Estilo & Cultura

Com jeito de castelo, palacete no Centro de Curitiba guarda memórias de imigrantes

Mariana Domakoski*
02/05/2017 21:52
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Construído em 1895 em estilo eclético e com ares de castelo, com direito até mesmo à flecheira, o Palacete Hauer foi a casa de José Hauer, primeiro da família a pisar no Brasil. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo | Leticia Akemi

Na Rua do Rosário, no Largo da Ordem, uma estrutura chama a atenção: quase na esquina com a Travessa Nestor de Castro, com ares de castelo, está o Palacete Hauer, como hoje é conhecido, com dois pavimentos visíveis e um porão. Datado de 1895, foi a residência de José Hauer, o primeiro da família alemã a pisar em terras brasileiras, em seus últimos anos por aqui antes de voltar para a Europa. Depois sediou o Colégio da Divina Providência – atualmente parte do Grupo Bom Jesus – e hoje é um dos campi do Centro Universitário Internacional Uninter.
Apesar de cumprir uma função totalmente diferente da que foi originalmente feito para cumprir, o palacete conserva algumas joias do tempo residencial, que permitem imaginar o dia a dia de quem morava ali. A começar pela torre de cerca de 15 metros que, rezam todas as lendas, foi encomendada por Hauer para que pudesse ver a Serra do Mar, em cuja construção trabalhou como cozinheiro e por onde chegou a Curitiba – a pé.
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Para chegar a ela, são quatro lances da escada central, em madeira, que segue imponente. A divisão de ambientes também pouco mudou. No térreo, onde hoje funcionam áreas administrativas, permanecem intactas no teto molduras em bronze e madeira maciça, que antes davam base para lustres, e sancas com trabalhos em alto relevo.
Na sala de professores, é recomendável olhar para cima: um céu azul pintado com anjos se abre no teto de todo o local. Em uma das paredes, azulejos brancos de mais de cinco centímetros de largura mostram os fundos de uma antiga lareira, preservada no cômodo ao lado, onde hoje funciona o departamento jurídico acadêmico da Uninter.
Por fora, o jardim também conserva características iniciais, com uma jardinete ao lado dos dois volumes que avançam na calçada. Ao lado, o verde se estende como um corredor, que convida a olhar para o fundo. Do outro lado do terreno, em frente à Alameda Dr. Muricy, segue de pé a antiga sala de música de Hauer, que mais tarde virou um coreto para as alunas do Divina e que, hoje, cumpre a função de manter viva uma das memórias da residência.
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Por que Hauer pediu uma casa com ares de castelo é uma incógnita. Fato é que foi levantada em uma época em que o ecletismo estava com tudo por aqui. “Eram aceitas múltiplas formas e ornamentos”, explica a arquiteta e historiadora Elizabeth Amorim de Castro. De acordo com ela, mais importante do que enquadrar a construção em um estilo arquitetônico, é analisar o cotidiano representado por ela. “Reproduz um modo de vida mais abastado e denota a incorporação de preceitos higienistas, com a casa solta no terreno”, afirma a pesquisadora. O fato de estar solta no terreno, com jardins em volta – e não grudada nas casas ao lado -, mostra que havia preocupação com a ventilação e insolação corretas, conforme explica Elizabeth.
A riqueza de detalhes por dentro e por fora, como estas proteções de chuva nas janelas, denotam que os residentes eram mais abastados. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
A riqueza de detalhes por dentro e por fora, como estas proteções de chuva nas janelas, denotam que os residentes eram mais abastados. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Reprodução de foto para matéria da Haus sobre o Castelo Hauer . Local: Rua do Rosário .
Reprodução de foto para matéria da Haus sobre o Castelo Hauer . Local: Rua do Rosário .
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo

De volta para casa

Muitas histórias circundam o retorno de José Hauer à Alemanha em 1905. Algumas dão conta de que os filhos não aceitaram o segundo casamento do pai, ocorrido em 1902, após ter ficado viúvo, fazendo com que o patriarca fosse embora com a esposa. Há até quem diga que eles nunca mais se falaram.
Não é o que acreditam o coordenador de Etnias da Fundação Cultural de Curitiba, Carlos Hauer Amazonas de Almeida, 54, e pelo empresário José Augusto Leal Hauer, 53, pesquisadores da família e, respectivamente, bisneto de Roberto Hauer (irmão de José) e tataraneto de José Hauer. Segundo a dupla de especialistas na história familiar, diversos cartões postais trocados entre Hauer já na Europa e os filhos provam que a relação continuou.
Antes de ir, vendeu a casa onde havia morado pelos últimos 10 anos às Irmãs da Divina Providência. No mesmo ano de sua ida, a congregação passou a ocupar o local e a oferecer escola às meninas alemãs católicas. Durante os 53 anos em que esteve ali, o colégio cresceu e adquiriu os terrenos ao lado.
Foto: Acervo/Casa da Memória
Foto: Acervo/Casa da Memória
Todas as construções fazem parte da vida da Irmã Rita Maria Küster Boni, de 54 anos. Em 1977, ela começou os estudos no Divina. Andava pelas instalações imaginando o que havia naquela torre na qual nenhuma estudante podia subir, ou na área de convívio das irmãs, chamada à época de clausura, onde duas portas deixavam claro que a presença das meninas era terminantemente proibida.
Mal sabia ela que, quase dez anos depois, estaria de volta ao mesmo lugar, mas dessa vez como professora e com acesso livre a toda parte. Como jovem irmã, subiu e desceu incontáveis vezes as escadas daquela torre. “Quando entrei na clausura, vi um lugar sóbrio, de simplicidade harmônica, com mesas, cadeiras e um chão de tábuas. Naquele momento, entendi que tinha sentido ser um local reservado”, conta. “Voltar ao Divina como jovem irmã foi como voltar para casa”, reflete.
Quando estudou no Colégio Divina Providência, no final da década de 1970, Irmã Rita sonhava em descobrir o que havia na torre e na clausura. Cerca de dez anos depois, ela voltou, como jovem irmã e professora, e tinha acesso irrestrito a todas as áreas do local. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Quando estudou no Colégio Divina Providência, no final da década de 1970, Irmã Rita sonhava em descobrir o que havia na torre e na clausura. Cerca de dez anos depois, ela voltou, como jovem irmã e professora, e tinha acesso irrestrito a todas as áreas do local. Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo
*Especial para a HAUS.

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