Gisèle Schwartsburd

Design

Visionária e fiel ao bom design: a trajetória da “madrinha” do móvel moderno brasileiro

Por Luan Galani
16/08/2021 14:23
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Gisèle foi a primeira a apostar nas criações de Sérgio Rodrigues, em 1999. | Leticia Akemi/Gazeta do Povo

Ela que criou a moda do Sérgio Rodrigues (1927-2014). Bem aqui debaixo das nossas barbas. Gisèle Schwartsburd, 65 anos, foi uma das primeiras a abrir caminho para o mobiliário moderno brasileiro. Quando o Brasil só tinha olhos para móveis de estilo, entalhados à la Luis 15, ou modernos da Bauhaus, ela vendeu seu único bem no final da década de 1990, um apartamento no Vidigal, no Rio de Janeiro, para poder investir no negócio e dar vida aos móveis de Sérgio Rodrigues. Nem seu pai, o empresário judeu Leonid Schwartsburd, fundador da Decormade, que chegou a ter quatro lojas de mobiliário em Curitiba, acreditou na aposta da filha. Até os arquitetos torciam o nariz. “Um de São Paulo, bem famoso na época, olhou para a poltrona Mole e disse: ‘Não quero isso nem morto! Isso tem teia de aranha e cara de museu!’. Passaram-se alguns anos e eu tenho guardada uma foto dessa mesma pessoa, ajoelhada aos pés do Sérgio Rodrigues, pedindo sua bênção, durante a Semana de Design de Milão de 2009”, relembra Gisèle, com o humor e a boa memória dos cancerianos.

Caiu nas graças

A ideia de abraçar as criações de Sérgio Rodrigues surgiu em 1999, quando a paulistana radicada em Curitiba foi visitar uma exposição sobre a história da cadeira brasileira em um design center no Leblon, no Rio de Janeiro. Ficou encantada com o que viu e se fez a pergunta de ouro: por que ninguém estava produzindo aquelas peças? Passou dois dias pensando no assunto. Nesse mesmo tempo, Gisèle passava por uma crise pessoal profunda. “As crises é que movem a gente. Eu estava deprimida. Como representante de móveis no Rio, vários clientes e fábricas estavam me devendo, e eu tinha que cobrá-los. Essa é uma das piores coisas na vida”, desabafa.
Ela então deu vazão à intuição e mergulhou de cabeça no projeto, com uma coragem igualável só aos grandes empreendedores do Vale do Silício. Viu no Jornal do Brasil que o mestre Sérgio estaria em um evento com outros designers e foi atrás. Ao final da palestra, apresentou-se e foi direto ao assunto. “Eu queria fazer os seus móveis”. O designer carioca era só a mente criativa e passou o contato da esposa, Vera Beatriz Rodrigues, que administrava tudo. Gisèle caiu nas graças dela e conseguiu licença exclusiva para editar as peças a nível internacional até 2033. Simples assim.
Sérgio Rodrigues (1927-2014) conquistou o mundo com suas peças icônicas do mobiliário moderno brasileiro.
Sérgio Rodrigues (1927-2014) conquistou o mundo com suas peças icônicas do mobiliário moderno brasileiro.
Hoje, os 65 móveis de Sérgio Rodrigues que estão no catálogo da LinBrasil são almejados pelo mundo todo, especialmente Estados Unidos, Inglaterra, Bélgica, Suíça, França, Alemanha, Portugal, Japão e Índia, atualmente os maiores mercados consumidores dos produtos. Por ano, a empresa de Gisèle reedita e supervisiona a fabricação de cerca de 4 mil peças, o equivalente aproximado a 333 produtos por mês, cujos royalties são pagos aos herdeiros de Vera e Sérgio Rodrigues. Em Curitiba, a venda das peças da LinBrasil é exclusiva da Momenttum.
Em 2007, Gisele deu um passo que mudou a história do mobiliário moderno ao vender tudo que tinha para bancar a ida da marca brasileira a Milão.
Em 2007, Gisele deu um passo que mudou a história do mobiliário moderno ao vender tudo que tinha para bancar a ida da marca brasileira a Milão.

Móveis complexos de adaptar

O leitor pode achar que Gisèle tirou a sorte grande, mas não. Muitas pessoas procuraram o mestre do mobiliário brasileiro antes dela para conseguir a licença de fabricação. Mas ela foi a única que topou fazer os móveis fielmente aos desenhos do criador. “O Sérgio já estava 25 anos fora do mercado. E ninguém estava disposto a reproduzir seus móveis com a dificuldade que eles exigiam. Os encaixes são muito elaborados. É como uma obra de Van Gogh. Não adianta imprimir de qualquer jeito e colocar na sua parede. Então eu quis fazer da forma mais fiel para valorizar cada detalhe”, explica a diretora da LinBrasil. “Além de ser comercial, é um projeto de cultura brasileira. Eu vendo design, e não madeira.”
Uma das palavras que melhor descrevem Gisèle é coragem. Segundo a etimologia latina da palavra, coragem é uma ação que vem do coração. E tudo que Gisèle fez foi com muita coragem, direto do coração, sem matutar muito. Como em 2007, quando vendeu tudo que tinha para bancar a ida da marca brasileira a Milão. Outro tiro no escuro guiado pela intuição afiada. Sérgio Rodrigues foi sendo adotado e admirado pelos brasileiros aos poucos, e teve seu boom neste exato ano na Itália, quando Gisèle expôs pela primeira vez no principal evento de design e decoração do mundo. Como quase sempre, depois de receber a aprovação dos críticos internacionais, todo mundo por aqui reconheceu Sérgio pela genialidade que lhe é peculiar. Afinal, poucos como ele conseguiram valorizar a madeira e o morar brasileiro de forma tão precisa.
Nas próprias palavras de Sérgio Rodrigues, a justificativa para seus móveis estava em certas descrições do viver do brasileiro: “Aquele encanto de fim de tarde em varanda de fazenda, depois de aguaceiro de verão, com cheiro de terra úmida, manga madura, certo toque de curral, com uma xícara de cafezinho fresco e broinhas de milho quentinhas”, ou “amanhecer em praia de areia branca, o mar calmo, cenário com o horizonte bem marcado de primavera, onde se mesclam a brisa fresca e a maresia.”
Em 2010, Sérgio Rodrigues projetou as novas poltronas do Teatro Paiol, em Curitiba, que reforçam as características históricas do espaço.
Em 2010, Sérgio Rodrigues projetou as novas poltronas do Teatro Paiol, em Curitiba, que reforçam as características históricas do espaço.

Gisele é de todos os santos

Ela é eclética. Em casa e no escritório tem elementos de diversas religiões. Tem placa da cabala judaica, desenhos da flor da vida, imagens de Ganesha, a pombinha do Espírito Santo, esculturas de São Jorge, Nossa Senhora Desatadora dos Nós e Nossa Senhora de Copacabana, da Bolívia. “Meu dia preferido é o de todos os santos”, brinca. Já foi para a Índia, medita e fez curso de diversos temas esotéricos. A lista de estudos deixa qualquer integrante da Ordem Rosa Cruz de queixo caído. Hoje é adepta da meditação na ação, um tipo de contemplação que se atinge por meio da plena atenção em todas as ações e consciência em tudo que se faz no dia a dia, de lavar a louça a dirigir um carro.
A paulistana radicada em Curitiba Gisèle Schwartsburd é a grande responsável por fazer o Brasil e o mundo redescobrir um de seus maiores gênios do design.
A paulistana radicada em Curitiba Gisèle Schwartsburd é a grande responsável por fazer o Brasil e o mundo redescobrir um de seus maiores gênios do design.
Apesar da fala mansa, porém forte, e da fisionomia altiva de traços felinos, Gisèle é bem sincera e direta em tudo que faz. “Igual o caranguejo [símbolo do signo de Câncer dela]. Quando chega perto, a primeira coisa que ele faz é se defender. Tem uma carapaça dura, mas o miolo é mole”, confidencia. “Fiquei assim depois que meu ex-marido pediu para eu ser mais guerreira. Daí eu vesti a armadura. Para quem fala mal, eu sempre digo: ‘Os cães ladram e a caravana passa’”, responde fazendo referência à icônica frase do jornalista carioca Ibrahim Sued.
Com seus 1,74 m, Gisele dançou balé clássico e dança contemporânea dos oito aos 38 anos. Foi da companhia de Rita Pavão e também da de Val Folly. Cursou três anos de Design na UFPR, mas largou para se dedicar à dança. Largou essa primeira grande paixão da vida quando o diretor teatral Luiz Antônio Martinez Correa, um amigo e parceiro, foi assassinado. E porque no meio artístico ela sentia que sempre tinha que recomeçar do zero. Hoje, Gisele está muito bem estabelecida, sente-se plena na produção das peças do Sérgio Rodrigues e faz parte do panteão daquelas pessoas imprescindíveis para o bom design.

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