Estilo & Cultura

Você não percebe, mas a Getúlio Vargas é um dos principais “corredores verdes” de Curitiba

Carolina Werneck
06/06/2018 21:00
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Vista do alto, a Avenida Presidente Getúlio Vargas, em Curitiba, parece uma grande artéria verde cortando um emaranhado de edifícios entre os bairros Água Verde e Rebouças. Olhando de baixo, no entanto, a via parece estar dividida em dois setores completamente diferentes – e ambos poderiam ser mais verdes.
Para o arquiteto e urbanista Marlos Hardt, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), “existem vários conceitos de corredor verde que são muito mais complexos do que uma via bem arborizada. Há toda uma função ecossistêmica relacionada a corredores de biodiversidade que vai muito além da arborização. Para ter um corredor verde você tem que ter uma série de outras coisas.” Esses corredores verdes serão utilizados por espécies da fauna para circular entre duas ou mais áreas de preservação ambiental.
Para além da questão conceitual de corredor verde, a porção da Getúlio que fica no Rebouças tem ainda outros problemas. O também arquiteto e urbanista Alessandro Filla Rosaneli, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), observa que, para os pedestres que utilizam a avenida, o verde não é assim tão abundante. “Quando a gente fala em verde é vendo a cidade de cima. Isso na verdade a gente traduz como área de cobertura vegetal. Olhar de cima é uma coisa, olhar de baixo é bem diferente”, observa. De fato, na altura dos olhos, há verde na grama e em alguns poucos arbustos do canteiro central da via.
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Arborização no Rebouças

Ladeada por imensas tipuanas, a avenida foi arborizada nos idos anos de 1970. Na época, algumas vias de Curitiba estavam recebendo esse tipo de intervenção. A Getúlio do Rebouças, que era então uma área industrial da cidade, começou a ganhar contornos mais simpáticos à circulação de pedestres. Hoje em dia, no entanto, muito ainda precisa ser feito.
O Treepedia é uma ferramenta desenvolvida pelo Massachussets Institute of Tecnology (MIT) para mensurar a quantidade de verde que as pessoas percebem quando caminham por diversas cidades do mundo. Curitiba não está na lista das cidades com cálculos feitos pela ferramenta, mas a explicação do Treepedia ajuda a entender o que Hardt e Rosaneli querem dizer quando falam sobre o verde que a gente vê de baixo, e não só de cima. “Em vez de contar o número individual de árvores, desenvolvemos um método escalável e universalmente aplicável, analisando a quantidade de verde percebida enquanto caminhamos pelas ruas.”
“Para cumprir as funções da arborização urbana existe uma série de critérios de escolha de espécies, de forma de plantio e de manutenção que tem que ser considerada”, explica Marlos. Dessa perspectiva, a tipuana também não é a espécie mais adequada. Isso porque, com o tempo, suas raízes acabam quebrando as calçadas e dificultando a circulação dos pedestres, principalmente aqueles com necessidades especiais de mobilidade, como usuários de cadeiras de rodas.
Rosaneli concorda. “Eu fiz um estudo bem simples com meus alunos. Uma coisa que a gente observou é que tem muito canteiro em Curitiba, tanto canteiro central quanto nas calçadas. E as pessoas começam a considerar uma rua bonita porque tem canteiros. Então a percepção é mais ampla que ficar olhando só para as árvores.”

Arborização no Água Verde

Subindo a avenida em direção ao Água Verde, a paisagem se modifica. Fica para trás o aspecto industrial que marca a porção do Rebouças, as calçadas se ampliam e a Getúlio ganha até mesmo uma via compartilhada para pedestres e ciclistas. As grandes árvores ainda estão lá, mas a realidade está longe de ser a ideal para quem circula ali.
“Tem muitas ruas onde as árvores de grande porte são empregadas e a gente se sente muito bem. Mas esse uso precisa ser casado com calçadas mais largas, com canteiros, com distanciamento das edificações. Mas a Getúlio em específico não é uma rua assim tão agradável. Os carros passam rápido, há muito ruído, etc”, diz Rosaneli. Ele pontua que uma tendência forte para resolver esse tipo de problema é trocar o asfalto por paralelepípedo. Assim, a trepidação sentida dentro dos carros faz com que os motoristas diminuam a velocidade e o lugar se torne mais tranquilo.
A poucos metros da Arena da Baixada, esse trecho da avenida foi remodelado para receber a horda de torcedores que acorria ao estádio para ver os jogos da Copa do Mundo de 2014. “Um aspecto interessante de se levar em consideração é que o espaço público da Getúlio aqui [no Água Verde] é mais agradável do que lá [no Rebouças]. Mas lá a avenida tem mais vegetação, porque tem o canteiro central, que aqui não existe. Para questões de enchente, de permeabilidade do solo, por exemplo, esta região é pior do que aquela”, avalia Hardt.
As diferenças entre os dois lados da Getúlio se devem a uma série de fatores. Estão atreladas a questões de zoneamento e também sociais e econômicas. “Há vários indicadores para se ler a qualidade do espaço público nas cidades. O único deles que dá para assumir mesmo é a renda. Se a renda aumenta, a qualidade do espaço público aumenta. E o Água Verde é um bairro de alta renda. Além disso, nesse trecho essa qualidade também tem a ver com a Copa”, observa Rosaneli.

Cenário ideal

Se, olhando de perto, a Avenida Getúlio Vargas está longe de ser um modelo de via urbana, ainda assim há nela muitos pontos positivos. Como aponta Hardt, Curitiba se tornou mundialmente conhecida por suas canaletas expressas para ônibus. Mas muitas das ruas que receberam essas canaletas são, hoje, muito áridas. “Pensou-se nos ônibus, nos carros, nos pedestres e, recentemente, até nas bicicletas. Mas não se pensou na arborização e nem na vegetação.”
E esse tipo de abordagem é fundamental para diminuir o efeito das ilhas de calor. Lugares com muito concreto – asfalto, edificações, etc. – tendem a absorver e irradiar o calor, o que é amenizado pela presença de plantas. Fora essa questão elas também ajudam na melhoria da qualidade do ar, não só porque absorvem gás carbônico e liberam oxigênio durante a fotossíntese, mas também porque retêm partículas de poluição em suas folhas.
Qual seria, então, o cenário ideal? Os urbanistas têm seus palpites. Para Rosaneli, “quando se fala em espaço público não dá para deixar na mão de um só profissional. Há que se criar comitês de especialistas. E ali é preciso haver historiadores, sociólogos, geógrafos, arquitetos e urbanistas, entre outros.” O professor diz acreditar que essa ampliação da discussão poderia criar espaços efetivamente mais verdes e mais funcionais para a população que realmente vai usufruir deles.
Hardt lembra de outro fator importante: o planejamento seguido de ação. “Se você pensar no curto prazo, começa a fazer só reforminhas. Se você for só planejar também não funciona. A gente percebe muita preocupação com o planejamento. Mas muitas vezes esse planejamento não desce para a escala de ação. Então você fica preso a resolver pequenos probleminhas o tempo todo.” Ele afirma que isso poderia ser resolvido com um manual de desenho urbano desenvolvido para ser seguido em toda a cidade. “A gente está usando um computador antigo para um software novo. Nossa forma de usar a cidade está mudando e, em alguns aspectos, está mudando para melhor. As pessoas usam mais o espaço público, mais bicicletas, convivem mais.” Assim, o necessário seria que se agisse para estimular e contribuir com um movimento que já é quase natural.

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