Estilo & Cultura

Curitiba segue como referência de planejamento, mas inovação parou nos anos 1970

Carolina Werneck*
27/06/2017 14:00
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De acordo com as arquitetas, Curitiba tem o "gancho" necessário para ser uma Cidade Criativa de Design. Basta estimular a produção. Na imagem, o Jardim Botânico, um dos principais pontos turísticos da cidade. Foto: Brunno Covello/Arquivo Gazeta do Povo | Carolina Werneck Bortolanza

Há seis anos, a arquiteta paulistana Juliana Gotila fez as malas e partiu para um mestrado na pequena Saint-Étienne, na França. Desde então, seu trabalho sempre esteve muito próximo à designação do local como Cidade Criativa de Design pela Unesco, etiqueta que Curitiba também exibe desde 2014. Recentemente, Juliana esteve em Curitiba junto à também arquiteta Anya Sirota, de Detroit, Estados Unidos. Embora não representem oficialmente suas cidades, as duas vieram entender o que a capital paranaense pode acrescentar à Rede de Cidades Criativas.
Curitiba integra o grupo coordenado pela Unesco desde 2014. O título, entretanto, ainda não se traduziu em iniciativas concretas. Juliana e Anya estiveram reunidas com representantes do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) para fazer os primeiros contatos entre os três municípios. A ideia era compartilhar experiências e conhecer a cidade de que tanto ouviram falar. “Nas escolas de arquitetura americanas, Curitiba é uma referência de planejamento urbano. Eu nunca vi uma cidade parecida com essa, pelas suas avenidas lineares e sua relação com o transporte. Aqui, tudo é muito particular”, diz Anya. Além de arquiteta, ela também é professora da Universidade de Michigan.
Na França, Juliana fundou um coletivo que trabalha com ateliês de iniciação à serigrafia, gravura e marcenaria. “A gente usa esse tipo de técnica artesanal para ativar espaços públicos na cidade. O objetivo é ver o potencial das técnicas e fazer oficinas em espaços públicos para transformá-los e dar outro valor para a cidade.” Ela diz que seus projetos estão sempre buscando entender como o design e a arquitetura podem ter um impacto social importante. Esse tipo de energia também está presente em Curitiba, de acordo com a arquiteta. “Todos os designers estão fazendo muitos projetos relacionados a ocupar a cidade e design social, por exemplo. A cidade tem esse potencial.”
Saint-Étienne, na França, já é Cidade Criativa de Design pela Unesco há mais de dez anos. Na imagem, projeto "La Platine", de Finn Geipel e Giulia Andi. Imagem: Christian Richters/Divulgação
Saint-Étienne, na França, já é Cidade Criativa de Design pela Unesco há mais de dez anos. Na imagem, projeto "La Platine", de Finn Geipel e Giulia Andi. Imagem: Christian Richters/Divulgação
Para Anya, a designação da Unesco está muito relacionada com o que a cidade promete implicitamente. “Uma das coisas que podemos dizer sobre Curitiba é que ela tem uma espécie de marca que justifica o título. Não importa se isso já está acontecendo, mas, por causa do planejamento dos anos 1970, ela tem uma imagem, por essa tentativa de ter uma mobilidade incrivelmente moderna, contemporânea, lógica e eficiente, com um urbanismo ativo.” Todo esse movimento existente na cidade atrai naturalmente designers e arquitetos curiosos para entender como ela funciona. Ela explica que Detroit tem esse mesmo gancho por outras razões. No caso da cidade americana, a crise financeira que a atingiu pode ser uma dessas razões. “A maior cidade pós-industrial da América perdeu metade de sua população. O que fazemos agora?”, pontua.
Depois de pedir falência, em 2013, a maior cidade industrial dos Estados Unidos precisou encontrar caminhos para se reerguer. O design é um desses caminhos e parece estar funcionando para Detroit. Foto: Pixabay
Depois de pedir falência, em 2013, a maior cidade industrial dos Estados Unidos precisou encontrar caminhos para se reerguer. O design é um desses caminhos e parece estar funcionando para Detroit. Foto: Pixabay
A profusão de escolas de design e arquitetura espalhadas pela capital paranaense também é apontada pelas arquitetas como fundamental. “Há um tipo de desejo de criar um distrito de arte aqui. Também se nota uma preocupação sobre calcular o impacto de uma economia criativa na vida das pessoas”, avalia Anya. Todas essas características contribuíram para que ela e Juliana estendessem uma viagem ao Rio de Janeiro e a São Paulo até o sul do país. “Estávamos tão perto e ouvimos muito sobre a cidade. Eu estava curiosa para ver como outras cidades com essa designação funcionam. Procurar ideias e outras pessoas como nós e imaginar o que faremos a seguir”, diz Juliana.
A Rede de Cidades Criativas é um ambiente em que a troca de conhecimentos e experiências acaba fortalecendo seus integrantes individual e coletivamente. Daí a importância de visitas como essa. “A força das cidades criativas está em estimular as pessoas. Eu acho que nos últimos 15 ou 20 anos há um sentimento de que design pode levar a desenvolvimento econômico. Todas essas cidades têm mais em comum do que pensamos. Todas têm os mesmos problemas, então podemos compartilhar procedimentos e métodos testados”, afirma Anya. Segundo a americana, o design tem também um papel social importante. “Quando você tem uma vizinhança economicamente complicada e você envia designers para que o ordenem, esse é normalmente o primeiro passo para a gentrificação. O design tem a função urbanística de garantir que isso não aconteça. É o que estamos tentando fazer em Detroit.”

Como Curitiba pode ativar a tag de Cidade Criativa?

Anya defende que, quando se trata de identificar ações que podem fazer jus à designação da Unesco, o primeiro passo é perguntar aos envolvidos o que eles acham que estão perdendo. “Não adianta fazer isso apenas com os coordenadores das instituições. Você precisa de membros da academia, designers profissionais, designers experimentais, ativistas urbanos, artistas e políticos. E você precisa deles em uma sala expressando o que acham que está faltando.” Para ela, essa é a única forma de entender o cenário completo e começar a priorizar o que é realmente necessário. A diversidade de vozes discutindo o tema é essencial para chegar a uma conclusão que, de fato, esteja conectada com a realidade.
Conhecer a fundo a comunidade em que se está trabalhando é outro ponto importante, na opinião de Juliana. “Todos os projetos que eu faço estão relacionados ao lugar em que eu vivo e levam em torno de dois anos cada. Todos eles partem de um questionamento junto à comunidade: como construir, onde construir, se precisamos mesmo construir ou é apenas um evento.” Ela diz que o apoio dos órgãos municipais conta muito na hora de viabilizar suas iniciativas.
“As cidades precisam de inovação, e a inovação está acontecendo em cidades que não são metrópoles. É muito difícil inventar algo novo em Nova York, Paris ou Londres. O custo de estimular a pesquisa nesse lugares é muito alto”, avalia Anya. Para ela, é importante criar um ambiente em que os designers possam experimentar e errar. Se as instituições apoiarem esse tipo de prática e oferecerem a possibilidade de contribuições interdisciplinares, Curitiba poderá se tornar em breve um expoente ainda mais significativo na área do design. “De cada dez falhas, uma se tornará uma ideia. Acho que nossa responsabilidade nas cidades é criar as políticas e estruturas corretas para que a experimentação, falha e às vezes o sucesso possam crescer coletivamente.”
*Especial para a Gazeta do Povo.

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