Estilo & Cultura

Advogada da arquitetura paisagística, Rosa Kliass fala sobre onde o verde se situa no planejamento urbano

Luciane Belin*
07/03/2019 21:23
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Foto: Reprodução CAU-RJ

“A gente não fala em paisagismo, e sim em arquitetura da paisagem”. Foi corrigindo uma visão equivocada sobre o desenvolvimento paisagístico nos projetos urbanos que Rosa Grena Kliass começou esta entrevista. Fazer o segmento inteiro repensar a posição da paisagem dentro do universo arquitetônico foi, para ela, muito mais do que a abertura de uma entrevista, mas a missão da vida da arquiteta e urbanista formada em 1955 pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FaUSP).
Foi em seu último ano como universitária que ela descobriu essa forma de abordar a paisagem. Na época, o que se chamava de paisagismo era algo muito similar ao que hoje se entende como jardinagem. Em uma disciplina ministrada pelo norte-americano Roberto Coelho Cardozo, professor visitante da Universidade de Berkeley, Rosa foi apresentada ao que hoje nomeia de Arquitetura da Paisagem – uma abordagem que valoriza um olhar paisagístico na elaboração de qualquer projeto arquitetônico.
Foto: Reprodução CAU-SP
Foto: Reprodução CAU-SP
Lidar com os aspectos paisagísticos virou sua paixão e especialidade,  e a arquiteta colocou a mão na massa e se tornou referência no segmento, chegando a ser conhecida como “a poeta da paisagem” entre os profissionais da área. Não à toa, é dela o olhar que ajudou a elaborar grandes projetos paisagísticos nacionais, como o da revitalização da Avenida Paulista, na capital de São Paulo, em 1973, onde também assinou o Parque do Anhangabaú e o Parque da Juventude Dom Paulo Evaristo, este com projeto premiado pela Bienal de Arquitetura de Quito em 2004.
Entre suas tantas obras, estão ainda o Parque do Forte, em Amapá, e o Mangal das Garças, no Pará, ambos referências de bom uso das áreas verdes. Sob orientação do italiano Jorge Wilheim e junto com Paulo Zimbres na equipe técnica, participou do plano diretor e de zoneamento de 1965 para Curitiba, cidade premiada internacionalmente pelo seu urbanismo e valorização das paisagens naturais.
Uma das primeiras signatárias da criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo no Brasil, Rosa sempre foi envolvida com o desenvolvimento e valorização da profissão, especialmente com o reconhecimento da arquitetura da paisagem enquanto disciplina independente, algo que, segundo ela, já é bem estabelecido no mercado internacional.
Parque do Anhangabaú, em São Paulo. Foto: Reprodução CAU-SP
Parque do Anhangabaú, em São Paulo. Foto: Reprodução CAU-SP
Hoje, aos 86 anos e aposentada, Rosa Kliass vive em Belo Horizonte (MG), de onde acompanha os desdobramentos e evoluções da profissão cuja identidade ajudou a construir. Em entrevista exclusiva a HAUS, ela recordou algumas histórias, falou sobre sua relação com a profissão e sua forma de ver a arquitetura da paisagem. Confira!
Como o paisagismo pode se inserir e, de certa forma, contribuir com o desenho urbano de uma cidade e como isso foi pensado ao contribuir com projetos como o da Avenida Paulista, por exemplo?
Primeiro de tudo, a gente não fala em paisagismo, e sim em arquitetura da paisagem, quando estamos tratando destes projetos. No caso de São Paulo, pensamos em canteiros isolados, elevados, não podia ser de outra forma, porque já era tudo impermeabilizado. Dentro desses canteiros, a condição para poder plantar era ter paredes verdes e jardineiras, que foi o que pensamos para deixar o verde entrar.
Mangal das Garças, outro projeto de Rosa Grena Kliass. Foto: Divulgação RGK - Reprodução CAU-SP
Mangal das Garças, outro projeto de Rosa Grena Kliass. Foto: Divulgação RGK - Reprodução CAU-SP
Quando se começa a pensar o planejamento da cidade, já tem que se definir o que são as áreas verdes e as áreas construídas. Nas áreas verdes, definir quais as suas características e formas, o que vai ser parque, praça, onde entrarão os elementos verdes.
Em uma de suas entrevistas, a senhora fala sobre como um projeto de paisagismo pode ajudar a ressaltar ou preservar traços culturais do lugar. A senhora pode falar um pouco sobre isso?
Não me chama de senhora não, eu acho muito engraçado quando me chamam de senhora. [risos]. Primeiro, precisa realmente estar com a preocupação de preservar os aspectos culturais. às vezes não existe essa intenção. Cada lugar tem uma característica que você vai ter que trabalhar ali e que você pode inserir de alguma forma na paisagem. Um dos meus primeiros trabalhos de planejamento foi quando o Jorge Wilheim fez o plano diretor de Curitiba, em 1963, e me chamou para fazer o planejamento paisagístico, pensar nos parques, praças e parques. Na época, fiquei um tempo em Curitiba e estudei a vegetação da cidade, cada uma das áreas, para que cada parque e praça aproveitasse o que já havia e servisse melhor à população.
Na época que se formou, você e a Miranda Magnoli, falecida em 2017, eram as únicas mulheres do seu curso? Como era para as mulheres dentro do curso de arquitetura na época?
Na verdade, éramos três, mas a Maria Nilza Brasil acabou não exercendo a profissão. Não foi obstáculo nenhum. Me casei com um arquiteto que era meu colega, o Wladimir Kliass, e trabalhamos juntos, até eu realmente criar minha área independente e ele foi para a área de arquitetura hospitalar.
Foto: Reprodução CAU-RJ
Foto: Reprodução CAU-RJ
Como a senhora teve contato com o paisagismo?
No último ano da faculdade, fizemos uma aula de paisagismo, que foi a primeira vez que existia essa cadeira de paisagismo, e para essa cadeira, como nós éramos a primeira turma, não tinha um professor, então se “importou” um professor americano, o Roberto Coelho Cardozo, norte-americano de origem portuguesa. Ele veio para dar as aulas de paisagismo já com um enquadramento do paisagismo que já não era só o da jardinagem. Eu e Miranda ficamos encantadas com a matéria e nasceu em nós a vontade de desenvolver a área. Agora, isso já está estabelecido, todas as faculdades de arquitetura já têm a cadeira de paisagismo dentro de arquitetura, com planejamento paisagístico.

“A arquitetura é praticamente uma proteção contra a paisagem”

Há alguns anos, a senhora disse que precisamos trabalhar para que os arquitetos paisagistas tenham sua especialidade reconhecida no Brasil. A senhora poderia falar um pouco mais sobre isso e por que acha que ainda não existe esse reconhecimento?
Internacionalmente, são três atividades diferentes: a arquitetura, o urbanismo ou planejamento urbano e a arquitetura da paisagem. São três áreas diferentes. O planejamento urbano trabalha em cima de um território total, onde existem várias ocupações, e existem as áreas verdes, parques, as áreas que não são construídas. A segunda é a arquitetura, a construção, obviamente dentro dela tem alguns espaços não construídos. E o terceiro é a arquitetura da paisagem. Se você pega um projeto de uma casa, o arquiteto determina o lugar da casa e o resto inteiro é espaço livre. Esse espaço livre é alvo do paisagismo, da arquitetura da paisagem. O que diferencia essas duas áreas é o alicerce. A construção tem que ser feita em cima de um alicerce, e esse alicerce vai impedir a ação do subsolo para a casa, impermeabiliza. Primeiro, isso a isola totalmente do subsolo, ela é protegida dos ventos, a construção toda é feita para proteger do vento, impedir ou dirigir o vento de uma certa forma. Janelas aqui, portas ali, vou colocar um anteparo na hora da entrada da casa, para impedir que o vento entre. A arquitetura é praticamente uma proteção contra a paisagem.
*Especial para a Gazeta do Povo.

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