A coleção Byron, assinada por Piero Lissoni, evidencia esses elementos.
O cuidado na escolha da matéria-prima e o uso de materiais como tecido e palha nas coleções foram algumas das contribuições de Maria para a marca. A coleção Byron, assinada por Piero Lissoni, evidencia esses elementos.
Poucos sabem que, antes de assumir a direção de marketing da empresa, você se dedicou à cenografia. Você passou dos palcos à supervisão de produção das cerimônias de abertura das Olimpíadas de Londres e Sochi. Quanto há do design Porro em seus projetos profissionais como cenógrafa? 
Sou uma Porro e é claro tive a oportunidade de crescer nesse meio do design. Desde pequena, sempre fui muito curiosa e sempre quis saber tudo sobre como eram feitos os produtos da empresa. Eu digo que vivi uma infância onde tudo era belo. Projetar é um patrimônio familiar e está no meu DNA. O espírito crítico que fui adquirindo com o tempo acabou me acompanhando durante toda a minha vida e se demonstrou útil em meus trabalhos como cenógrafa. E vice-versa. Os anos passados fora da Porro me presentearam com conhecimento e sensibilidade que eu trouxe para esse mundo do design. Descobri o uso de um novo material, o tecido, e aprimorei uma sensibilidade única em relação às cores e materiais.
Você faz parte da quarta geração na empresa. O que a levou a deixar os palcos e a carreira de cenógrafa e a ingressar definitivamente na Porro? Não sente falta do teatro e dos grandes eventos?
Sinto muita falta e, com o lockdown, fui privada até mesmo de poder ir ao teatro. Uma das minhas grandes paixões. Mas não me arrependo da minha decisão. Adoro o que faço agora e na minha opinião é uma honra fazer parte da quarta geração dessa família que faz história no mundo do design. O mobiliário da Porro, eu digo sempre, é composto de peças cenográficas que decoram ambientes familiares e comerciais. Vejo aí uma enorme afinidade entre o que era o meu trabalho e o que é hoje.
Como a senhora define a Porro?
A Porro é uma empresa familiar com todas as qualidades e defeitos de uma empresa familiar. As relações são duradouras, as pessoas permanecem por muito tempo e criam raízes sólidas com o território. Isso se nota em nossa produção, totalmente ‘Made in Italy’, no nosso know-how, na nossa qualidade e na nossa experiência artesanal. E, apesar das nossas raízes italianas, atravessamos as fronteiras e, desde os anos 1970, exportamos para o mundo todo, sem deixar de valorizar o que temos de melhor. Hoje, somos modernos, investimos em novas tecnologias, fazemos pesquisas, mas sem jamais esquecer nossas tradições manuais e mão de obra especializada.
“Eu digo que vivi uma infância onde tudo era belo. Projetar é um patrimônio familiar e está no meu DNA. O espírito crítico que fui adquirindo com o tempo acabou me acompanhando durante toda a minha vida e se demonstra útil em meus trabalhos como cenógrafa.”
MARIA PORRO, diretora de marketing da Porro
Como podemos definir hoje o design da Porro?
Pureza é certamente a palavra que melhor descreve a abordagem da nossa empresa tanto do ponto de vista estético como nas escolhas das peças a serem produzidas. Ao longo dos anos, a Porro prioriza em seu design a beleza das formas, o estudo das proporções e a grande atenção a detalhes e acabamentos. Essa é a nossa pureza.
 Entre os valores que guiam a identidade da marca estão a beleza das formas, o estudo das proporções e a grande atenção a detalhes e acabamentos. Na foto, a mesa da linha FERRO, com design por Piero Lissoni, 1994.
Entre os valores que guiam a identidade da marca estão a beleza das formas, o estudo das proporções e a grande atenção a detalhes e acabamentos. Na foto, a mesa da linha FERRO, com design por Piero Lissoni, 1994.
O chamado Made in Italy, sinônimo de qualidade no setor do design e moda, durante a pandemia, mostrou sua força e reconhecimento. Assim como outras marcas de mobiliário, a Porro sempre investiu na produção 100% italiana. Qual a fórmula para conquistar o consumidor que, em tempos econômicos tão tumultuados, acaba atraído pela indústria do fast furniture com produtos mais baratos e de qualidade duvidosa?
Eu digo sempre que nós somos slow. Absolutamente slow. Essa é nossa filosofia, seguir essa tendência do chamado slow living, que comporta a produção de peças de mobiliário feitas para durar. Temos clientes que entram em contato com a fábrica porque precisam trocar ou substituir uma gaveta de armário ou a prateleira de uma estante comprados há mais de 20 anos. Qualidade e durabilidade são sinônimos nesse caso. Temos certeza de que, a partir de agora, os consumidores irão prestar ainda mais atenção não só à qualidade, mas também à durabilidade das peças compradas. E um mobiliário Made in Italy traz consigo esses quesitos. Há no Made in Italy uma preocupação na escolha dos materiais, na produção, no respeito de regulamentações e, é claro, no bom gosto estético. E todos esses elementos são fundamentais para convencer o cliente.
O que podemos esperar de Porro para o próximo Salão do Móvel 2021?
Grande coerência e pureza, é claro. Nosso objetivo como empresa sempre foi trilhar o caminho da renovação tendo como foco, porém, a coerência das escolhas. Com certeza, apresentaremos novas peças. Acredito ser possível oferecer ao consumidor uma nova mesa ou poltrona, feitas por meio de processos produtivos que privilegiem aspectos sustentáveis, por exemplo. Vivemos em um momento onde é fundamental olharmos com carinho para tais questões.

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