Estilo & Cultura

Conheça a carpintaria contestadora do coletivo cubano que conquistou Curitiba

Carolina Werneck*
30/08/2017 18:00
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A obra "Un minuto", ao fundo, é meio arte, meio mobília. Cheia de portinhas, ela é composta por 34 peças soltas. A intenção é demonstrar quantas coisas cabem no intervalo de um minuto. Foto: Alison Martins/Gazeta do Povo | Carolina Werneck Bortolanza

Um quarto de século se passou desde que os artistas cubanos Marco Castillo e Dagoberto Rodríguez começaram a trabalhar juntos. Agora, a exposição Objeto Vital, no Museu Oscar Niemeyer (MON), recapitula a trajetória do coletivo “Los Carpinteros”, como a dupla ficou conhecida. Nos primeiros dias da exposição, que estreou no dia 23 de agosto, mais de cinco mil pessoas passaram pelo museu para observar a arte em carpintaria que é a marca do coletivo.

HAUS conversou com exclusividade com Marco Castillo  

Era 1992 e a situação política e social de Cuba era aterradora. Foi nesse cenário que os dois estudantes do Instituto Superior de Arte de Havana (ISA) criaram um coletivo de arte junto ao colega Alexandre Arrechea – este decidiu se separar dos outros dois em 2003 e, desde então, segue carreira “solo”. “Ser cubanos não influenciou nosso trabalho, o fez. Eu acho que nossa união tem a ver precisamente com a situação cubana, porque quando nos conhecemos na escola foi quando o bloco socialista se quebrou e cuba seguiu socialista. Essa decisão fez com que caíssemos na maior pobreza que o país já tinha vivido. Fome. Houve fome nos anos 90”, relata Castillo. Para ele, voltar-se à arte era, então, uma maneira de buscar horizontes que pareciam muito distantes. O contexto experimentado pelos amigos ao longo de suas vidas os levou a optar por trabalhar em conjunto. “Você pergunta se Cuba influenciou, eu creio que estamos juntos justamente por ter nascido e crescido em Cuba. Aquele era um ambiente não só de carência material, mas de carência cultural, porque artistas importantes foram embora. O coletivo foi uma estratégia de sobrevivência que conseguimos desenvolver.”
Ao fundo, o quadro "Havana Country Club", um dos primeiros feitos pelo grupo. Foto: Alison Martins/Gazeta do Povo
Ao fundo, o quadro "Havana Country Club", um dos primeiros feitos pelo grupo. Foto: Alison Martins/Gazeta do Povo
Nada é por acaso na obra de Los Carpinteros. Pinturas, esculturas, desenhos e peças de mobiliário têm sempre uma forte carga social, política ou até afetiva. Às vezes todas elas ao mesmo tempo. É o caso de trabalhos desenvolvidos por eles ainda na década de 1990, que muitas vezes mostram os três artistas em situações particulares da vida cubana da época. Um exemplo é “Havana Country Club”, de 1994. Nessa mistura de tela e entalhe em madeira, Castillo, Rodríguez e Arrechea aparecem no clube que dá nome à obra, símbolo da alta sociedade cubana posteriormente utilizado pelo ISA.
Como não poderia deixar de ser, as referências ao socialismo permeiam boa parte da produção do coletivo. Afinal de contas, o regime esteve presente ao longo de toda a formação do grupo – e foi responsável por grande parte das referências que os artistas levam consigo. A arquitetura soviética é um desses elementos de que eles se apropriam. Nasceram dela, por exemplo, duas grandes esculturas que estão no MON. “Quando éramos meninos pertencíamos a um bloco socialista, uma estrutura, um sistema. E aquelas imagens e a arquitetura daqueles monumentos eram recorrentes em nossa infância. Por isso fizemos um teste e chapamos em Lego essas esculturas, de modo a fazer uma pátina de infância, uma materialização de nossas lembranças de infância do socialismo”, explica Castillo.

Arte vital

Castillo é claramente viciado no que faz. Quando fala de suas obras e da trajetória de Los Carpinteros, é como se ele se iluminasse. Quando é questionado sobre como é trabalhar em dupla, ele tem a resposta na ponta da língua. “É muito difícil, mas vale a pena. Eu acho que o coletivo me salvou, me ofereceu muito. Se eu não estivesse com Dago talvez eu fosse… nem sei o que seria. A dinâmica de um coletivo é uma discussão, uma briga constante, mas uma briga produtiva, porque saem essas ideias e essas conclusões estéticas.”
A versatilidade é uma das características mais marcantes da dupla. Eles trabalham com temas da arquitetura com a mesma maestria com que lidam com elementos da música, do urbanismo e até mesmo do imaginário coletivo. Nesse ponto, é como se a arte feita por eles fosse, na verdade, a mistura de muitos tipos de arte. “Nós nos apropriamos de qualquer tipo de sistema artificial. A música é um artifício, vem da mente do homem, assim como a arquitetura”, afirma Castillo. Ele aponta como exemplo três protótipos em madeira que estão na exposição. Há um protótipo parecido em tamanho maior do lado de fora daquela sala. Explica que são salas de leitura e foram baseadas em estruturas pan-ópticas que, a partir do século 18, começaram a ser utilizadas como prisões por oferecerem uma ampla visão a partir de qualquer ponto interno. “Então adotamos essa estrutura para gerar espaços de leitura e de cultura. E alguns museus já estão usando esses protótipos.”
Três modelos de sala de leitura também fazem parte da exposição. Do lado de fora da sala, outro protótipo está exposto em tamanho maior. Foto: Alison Martins/Gazeta do Povo
Três modelos de sala de leitura também fazem parte da exposição. Do lado de fora da sala, outro protótipo está exposto em tamanho maior. Foto: Alison Martins/Gazeta do Povo
Mesmo depois de 25 anos, o artista diz que Los Carpinteros seguem à procura de novos caminhos para a arte. “Nós constantemente estamos descobrindo motivos para continuar trabalhando juntos. E justamente agora estamos em um momento muito complicado. Estamos em um momento muito indefinido. Eu não poderia dizer aonde vamos e isso é fantástico. É daí que saem as boas ideias.”o estamos em um momento muito indefinidos. Eu não poderia dizer aonde vamos e isso é fantástico. É daí que saem as boas ideias.

Assombrado

O artista é modesto ao comentar sua obra. O grupo tem no currículo passagens pelo Museum of Modern Art (MoMA) e o Guggenheim, em Nova Iorque e pela TATE Gallery, em Londres, além de diversos outros importantes museus ao redor do mundo. Apesar do reconhecimento internacional, ele afirma rindo que não faz sucesso. Em seguida, questionado sobre o que o menino Marco Castillo pensaria sobre suas conquistas, arregala os olhos. “Que pergunta mais louca. Bom, quando eu era criança, eu era um artista. Eu já pintava, a arte me encantava. E, na verdade, nunca na vida imaginei que poderia expor em um museu tão lindo como esse. Acho que o menino Marco estaria assombradíssimo se pudesse ver essas coisas.”
À frente, "Cuarteto", de 2011. Na parede aos fundos "Cuatro Guitarras", de 2015. Foto: Alison Martins/Gazeta do Povo
À frente, "Cuarteto", de 2011. Na parede aos fundos "Cuatro Guitarras", de 2015. Foto: Alison Martins/Gazeta do Povo
“Objeto Vital” tem curadoria de Rodolfo de Athayde. Ele reuniu 60 obras que estavam espalhadas em vários países do mundo. Para Castillo, essa é uma mostra baseada em um conhecimento profundo do trabalho dos Carpinteros. A exposição pode ser vista no MON até o dia 3 de dezembro, de terça a domingo, das 10h às 18h. As entradas custam R$ 16 (inteira) e R$ 8 (meia).
*Especial para a Gazeta do Povo.

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