Estilo & Cultura

O engenheiro Mario De Mari e sua casa flutuante

Luan Galani
09/09/2015 01:00
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Pátio central da casa em formato de U: inspirado nas antigas residências italianas, que preservam a área social. Acima, fachada vista da rua. Fotos: Letícia Akemi / Gazeta do Povo.

Onde todo mundo enxergou apenas um casarão pra lá de diferente, Luiz Paulo Coelho de Almeida Reis viu poesia. Quando garoto tinha sido convidado pelo filho do dono da nova casa do Alto da XV a passar lá para ouvir um jogo da Copa do Mundo de 1966. Foi e levou um baque: banheira enterrada no chão, espelho da água que invadia a sala por baixo do janelão de vidro, varanda sem parapeito, casa que parecia flutuar. Não dava conta de entender tudo aquilo. Mas sabia que era diferente. E gostou. Nunca mais tirou a casa da cabeça e foi o que levou Reis, hoje com 58 anos, a se enamorar pela arquitetura. Afinal, esse curitibano de nome comprido também queria fazer poesia. “Com a casa, percebi que era possível ousar”, confessa.
Conhecida como Casa Mário de Mari, a construção que inspira sobrevive há 51 anos na esquina da Avenida Nossa Senhora da Luz com a Rua Professor Brandão. “E continua atemporal. A casa tem uma qualidade arquitetônica inquestionável que não permite datá-la como de um determinado período ou estilo. Ela sempre será referência”, avalia o arquiteto da Universidade Positivo Haroldo Hauer Freudenberg.
Hoje sede do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná (CAU/PR), a habitação foi projetada pelo engenheiro Mário de Mari, 94 anos, depois de uma de suas incontáveis viagens aos Estados Unidos. “Eu me encantei pela Casa da Cascata [desenhada pelo expoente modernista Frank Lloyd Wright (1867-1959)]. E decidi que queria uma casa na mesma linha, com materiais naturais e simples”, explica De Mari. Durante dois anos, o engenheiro trabalhou no projeto, indo direto a São Paulo para buscar alguns materiais. Aproveitava a viagem para discutir ideias para a casa com seu meio primo arquiteto Ubaldo Carpigiani e um dos grandes nomes da arquitetura no Brasil, Oswaldo Arthur Bratke.
Materiais leves e formas ousadas
A residência aproveita o terreno de grande desnível e tem uma base estrutural sem muitos suportes, o que faz com que a casa surja como uma nave flutuante. A planta tem formato de U, com uma ala dedicada ao espaço social, outra à área privada e o meio aos ambientes de serviço. O centro é ocupado por uma piscina, que fica totalmente preservada dos olhares da rua. Aqui, as raízes italianas de Mário dão o tom, lembrando bastante os pátios das casas italianas, que são voltadas para o seu próprio centro, com fachadas pouco importantes para a rua. Ele admite.
O desenho da construção prima por linhas retas. Mário buscou utilizar materiais puros (naturais, com pouca industrialização) na execução, com pouquíssimo concreto armado. Por isso, existe muita marcenaria em diversos tipos de madeira, como imbuia, pinho e cedro, além de tijolos reaproveitados de uma casa de manilha, com tons bem diferentes entre si, chapas inteiras de vidro belga e pedras brutas da forma como saíram da explosão da mina.
Outro “pulo do gato” são os beirais. Eles têm mais de dois metros, quando o normal seria até 90 centímetros. Por serem tão avantajados, criam um contrapeso nas pontas, permitindo um vão enorme e evitando que o telhado precisasse de suportes internos. Além de ser um charme arquitetônico único.
Da areia para o céu
Quando criança, lá com seus 10 anos, Mário de Mari costumava brincar com os amigos em meio a montes de areia dos armazéns da família. “Lá tomei gosto pela construção”, afirma. “Fazia casas, estações e traçava os caminhos entre elas.” Formou-se em 1946 pela Universidade Federal do Paraná, na época sob o nome de Universidade do Paraná, e por mais de 40 anos presidiu a construtora Técnica de Mari S.A., responsável por empreendimentos em todo o Brasil.
Nesse tempo, sem muito alarde, também nutriu seu interesse pela astronomia e pela pintura. Devorava livros sobre estrelas e galáxias, sem nunca esbanjar. Aprendeu suas primeiras pinceladas com o avô, o pintor Arturo Quaquarelli, que executou trabalhos nas catedrais de Buenos Aires e Curitiba. Fez diversos cursos na área e também virou pintor. Dons bons. Talvez daí venha a poesia da casa que leva seu nome.
Na hora de construir sua casa, Mário optou pelo Alto da XV, bairro em que viveu toda a infância. Depois de 40 anos em sua residência, optou mudar para Santa Felicidade, onde a vegetação natural é mais preservada.
Na hora de construir sua casa, Mário optou pelo Alto da XV, bairro em que viveu toda a infância. Depois de 40 anos em sua residência, optou mudar para Santa Felicidade, onde a vegetação natural é mais preservada.
Luiz Reis aprendeu a ousadia com o casarão e levou para a vida. Na foto, ele e sua cadeira que gera e armazena energia elétrica.
Luiz Reis aprendeu a ousadia com o casarão e levou para a vida. Na foto, ele e sua cadeira que gera e armazena energia elétrica.

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