Estilo & Cultura

Caixas de leite viram revestimento para bloquear o frio em casas precárias de madeira

Carolina Werneck*
23/08/2017 21:40
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Voluntárias posam dentro de uma das casas beneficiadas pelo projeto. Tânia é a segunda, da esquerda para a direita. Foto: Reprodução/Facebook

Tânia Ribas é uma curitibana que nunca teve aulas de arquitetura ou engenharia civil. Mesmo assim, a dona de casa que vive no Tingui já ajudou a melhorar as características térmicas de 30 casas em Curitiba e região. Responsável pelo projeto Brasil Sem Frestas na cidade, ela usa caixas de leite vazias para forrar casas de madeira que, sem esse recurso, ficam à mercê do vento e da chuva.
A ideia nasceu em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, com a química Maria Luisa Camozzato. Preocupada com a população mais pobre da cidade, ela encontrou nas embalagens cartonadas o material ideal para promover a vedação de casas de madeira. As caixas de leite são compostas por seis camadas, segundo a Tetra Pak, empresa criadora desse tipo de envase. De fora para dentro, há uma camada de plástico, uma de papelão, outra camada de plástico, uma de alumínio e, por fim, mais duas folhas de plástico. Essas características tornam as caixinhas impermeáveis e fazem delas um ótimo isolante térmico.
Voluntárias posam dentro de uma das casas beneficiadas pelo projeto. Tânia é a segunda, da esquerda para a direita. Foto: Reprodução/Facebook
Voluntárias posam dentro de uma das casas beneficiadas pelo projeto. Tânia é a segunda, da esquerda para a direita. Foto: Reprodução/Facebook

O tamanho da necessidade

De acordo com a Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab), a cidade tem atualmente cerca de 400 ocupações irregulares e 49 mil famílias vivendo em residências consideradas precárias. Gente que não tem como se proteger das condições climáticas naquela que é considerada a capital mais fria do Brasil. Mas o número de inscritos no cadastro de pretendentes a imóveis da Cohab é ainda maior: 53 mil. E a espera por um lar digno não tem data para acabar. O órgão explica que há diferentes formas de seleção dos beneficiados, como determinam as regras do programa Minha Casa Minha Vida. Nas faixas dois e três, que compreende famílias com renda acima de R$ 1,8 mil, “as convocações obedecem a ordem cronológica de inscrição, com tempo médio de espera entre dois e três anos”. Já na faixa um, com renda de até R$ 1,8 mil, os beneficiados são sorteados, de modo que não há como prever o tempo de espera.
Desde sua fundação, em 1965, a Cohab já entregou 137 mil imóveis. É uma média de pouco mais de 2,6 mil casas entregues por ano. Nesse ritmo, a companhia levaria mais 20 anos para zerar a fila por residências em Curitiba, contanto que essa lista não receba mais nenhuma inscrição nesse período.

De casa em casa

Do lado de cá, no quartel-general do Brasil Sem Frestas Curitiba, Tânia e mais 28 voluntários não se cansam de fazer sua parte para melhorar as condições de vida dessas pessoas. No aplicativo de troca de mensagens WhatsApp o grupo é maior, tem 87 participantes que colaboram como podem, seja coletando as caixas de leite, seja divulgando o projeto. Os 28 mencionados por ela são aqueles que, duas vezes por semana, se reúnem para cortar e costurar as placas que serão usadas no revestimento das casas. “Eu comecei com duas mesinhas e, de repente, a coisa foi crescendo. Meu marido tinha uma espécie de estúdio na garagem, porque ele é músico. Ele também guardava um barco lá. Aí a gente teve que reformar a parte de cima da casa, jogar a banda dele para cá e transformar lá no nosso ateliê. Agora já está pequeno de novo, então minha cunhada me doou três metros do terreno de trás, e a gente vai aumentar o espaço”, conta Tânia.
Uma vez por mês, em geral aos sábados, o grupo seleciona uma casa, normalmente por indicação, e vai até as comunidades instalar as placas produzidas com as caixas abertas. Pregadas com grampeadores de madeira, elas são posicionadas nas paredes cheias de frestas e passam a impedir que o frio e a chuva entrem. “A primeira casa que eu fiz me deixou uma semana sem voz, muito emocionada. Porque é uma miséria. Você pega nas roupas e cobertores e está tudo úmido, porque entra água. É uma sensação de impotência, de querer fazer mais”, explica a embaixadora do projeto em Curitiba. Ela diz que gostaria de ajudar mais famílias, mas cada residência exige em torno de duas mil caixinhas limpas, cortadas e costuradas em placas. Toda essa preparação dá trabalho e a equipe existente hoje não conseguiria atender mais que uma casa por mês.
Depois de lavadas e cortadas, as caixas são costuradas em placas que vão revestir as casas. Foto: Reprodução/Facebook
Depois de lavadas e cortadas, as caixas são costuradas em placas que vão revestir as casas. Foto: Reprodução/Facebook
Fazendo um esforço extraordinário de formiguinhas, o Brasil Sem Frestas tem um impacto gigante na vida de quem é tocado pelo projeto. Atualmente, ela calcula que são recebidas três mil caixas de leite por meio de doações. O que não é usado no revestimento é vendido para reciclagem. As tampinhas plásticas são doadas para uma instituição que fabrica bonequinhos com elas. Nada se perde. O próximo passo, Tânia afirma, é comprar uma Kombi para ajudar a carregar as placas até as comunidades. “A gente já andou olhando os preços, está por volta de R$ 7 mil. Não é nada impossível para a gente, já que um bazar nosso gera em torno de R$ 4 mil, às vezes R$ 5 mil.”
Quem quiser ajudar pode entrar em contato com ela pelo telefone (41) 98449-5213. O Brasil Sem Frestas aceita doações de caixas de leite e suco, além de grampos para grampeador de estofados, grampos normais, tesouras e escadas. As caixas devem ser doadas já lavadas para evitar a proliferação de insetos. Os endereços para entrega e outras informações podem ser encontrados na página do projeto no Facebook.
*Especial para a Gazeta do Povo.

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