Estilo & Cultura

Bustos de Curitiba sumiram das praças; mas esse é o melhor caminho para preservá-los?

Marina Pilato*
28/05/2018 21:00
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Intervenção em busto retirado na Praça Santos Andrade questionando a retirada do monumento. Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Conhecer as figuras que ajudaram a fazer de Curitiba o que é hoje faz parte da experiência de caminhar pela cidade. Na Praça Santos Andrade, o busto do ex-senador e ex-governador do Paraná José Pereira dos Santos Andrade observa o espaço que leva seu nome. No Água Verde, a “curadora de ossos” Maria Polenta é representada em bronze na pracinha batizada em sua homenagem. Porém, nos últimos meses a ausência dessas e de outras representações chamaram a atenção da população, que chegou a colar cartazes perguntando onde estavam as obras.
Praça Santos Andrade sem bustos e placas, que estão sendo restaurados e podem ser substituídos por réplicas. Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo.
Praça Santos Andrade sem bustos e placas, que estão sendo restaurados e podem ser substituídos por réplicas. Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo.
A retirada temporária de bustos e monumentos de seus respectivos locais se deve à manutenção devido a furtos, vandalismo e deterioração pelo tempo. Mas o que tem gerado debate e receio de estudiosos do espaço urbano é a possibilidade de que monumentos sejam substituídos por réplicas para evitar que os originais continuem sendo danificados.
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De acordo com a Fundação Cultural de Curitiba, que em conjunto com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente está se dedicando à manutenção das obras, a Prefeitura de Curitiba estuda se as peças originais retornarão aos locais com dispositivos de reforço de segurança ou se réplicas serão colocadas após este processo. As réplicas seriam confeccionadas a partir dos moldes originais e, caso essa opção seja escolhida, seria apenas para casos específicos de peças que sofreram furto.
A ação foi anunciada no início do ano, dentro do Programa de Proteção do Patrimônio da Arte Escultural de Curitiba, que visa diagnosticar e retirar monumentos mais vulneráveis a furtos para ações de conservação e restauro. Dos mais de 300 monumentos presentes na cidade, na fase inicial está prevista a manutenção de 40 obras, mas até agora apenas 13 foram retiradas. Sete delas integravam a paisagem da Praça Santos Andrade, mas as outras também ficavam originalmente localizadas em espaços públicos no Centro de Curitiba e proximidades.
Cartazes perguntam onde estão os bustos da Praça Santos Andrade. Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo
Cartazes perguntam onde estão os bustos da Praça Santos Andrade. Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo
Ainda segundo a FCC, além de alterações causadas por pichações e furtos, há o efeito das intempéries sobre as obras – a mais antiga das obras entre as retiradas data de 1922. A Fundação explica que todos os metais, com exceção do ouro, sofrem alterações químicas sob a ação do tempo e do meio ambiente, e o material tende a voltar ao aspecto original. Esse fenômeno de corrosão é causado pelos poluentes e pela umidade natural do ar e altera a forma do metal e é identificado por manchas esverdeadas ou azuladas e deterioração em camadas, penetrando no monumento a ponto de torná-lo menos resistente e até causando fissuras na superfície.
A presença de obras de acesso direto à população faz parte da construção histórica da cidade aos olhos de quem vive nela. É o que explica o professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná Alessandro Filla Rosaneli. “Os monumentos, que no geral homenageiam pessoas que tiveram importância na história local, ampliam a identidade das pessoas com a cidade, criando um afeto com o lugar”, afirma.
O professor também explica como isso tem a ver com os conceitos de topofilia, que é o elo entre um ambiente específico e as pessoas e ao place attachment, ideia ligada à psicologia que trata também desse laço emocional, muito particular de cada indivíduo, mas que, em conjunto, acaba se unindo à memória coletiva, seja ela positiva ou negativa.

Estratégias e soluções

Entre os métodos para recuperação das peças que já estão sendo realizados em locais de guarda temporária não divulgados por questões de segurança, estão a limpeza inicial de incrustrações e excrementos, jateamento de areia para a remoção da oxidação do bronze, reintegração de estruturas faltantes, reforço das áreas fragilizadas e, por fim, estão sendo refeitas as pátinas, que são as marcas de oxidação decorrentes da longa exposição do cobre e do bronze ao ar.
Apesar da substituição por réplicas ser uma possibilidade, o diretor do Patrimônio Cultural da FCC, Marcelo Sutil, justifica as ações do programa como um modo de inibir o vandalismo e garantir a preservação da memória e do patrimônio cultural do Município. “Estão sendo estudados os mecanismos de segurança que ofereçam mais proteção a esses monumentos. Uma das iniciativas será reforçar a fixação dos monumentos na base”, esclarece.
Placas instaladas pela Prefeitura explicam a retirada dos monumentos. Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo
Placas instaladas pela Prefeitura explicam a retirada dos monumentos. Foto: Aniele Nascimento / Gazeta do Povo
Alessandro Rosaneli lembra que o problema de roubos a peças públicas não é exclusivo de Curitiba, e que retirar o acesso do cidadão às obras apenas pelo risco de vandalismo ou de furto não é o modo mais adequado de lidar com esses problemas urbanos. “Há um movimento mundial pela proximidade das pessoas a peças de arte. Tirar isso é colocar na população um carimbo de irresponsabilidade. É essencial que quem tem deficiência visual, por exemplo, possa tocar as peças, por isso o livre acesso é tão importante”, complementa. Além do aumento do monitoramento e consequentemente da segurança dos locais, o professor destaca estratégias que podem ser pensadas pelas instituições públicas para que soluções sejam estruturadas em conjunto.
Ele sugere, além da discussão entre setores da prefeitura, um comitê específico para questões do espaço público urbano, que reúna estudiosos do urbanismo, de geologia, arqueologia e outras especialidades, a população e o setor público para medir o que pode ser realizado. “O importante é que a retirada ou não de obras não seja uma decisão tomada de forma monocrática e isolada”, argumenta. Cidades como Nova York e Londres contam com esse mecanismo.

Quem são (e quem fez)

Os bustos e hermas – escultura de um busto em que o peito, as costas e os ombros são cortados por planos verticais e normais entre si – são honrarias da cidade não apenas pelas personalidades ilustres nelas representadas, mas pelos artistas que cunharam tais obras. Das 13 peças que estão sob os cuidados e reparos da Prefeitura, em sua maioria de bronze com base em granito, três são de autoria de João Turin, considerado o precursor da escultura do Paraná.
A estátua Águia de Haia data de 1937 e faz referência ao diplomata e ex-ministro de Estado Rui Barbosa, que passou a ser chamado de Águia após a atuação na II Conferência da Paz na cidade de Haia, em 1907. Já os bustos da educadora Júlia Wanderley e do padre Ildefonso Xavier Ferreira são ainda mais antigos, respectivamente de 1927 e 1922. O lar das três obras de Turin é a Praça Santos Andrade. O conjunto da obra do artista é bem tombado pelo Patrimônio Cultural do Paraná e é formado pela estátua de Rui Barbosa em posição de oratória, voltada para o prédio da universidade com a águia de asas abertas.
As esculturas do artista norueguês que pintou o Paraná, Alfredo Andersen; de Maria Polenta; de Plínio Tourinho, engenheiro e um dos fundadores da Universidade Federal do Paraná; do ex-senador Abilon Souza Naves e do próprio José Pereira Santos Andrade foram produzidas no período entre 1950 e 1969 pelo artista plástico parnanguara Erbo Stenzel, responsável por inúmeros outros monumentos espalhados pela cidade.
O escultor José Aquino assina monumentos na Praça Santos Andrade ao historiador Alfredo Romário Martins, ao professor e intelectual curitibano Lysímaco Ferreira da Costa e ao advogado e ex-reitor da Universidade João Ribeiro de Macedo Filho. As obras foram compostas entre 1971 e 1983. O bairro São Francisco guarda os bustos do Monsenhor Celso Itiberê da Cunha, esculpido por O. Lopes nos anos 1940 e de Claudino dos Santos, fundador do Colégio Paranaense, inaugurada em 1963 e feita pelo artista Peçanha.
*Especial para a Gazeta do Povo

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