Estilo & Cultura

A trajetória da artista que encheu Curitiba de cor em obras como a da Praça São Vicente de Paula

Luciane Belin*
09/03/2019 19:52
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A artista plástica Ida Hannemann de Campos, decana das pintoras paranaenses, em 2017. Foto: Albari Rosa | gazeta do povo

Em terra de Poty Lazzarotto, é dela um dos murais mais famosos da capital – o painel Gralha Azul, que colore a lateral da praça do Asilo São Vicente de Paula, na esquina entre as ruas Barão dos Campos Gerais e Manoel Eufrásio. Quando foi inaugurado, em 1996, Ida Hannemann de Campos tinha 76 anos e já contava com a reputação de ser uma artista prolífera e de muitas cores.
Em 2017, quando publicou um perfil sobre ela em sua coluna na Gazeta do Povo, o jornalista José Carlos Fernandes a descreveu como uma artista incansável. “Não tem a ver com ser uma “vovó power” – essa bobagem televisiva – mas com intelecto”, ele escreveu na época.
Leitora voraz e conhecedora da cultura e do folclore paranaenses, Ida contabilizava então centenas, possivelmente milhares, de quadros e telas, que foram apresentados em vida em cerca de 10 exposições individuais, 67 participações em mostras coletivas e em 32 salões.
O painel Gralha Azul, uma das obras mais reconhecidas da artista. Foto: Leticia Akemi
O painel Gralha Azul, uma das obras mais reconhecidas da artista. Foto: Leticia Akemi
A pintora, tapeceira, escultora e poetisa faleceu no último dia 3, no domingo de Carnaval, despedindo-se de suas telas e pincéis, mas não sem deixar um legado de muitas cores e histórias. Em sua homenagem, o prefeito de Curitiba, Rafael Greca (PMN), declarou luto oficial na cidade. Não foi à toa: Curitiba ostenta em diferentes regiões muitas obras da artista, produzidas ao longo de quase 80 anos de trabalho.
Nascida em 1922, tinha no currículo, já aos 20 de idade, formações em gravura e escultura com nomes como o brasileiro Fernando Calderari, o francês Gustave Boulanger e o austríaco naturalizado brasileiro Francisco Stockinger.
Foto: Arquivo Prefeitura de Curitiba
Foto: Arquivo Prefeitura de Curitiba
Entre 1942 e 1944, foi aluna do pintor Guido Viaro, que influenciou e ajudou a moldar seu estilo, embora não se deixasse impactar. “Nos seus primeiros trabalhos, trazia uma forte carga do Viaro, por se prender na figura, mas a partir dos anos 1950, a pintura dela se torna muito mais autônoma. Ele mesmo dizia que ela era uma pintora autodidata, que se fez por si só”, explica o professor do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná e da Pontifícia Universidade Católica (PUCPR), Fernando Bino.
Curador de uma exposição que reuniu no Museu Oscar Niemeyer mais de cem obras de Ida Hannemann de Campos, em 2013, o professor ressalta a grandiosidade do trabalho da artista e o diálogo que suas obras tinham com a cidade. “Ela cresceu na periferia quando bairros como o Pilarzinho ainda não faziam parte da paisagem urbana. Então, acompanhou o desenvolvimento da cidade, do rural ao urbano, e refletia isso com seus pincéis.”
Para compor esse traçado tão paisagístico, Ida não economizava nas cores e na vivacidade. “Certa vez perguntei a ela: ‘onde a senhora compra essas suas tintas?’, porque eram muito vivas, vibrantes. E ela me respondeu que eram tintas normais, de fabricação brasileira, mas que ela mesma preparava com óleo”, lembra Bino.
Prolífera, Ida Hannemann de Campos lotava quartos inteiros com seus quadros. Foto: Albari Rosa
Prolífera, Ida Hannemann de Campos lotava quartos inteiros com seus quadros. Foto: Albari Rosa
Com o passar dos anos, elementos identitários do Paraná passaram a aparecer cada vez mais em seus trabalhos, como é o caso da própria gralha azul, presente também no painel A Natureza, que desenvolveu para a biblioteca da PUCPR, e dos pinheiros que marcam as tapeçarias que hoje estão expostas no Museu Paranaense.
As lendas e histórias locais também apareciam, influenciadas por traços e conceitos que trazia de artistas que a comoviam. “A imagem surge sempre da palavra, daquilo que se lê, se vê, da educação e do saber ver, e Ida tinha muita leitura, não só a leitura clássica, mas uma leitura bastante vasta, ela estudava lendas e histórias. Depois, houve uma fase que sofreu influência do cubismo, ela falava muito de ter visto a obra de Picasso e, a partir daí, começa a fazer suas naturezas mortas”, conta Bino.
Mãe de três filhos, José Luiz, Heloísa e Luiz Roberto, com o esposo, o já falecido professor universitário André Campos, tinha em cada quadro uma relação maternal, nos quais colocava toda sua energia – tanto que não os abandonou e continuou pintando até seus últimos meses de vida, em casa, onde também guardava algumas centenas de obras.
*Especial para Gazeta do Povo.

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