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Arquitetura

“Curitiba me abandonou”, desabafa Lolô Cornelsen

Luan Galani
14/02/2017 19:57
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O modernista paranaense interligou nossas cidades e não descansa até ver a hidrovia do Ivaí realizada. Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo/Arquivo | Gazeta do Povo

Dizem que Lolô nunca leva desaforo para casa. Em 1948 desceu a porrada em um professor do curso de Engenharia da UFPR em plena Praça Santos Andrade que resolveu reprová-lo às vésperas da formatura. Não por algum desempenho ruim, mas porque o mestre era coxa-branca e o aluno era craque do Atlético. Não deixou barato. Mas causos de luta-livre não são tantos na história de Ayrton João Cornelsen, hoje com 94 anos. “Bem velhinho, mas ainda enxuto”, brinca Lolô. Um dos últimos modernistas brasileiros a ainda caminhar entre nós, o curitibano não gosta de admitir, mas é dono de uma resignação digna dos santos.
Alguns episódios de sua vida comprovam: nunca cobrou explicações das autoridades que deram sinal verde para a demolição de suas casas em Curitiba. Resolveu ficar quieto. Ao trocar o time alviverde da família pelo Atlético, o pai e os irmãos resolveram nunca mais falar com ele sobre futebol. Aceitou com o rabo entre as pernas.
Ayrton Lolô Cornelsen. Retratos para futuro artigo de perfil de Lolô Cornelsen. tags: arquitetura, engenharia, modernismo, visionário, personagem, Curitiba, retratos, pessoas. Fotos: André Rodrigues
Ayrton Lolô Cornelsen. Retratos para futuro artigo de perfil de Lolô Cornelsen. tags: arquitetura, engenharia, modernismo, visionário, personagem, Curitiba, retratos, pessoas. Fotos: André Rodrigues
Mas nada o abate. Lolô dá de ombros e continua a todo vapor. Voa pelos corredores de sua casa, que projetou originalmente na década de 1940 para o pai. Passa as tardes pintando e criando campos de golfe. Já soma mais de 200 projetos para qualquer tipo de topografia. “Se quiser um bom campo de golfe, é só passar aqui”, avisa. As manias continuam intactas. Não come frango. Se pudesse, passaria a camarão. Seca ao sol todas as sementes das frutas para plantar mais tarde. Gosta de ler quadrinhos de faroeste. Usa e abusa de sua expressão favorita: “Uma bosta!”
Agora tem até filme, batizado de Homem Asfalto, com lançamento para o próximo dia 17, às 20 horas, na Cinemateca. O documentário é da Planeta Brasil, com direção de João Marcelo Gomes e incentivo da Fundação Cultural de Curitiba.
CURITIBA / 21/05/14/ VISITA A RESIDENCIA BELOTTI PROJETADA PELO ARQUITETO LOLO CORNELSEN / FOTO:JONATHAN CAMPOS / AGENCIA DE NOTICIAS GAZETA DO POVO
CURITIBA / 21/05/14/ VISITA A RESIDENCIA BELOTTI PROJETADA PELO ARQUITETO LOLO CORNELSEN / FOTO:JONATHAN CAMPOS / AGENCIA DE NOTICIAS GAZETA DO POVO

Inventor do Paraná

Lolô está no panteão dos modernistas brasileiros. Decidiu se dedicar à arquitetura depois de receber a bênção do urbanista francês Alfred Agache em 1941, que viu no jovem um futuro promissor. Como diretor do DER-PR a partir de 1950, as linhas de seu lápis deram origem a mais de 400 km em estradas, entre elas, a Rodovia do Café e a Estrada da Graciosa. Seu lema era: “A estrada como rio, que fertiliza a terra e convida o homem a caminhar cada vez mais”. Ajudou ainda a projetar o Couto Pereira e a Vila Olímpica do Paraná Clube no Boqueirão. Não lhe chamaram para opinar na Arena da Baixada. Ele se ressentiu, mas não liga mais.
Pela fixação com a cor vermelha, típica da gangue de modernistas, foi tachado de comunista. Tese que só ganhou força depois que Juscelino Kubitschek mandou-o a Moscou para divulgar a arquitetura brasileira. Com o governo militar, vendeu tudo e migrou para a Portugal de Salazar com a esposa Cleuza Lupion e os filhos. No avião, receberam a notícia: o ditador havia falecido. Desembarcaram em um país em festa.
Lá caiu na graça dos europeus e dos africanos. Levantou diversos empreendimentos hoteleiros na Ilha da Madeira e no norte da África. Em 1976 retorna e cria diversas casas com influências claras da arquitetura portuguesa, como a Vila Camões, tida como o primeiro condomínio residencial da cidade. Até hoje tenta convencer os governos da viabilidade da hidrovia do Ivaí. Luta como um Quixote pelo projeto. Vira e mexe manda cartas para alguns secretários, mas nunca recebe resposta. “Curitiba me abandonou. Ser curitibano é uma merda. Queria ter nascido na Bahia”, diz, às gargalhadas.
Ayrton Lolô Cornelsen. Retratos para futuro artigo de perfil de Lolô Cornelsen. tags: arquitetura, engenharia, modernismo, visionário, personagem, Curitiba, retratos, pessoas. Fotos: André Rodrigues
Ayrton Lolô Cornelsen. Retratos para futuro artigo de perfil de Lolô Cornelsen. tags: arquitetura, engenharia, modernismo, visionário, personagem, Curitiba, retratos, pessoas. Fotos: André Rodrigues

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