Estilo & Cultura

A história por trás do moinho que acordava o Bacacheri

Luan Galani
25/10/2016 21:52
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O Moinho Curitibano é um dos últimos remanescentes da arquitetura fabril de Curitiba. Foto: Washington Takeuchi/Divulgação

O apito da caldeira do Moinho Curitibano gritava todos os dias às 6 horas da manhã. Não era aviso do começo da jornada de trabalho. Funcionava como despertador para todos que moravam nas proximidades. Uma hora depois começava a chegar na Rua Nicarágua o exército de homens e mulheres em vestes brancas para fabricar farinha, farelo, macarrão Ouro Verde e bolacha Muriz, que iam para todos os cantos do Paraná.
“Era tanto caminhão estacionado nas ruas do entorno que a gente nem conseguia caminhar”, lembra a costureira Ilma Nunes Alves, 76 anos, reconhecida como uma das moradoras mais antigas da região. Não é exagero: em média 25 toneladas de cereal eram moídas por dia na área de 7 mil m² do terreno, de acordo com o historiador Marcelo Sutil, da Fundação Cultural de Curitiba, que em 2013 conduziu um parecer técnico sobre o prédio. Foi assim desde sua construção em 1949 pelo empresário Pedro Nicolau.
Foto antiga mostra a área total do moinho. Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo
Foto antiga mostra a área total do moinho. Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo
Reza a lenda, como conta o vendedor aposentado Amilton Molinari, 77 anos, que trabalhou no moinho e mora nas redondezas, que Nicolau precisou ir até o Rio de Janeiro para pedir autorização do alto comando das Forças Armadas para a construção do edifício. Mesmo com a altura do prédio interferindo no corredor aéreo do aeroporto do Bacacheri, Nicolau conseguiu. Até hoje o prédio de três pavimentos permanece um dos mais altos do bairro.

Referência na paisagem

“Arquitetonicamente falando, o edifício não tem nada de especial”, sentencia Sutil. “Sua história é que o torna único, como um dos últimos remanescentes da arquitetura fabril de Curitiba e como referência afetiva para a população do bairro.” O Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) reforça isso e atesta que a construção não está na relação de Unidades de Interesse de Preservação do município, mas, de acordo com avaliação de seus técnicos, “é bastante representativa e, portanto, sua conservação é considerada importante e desejável”.
Foto: Washington Takeuchi/Divulgação
Foto: Washington Takeuchi/Divulgação
Apesar do papel fundamental que desempenhou, a presença do moinho nos arquivos públicos é tímida. Por isso não existe uma versão oficial que dê conta de narrar tudo que passou ali até seu completo fechamento há 17 anos.
Hoje o guardião emérito de toda essa história é Sérgio Santos, 65 anos. Sua relação com o moinho surgiu muito antes de seu nascimento. Um dos construtores responsáveis por levantar o edifício da fábrica foi seu pai, Antonio Santos, hoje com 96 anos. E naturalmente o pai levava aquele guri do Boa Vista para passar os dias brincando no moinho. Cresceu, tomou gosto pela atividade do pai e trabalhou em diferentes departamentos do empreendimento. “Aqui dentro tinha de tudo: mercado, cancha, fábrica de tecidos. Era como uma grande família de mais ou menos uns 300 funcionários”, diz.
Sérgio Santos é um dos guardiões da história do prédio. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Sérgio Santos é um dos guardiões da história do prédio. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
O moinho ainda pertence aos herdeiros de Pedro Nicolau, mas diversos investidores ligados a imobiliárias da capital paranaense sinalizam interesse em comprá-lo. Nenhum quis conversar com a reportagem. Em tempo: atualmente o moinho parece uma cidade fantasma. Os maquinários se foram. A caldeira e seu apito deram adeus. O Bacacheri já perdeu seu moinho.
Atualmente resta apenas a estrutura do prédio, sem maquinário ou caldeira. Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo
Atualmente resta apenas a estrutura do prédio, sem maquinário ou caldeira. Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

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