Estilo & Cultura

A nonna que virou cartão postal de Curitiba

Luan Galani
07/02/2017 21:00
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Dona Hermínia desafiava o trânsito da Av. Manoel Ribas, sempre na companhia de seu cavalo. Fotos: Joel Rocha/Divulgação

“Toda cidade tem seus tipos populares. Ou pelo menos deveria tê-los, para amenizar a chatice urbana”, desafia o arquiteto Key Imaguire Junior. E não se trata dos personagens folclóricos, a exemplo de Oilman ou Inri Cristo. A cidade também nos permite o encantamento por seus filhos mais comuns. Como Dona Hermínia Perussi.
Uma septuagenária de Santa Felicidade que entrou para a história como a última verdureira tradicional, como atesta trabalho acadêmico da UFPR de autoria de Ana Maria Ganz. Por mais de 50 anos, a italiana percorreu de carroça a região central, batendo de porta em porta para vender verduras, ovos e lenha. O que fisgou a atenção dos curitibanos foi a relação que mantinha com seu cavalo Baiano.
Nos 12 quilômetros que percorriam todos os dias, principalmente na volta para casa pela Manoel Ribas, ela adormecia no banco da carroça e o cavalo continuava o trajeto. Sabia o caminho de cor. Mantinha uma indiferença britânica aos ruídos da cidade. Dominava o trânsito como ninguém.

Unanimidade nos anos 1990

Assim os dois caíram na graça geral. Alguns gostam de contar até que a dupla virou painel de Poty Lazzarotto, aquele que está na praça de alimentação do Mercado Municipal. Em 1994, foram homenageados em uma missa especial ao lado de figurões do enclave italiano da cidade, como Flora Madalosso, Edilmira Perucci e Pedro Trevisan, conforme consta no livro Santa Felicidade: o bairro italiano de Curitiba, de Maria Fernanda Campelo Maranhão.
Painel de Poty no Mercado Municipal em homenagem às últimas verdureiras tradicionais da cidade. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Painel de Poty no Mercado Municipal em homenagem às últimas verdureiras tradicionais da cidade. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
O fotógrafo Joel Rocha cresceu no bairro e assistiu a incontáveis idas e vindas de Hermínia e Baiano. Depois de anos nutrindo sua curiosidade, um dia foi atrás dela, que morava em uma casa de madeira vermelha. Foi recebido com café preparado na hora. Ele fez a proposta: “Gostaria de fotografar a senhora”. Só precisou esperar a filha fazer um penteado na mãe. A modelo que foi viúva duas vezes e mãe de quatro filhos estava pronta.
Alguns anos depois da sessão de fotos, Hermínia se envolveu em um acidente com um ônibus. Seu Sancho Pança de quatro patas não resistiu. Ela ficou com sequelas e veio a falecer em 1996. Hoje sua casa não existe mais. Nós é que ficamos viúvos.
Retrato clicado por Joel Rocha de uma das figuras mais queridas que Curitiba já teve.
Retrato clicado por Joel Rocha de uma das figuras mais queridas que Curitiba já teve.
Se fosse hoje, muito provavelmente as andanças de Dona Hermínia não aconteceriam da mesma maneira. A cidade não daria conta de absorver seu jeito de ser, por mais ordinário que fosse. Preocupações mil surgiriam acerca de sua saúde, da condição do animal e até da segurança do trânsito. “A cidade ficou grande demais, impessoal demais, a escala mudou e essas figuras do dia a dia acabam engolidas, anônimas”, avalia Imaguire Junior.
Para o arquiteto José La Pastina Filho, professor aposentado da UFPR e ex-superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Paraná, o esgotamento do comércio tradicional fez as pessoas virarem as costas para as ruas. “A maioria de nós cruza a rua negando a cidade. Aí não olha, não percebe, desaparece esse olhar que pode surpreender”, diz.

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