Lobo do Batel: as opiniões polêmicas do construtor das “casas para ricaços”

Carlos Coelho
09/04/2018 20:40
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Fotos: Jonathan Campos/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Era o fim de uma palestra do então ministro da Fazenda Henrique Meirelles, em novembro de 2016, quando um empresário, na plateia, pediu a palavra. Tinha uma crítica. Ou melhor, uma metralhadora delas. “Eu não estou preocupado comigo. Eu sou aquele cara que inventa a Fanta. Eu estou preocupado com 500 mil engenheiros que estão fazendo faculdade e não vão ter obras para trabalhar graças a esses bancos. É isso que vim dizer para o Meirelles. Por que você não baixa os juros do cheque especial para 2% ao mês?”, bradou ao microfone, salvaguardado por palmas de parte daqueles que lotavam o Teatro Positivo.
“O rotativo do cartão de crédito é um absurdo. Eu conheço engenheiros que estão desempregados. E não é consumismo. O cara gasta o cartão de crédito para comprar comida. E aí vem o [Roberto] Setubal [ex-presidente do Itaú, atual co-presidente do Conselho de administração do banco] dizendo que a Dilma [Rousseff, ex-presidente que havia sofrido impeachment meses antes] foi uma excelente presidenta. Então digo para o Setubal, que é amigo desse Meirelles aí, que contrate a Dilma para presidente do Itaú. Ele não vai contratar nem para faxineira”, disparou na sequência. O auditório estava perplexo.
Empreendedor há mais de 30 anos, o construtor paranaense Percy Russ Tiemann aproveita cada fio solto de discurso para emendar sua crítica a um Brasil que considera “antiprodutivo”. E, com ele, todo fio solto é um fio desencapado.
ENGENHEIRO PERCY RUSS TIEMANN - CONSTRUTORA PRIME
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A fala de Tiemann tem um tom de doutrinador. Algo entre a militância e a autoconfiança. Aos 60 anos, o engenheiro vê sua Prime Construtora se fortalecer na capital como uma das mais sólidas para imóveis de alto-padrão em Curitiba. O segmento das “casas para ricaços” não é lá tão suscetível a crises econômicas, como os números dos últimos anos têm mostrado. Ainda assim, o engenheiro, que ajudou a moldar a cidade com prédios imponentes e neoclássicos, viu concorrentes quebrarem como ondas na maré das diferentes crises brasileiras. “Pega a Avenida Visconde de Guarapuava, do lado esquerdo. Começa ali no Shopping Curitiba e vai até o final. Quem fez o shopping? Irmãos Maud, faliu! Atravesse a rua, na Desembargador Motta, tem um prédio que se chama Brasil 500 anos. Quem fez? A [Construtora] Moro. Faliu! Do lado tem o Solar da Visconde, faliu. Ali pra frente tem um prédio da Hauer, faliu! Daí tem um prédio da Cidadela, faliu! Outro prédio da Hauer, faliu!”, diz. Não há espaço para modéstia em seu repertório.
Percy recebeu a reportagem da Gazeta do Povo em uma de suas mais recentes obras, o Tiemann Headquarters. O suntuoso prédio comercial, como o nome indica, é uma auto-homenagem. Na frente, dois grandes leões em mármore branco fazem uma ode a duas características suas que faz questão de ressaltar: um leva a inscrição “visionary” (visionário) e o outro “percystente” (um trocadilho com seu nome e a palavra persistência). O pé-direito de 10 metros, a grande réplica do Charging Bull (o célebre touro de Wall Street) e uma escultura, “O Vendedor”, talhada à sua face, não estão ali para, usando a expressão do momento, apequenar. Nem o construtor. “Sou um cara visionário, persistente, raro”, se auto-elogia.
ENGENHEIRO PERCY RUSS TIEMANN - CONSTRUTORA PRIME
ENGENHEIRO PERCY RUSS TIEMANN - CONSTRUTORA PRIME
Economicamente, sua teoria acerca de si mesmo faz sentido. Com cinco empreendimentos de grande porte lançados, Tiemann garante que conseguiu comercializar todas as unidades (dos já construídos). Para isso, convenceu seus clientes a assinarem cheques de R$ 5 milhões, em média, em prédios como o Maison Le Mirage, na Presidente Taunay, e Maison Paris, na Visconde de Guarapuava – ambas no Batel.
Uma “bagatela” para se ter itens que a maioria dos brasileiros só verá pela janela, se a cortina estiver aberta. “Nossos apartamentos têm duas paredes de alvenaria para dar conforto térmico e acústico; colchão de ar entre elas; janelas de PVC com perfil largo; vidros laminados duplos, pé-direito de 3,5m de altura”, diz. São uns cem itens para encantar o comprador, diz. “Nossas garagens tem poucos pilares para o morador não precisar manobrar. As vagas são espaçosas. Tem prédios em Curitiba em que o cara precisa ter carro conversível, porque só consegue sair por cima”, brinca. Os pisos da garagem costumam ser de porcelanato. Dentro dos apartamentos, o mármore impera. Some a isso ainda mimos das como piscinas semiolímpicas grandes e aquecidas.
Tiemann não esconde o apreço pela criticada arquitetura neoclássica, cheia de ornamentos e imponente, uma marca de seus empreendimentos. “Claro, daqui a cem anos ele vai estar lindo [fala apontando para o material de divulgação de seu empreendimento mais recente, o Principado de Mônaco, na Ângelo Sampaio]. Esses modismos [aponta para a imagem de dois prédios de arquitetura contemporânea em um folder] vão estar horríveis em dois anos. Aí o construtor pinta de vermelho, azul, amarelo. Fica horrível. Por que Paris é bonita? Porque tem uma linha clássica. Por que Viena e Praga são bonitas?”, defende.
ENGENHEIRO PERCY RUSS TIEMANN - CONSTRUTORA PRIME
ENGENHEIRO PERCY RUSS TIEMANN - CONSTRUTORA PRIME
Cada unidade do Principado de Mônaco tem em média 300 metros quadrados. O prédio tem fachada que imita o famoso Cassino de Monte Carlo e um hall inspirado no Hotel Ritz da Place Vendôme, de Paris. Tudo desenhado para quem possivelmente já gastou sola de sapato em um desses locais. “As pessoas normais moram em um lugar com quatro paredes. É uma coisa boa. Nós temos 2 bilhões de miseráveis sem casa para morar. Mas existem pessoas que se mataram de estudar, ao contrário do Lula e da Dilma”, alfineta. “Essas pessoas passaram, digamos, 15 anos nas universidades. São raríssimas pessoas que fazem isso. Um exemplo, alguém que depois dos seis anos de faculdade de Medicina, faz cinco de residência e mais quatro de especializações. Aí essa pessoa vira uma especialista. Salva a vida de uma pessoa aqui e outra ali… Cria fama. E consegue juntar um dinheiro. Eu considero esse médico um vencedor. Chego para ele e falo: ‘o senhor é um vencedor e merece um prêmio de outro vencedor. Você vai deixar de morar em um prédio simples, com uma garagenzinha, um elevadorzinho e agora vai se auto-presentear. Vai morar em um apartamento com um acabamento de qualidade’”, conta sobre seu approach.
Os “vencedores” ajudaram a pavimentar sua bem sucedida carreira de no segmento. Hoje ele constrói, atende o plantão de vendas e é síndico de seus empreendimentos. “O alto padrão não precisa de financiamento. Ele paga direto”, diz. Mas, ao contrário dele, outros quebraram. “Faço um empreendimento de cada vez. O público [de alta-renda] é pequeno. A Moro, Irmãos Mauad e etc faziam dezenas ao mesmo tempo. Enquanto isso, eu cuidava de apenas um. Eu fazia o plantão, eu mostrava, eu ia atrás do empresário até convencê-lo de que se morasse aqui seria mais feliz do que se morava onde estava”, aponta sobre seu sucesso.
Projeção de como será a fachada do condomínio. Imagem: Prime Construtora e Incorporadora/Divulgação
Projeção de como será a fachada do condomínio. Imagem: Prime Construtora e Incorporadora/Divulgação
Mas não é apenas o número de lançamentos por vez. Percy Tiemann tem em um combinado de justificativas a razão para seu ativismo político. Segundo ele, o “manicômio tributário”, juros altos cobrados pelos bancos, alto índice de violência e “ações mentirosas movidas por sindicatos” tornam difícil o seu ofício no país. É inescapável recair nestes assuntos em poucos minutos de conversa, talvez por a entrevista ter sido feita em um dia especialmente de nervos a flor da pele (a última quarta-feira, de julgamento do habeas corpus de Lula pelo Supremo Tribunal Federal). Percy faz questão mostrar a sua insatisfação com a burocracia, com os sindicatos, com a atuação dos bancos, com todos os governos recentes (em todas as esferas possíveis e imagináveis), com a América Latina, com a imprensa e quem mais ele tachar de “comunista” – aliás, uma palavra que, antes desta entrevista, talvez só tenha sido mais usada na Guerra Fria.
Tiemann não tem medo de ser controverso e tampouco politicamente incorreto. Admira Donald Trump, presidente norte-americano, é a favor do armamento da população, redução da maioridade penal, endossa discursos da extrema direita e pagou o caminhão de som para que Jair Bolsonaro, pré-candidato à presidência, discursasse no Aeroporto Afonso Pena em sua chegada em Curitiba, no fim de março. Seu nome está ligado a movimentos como o MBL, embora prefira se definir como “apoiador de movimentos de direita”. “Uma indústria como a Dudalina, em Brusque, tem 50 contadores a mais do que uma mesma indústria nos Estados Unidos. O Brasil tem os juros mais caros do mundo, muita violência. Isso aqui não tem como dar certo. Aí vem um monte de repórter dizer que o Bolsonaro é radical?”, critica.
Era hora de encerrar a conversa. Não pela crítica. Mas é que o julgamento do habeas corpus estava prestes a começar. E ia longe. “NÃO EXISTE VITÓRIA SEM LUTAAAAA!”, mandou por Whatsapp, em caixa alta, na madrugada seguinte, após o julgamento que abria caminho para a prisão de Lula.

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