Estilo Boho

Manifesto Haus

Mistura de elementos novos e antigos traz personalidade e aconchego à decoração

Karina Pizzini, especial para HAUS
27/04/2020 17:37
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Assim como a moda, a arquitetura e o design também se transformaram com a sociedade. As revistas são um reflexo disso. Há cerca de dez anos as publicações de arquitetura e design traziam capas esteticamente alinhadas, com poucas cores e elementos. Nos últimos anos isso mudou.
Entre outras influências, o design e a decoração se apropriaram de características do movimento boho e peças antigas passaram a ganhar destaque não só na moda. A mistura de elementos modernos e antigos, ganhou espaço na decoração, em um mix de elementos de diferentes épocas e histórias, trazendo personalidade ao ambiente.
Ambiente assinado por Henrique Steyer combina elementos novos e antigos para uma decoração com personalidade e sem cara de showroom.
Ambiente assinado por Henrique Steyer combina elementos novos e antigos para uma decoração com personalidade e sem cara de showroom.

Boho style

O nome do movimento vem da expressão “bohemian of Soho”, que remete à boemia do distrito londrino Soho. Essa boemia é retratada na arte e vai ganhando influências de outros movimentos anteriores, lá do século 19. No início do século 21, o boho entra na moda e no design com uma mistura de referências que remetem à boemia europeia com forte influência hippie, cigana e oriental, com a predominância de uma mistura de cores, texturas e estampas, onde não há regras padronizadas de combinação e a mistura de elementos e cores é que torna o look ou a decoração excêntrica.
O boho surge em um momento em que o design escandinavo é referência, com elementos minimalistas e com paletas de cores mais neutras, como cinza, marrom ou rose. Embora, os escandinavos prefiram ambientes com menos móveis, eles são conhecidos pelo requinte do design de suas mobílias.
“É uma característica escandinava e dinamarquesa de design de interiores usar poucos móveis com design de qualidade. Ele não precisa ter muitas coisas, mas precisa ter coisas boas”, diz a arquiteta e professora, Vinie Pedra Jorge.
Vinie conta que a moda escandinava não pegou muito por aqui. Então, o boho style chega no início do século com sua influência oriental muito forte, mais próximo à linguagem tropical brasileira. “Vê-se aí uma influência da região do Marrocos e da Índia, em que se vê na decoração de design peças mais coloridas, com mais textura, que trazem uma ‘relação solar’ para dentro da nossa casa”, explica a professora. “Por isso que o boho style caiu tão bem aqui, porque as pessoas usam o que elas têm, para misturar com o que vem de fora”, complementa.
Decoração que não tem medo de ousar e misturar referências com história e bastante significado.
Decoração que não tem medo de ousar e misturar referências com história e bastante significado.

Design em movimento

A arquiteta explica que esse movimento estético é consequência de uma mudança social. “Porque o design e a arquitetura são uma materialização do que está acontecendo na sociedade. [...] Tudo que vem do design vem de um comportamento e percebeu-se que esse comportamento humano está mudando. As pessoas estão mudando, valorizando mais a família, ficar em casa, o que elas têm de história. Hoje tem um aspecto de reutilização [de objetos e materiais], não só pela economia, mas pela história que carregam”, enfatiza. “A materialização dessa humanização é o boho style”, diz.
Esse movimento ganhou mais força no Brasil nos últimos cinco-dez anos e assim como a moda, o design evolui em reflexo às transformações do mundo. Em meio a uma crise global com medidas de isolamento social, as pessoas vão começar a prestar mais atenção no que têm em casa, segundo a professora.
“Até então [antes do
movimento boho style] você via as capas de revistas com a sala muito bem
organizada, limpíssima com aquele aspecto todo branco, cinza de madeira, metal,
quase um showroom, intocável. Aquela coisa que parece que não tem gente ali.
Nos últimos anos, isso mudou para um aspecto, o que é mais importante para quem
vai fazer uma capa de revista é mostrar que ali tem vida”, comenta. Segundo a
arquiteta, o boho style trouxe uma ressignificação para o que se entendia como
velho e descartável.

Personalidade e aconchego

Muitos arquitetos têm usado dessas influências que tornam os espaços mais aconchegantes e, sobretudo, com personalidade. A mistura de elementos e referências é a assinatura do arquiteto gaúcho Henrique Steyer. Para ele, para uma casa ter cara de lar ela precisa ter personalidade, construída a partir de histórias de quem vive no lugar. Misturar móveis e objetos antigos com uma decoração contemporânea torna o ambiente mais interessante para quem visita e para quem revive suas histórias no dia a dia, seja de um objeto artesanal comprado em uma viagem ou um cinzeiro que pertencia a avó. Henrique diz que misturar esses elementos com móveis novos e modernos traz charme ao ambiente e quebra o “efeito showroom, sem identidade”.
Elementos cheios de histórias e ressignificados, como a mala Louis Vuitton no projeto.
Elementos cheios de histórias e ressignificados, como a mala Louis Vuitton no projeto.
Porém, é importante ter bom senso e saber equilibrar os objetos modernos com os antigos, de valor histórico e monetário, ou velhos, sem valor monetário, porém com outros valores agregados como o material utilizado, a forma que foi feito ou a quem pertenceu, o que ele chama de “velharia”.
“O ideal é o meio termo, e aí se a pessoa for fazer sem um profissional, eu acho que é importante pesar isso, que importância tem isso [esse objeto] para mim? Se eu receber uma visita, o que eu tenho para contar sobre essa peça? Quando eu olho, que sensação que me dá?”, instiga.
A fotógrafa Thaís Penteado conta que as câmeras que ganhou da tia dividem espaço com livros e equipamentos modernos que ela e o marido usam no dia a dia, na fotografia e na produção de audiovisual. Elas não só trazem a memória da infância, retratada em fotografias feitas com aquelas máquinas, como reforça a decisão da carreira que escolheu para si.
Objetos de família de Thaís.
Objetos de família de Thaís.
“Hoje, muito mais do que antes, elas têm um significado especial. Todas as fotos de criança com os meus bisavós, no tempo que eu morava no Rio [de Janeiro], foram tiradas com essas câmeras”, conta. O cantinho delas também é dividido com um abridor de garrafa que era do avô, que encontrou no fundo do armário da casa dos pais, e que virou peça de decoração. “Lembro que ele ficava bem visível na sala dos meus avôs, quando ainda moravam no Rio e eu era bem pequena”, recorda.

Porobjetos que tragam alegria

Vinie lembra da escritora e especialista em organização pessoal, Marie Kondo, que ensina uma metodologia de organização mais intuitiva e sugere que os objetos escolhidos para o ambiente – roupas, papeis e utensílios – tenham o propósito de “trazer alegria”. No design não seria diferente, para a professora. “O que aquela peça significa pra você, que memória ela te traz? Se ela te traz uma memória positiva, fica com ela. Ela pode ser feia, pode ser velha, mas toda vez que você olha para ela, você tem um quentinho no coração, então deixa a peça lá”, defende.
Para essas peças em particular, Steyer sugere dar uma repaginada no objeto para torna-lo mais atraente e interessante no conjunto do espaço. Com um cliente, ele conta que é importante construir isso em quatro mãos, de forma que o profissional possa auxilia-lo a valorizar aquele item que pode ser desinteressante esteticamente, mas que para o cliente é muito importante. “Podemos usar alguns truques para que aquela coisa um pouco batida, um pouco sem graça, que pode ser quase piegas, fique mais cool”, como uma nova moldura e detalhes que podem fazer os objetos ganharem um “status de arte”.
Steyer diz que o mais importante são as histórias que os objetos carregam para quem vive naquele lugar. “Não precisa ser antigo, da herança de família, não tem problema, tem velharias e antiguidades por aí”, sugere. Mesmo que não haja uma herança familiar para decorar a casa, antiquários e feiras de pulgas estão espalhadas por todo canto. “É importante ter o olho do cliente também. Não adianta eu decorar com um monte de coisas que eu me identifico e não ter nada a ver com o cliente que vai morar ali”, comenta.

Decoraçãoe experiência em hospedagem

Com cerca de 80% dos móveis comprados de antiquários, o We Hostel, de São Paulo, criou um ambiente que se assemelha a um museu interativo. O projeto de interiores é assinado pelo arquiteto Felipe Hess, que em 2012 recebeu o desafio de transformar o casarão de 1926, reformada com poucas intervenções e recém pintada – totalmente de branco –, em um espaço de conforto, não só visual.
Fachada toda branco e preto do hostel.
Fachada toda branco e preto do hostel.
Um dos sócios-idealizadores do projeto, Guilherme Perez, conta que a base branca ganhou um toque com a estrutura pintada de preto e formou, assim, uma mistura interessante entre o ambiente antigo e o moderno. O branco e preto e a decoração minimalista, dão mais contraste aos objetos antigos em tons pasteis, selecionados a dedo de lugares tradicionais da cidade, como a praça Benedito Calixto e o bairro Bixiga.
Um dos quartos do hostel.
Um dos quartos do hostel.
O hostel possui sinalização em todos os ambientes. Na entrada de cada ambiente o visitante pode aproximar o telefone para fazer a leitura do QR Code sinalizado e receber informações sobre um artista ou uma referência artística de São Paulo. “A modernidade está muito mais na atmosfera do hostel, com as playlists atuais conectadas com o momento, feito por pessoas de São Paulo. Enfim, essa atmosfera paulistana, moderna e urbana, com esses detalhes antigos”, diz.
Decoração do hostel compreende peças novas e antiguidades.
Decoração do hostel compreende peças novas e antiguidades.

Bomsenso

Steyer explica que esse tipo de decoração não é exclusividade de quem pode comprar um conjunto da Companhia das Índias ou um tapete persa antigo de grande valor de mercado, mas que o poder aquisitivo dá opções para um ambiente mais sofisticado. “Como acontece com tudo, desde a culinária, os ingredientes que a gente pode usar pode fazer um prato maravilhoso ou um prato simples com a mesma riqueza de sabores. Talvez os ingredientes não vão ser tão exóticos e tão exclusivos, mas se pode fazer uma comida simples e gostosa ou uma comida sofisticada e gostosa. Na decoração acho que é igual”, comenta.
Ele exemplifica com
elementos que têm em sua casa, uma mesa lateral do sofá que é uma tina de vinho
antiga de um vinhedo, toda manchada e com a madeira descascada, e uma mala Louis
Vuitton que é um baú antigo, com o couro bem machucado e virou uma mesa lateral
do lado do outro sofá.
Não há uma regra e um
limite para essa mistura, mas é importante manter a harmonia. “Acho que tem que
ter o bom senso, como qualquer coisa na vida. Não usar peças demais, pois
quando você usa peças demais você não valoriza nenhuma. Você acaba usando um
monte de coisas e não da enfoque para nada necessariamente”, recomenda a
professora Vinie.
Entretanto, ela reforça
que a linha de aprovação está na resposta das perguntas: Eu estou me sentindo
bem nesse espaço? O que ele me proporciona?
“Então quanto mais esses
objetos tiverem um valor para nós mais aconchego e segurança a gente vai sentir
quando estiver em casa, mais acolhimento. Acho que isso é o que mais importa”,
finaliza Steyer.

Decoração afetiva

A jornalista Alice Lima e seus mimos cheios de boas recordações.
A jornalista Alice Lima e seus mimos cheios de boas recordações.
Para a jornalista Alice
Lima, a sua “decoração afetiva”, como ela mesma chama, é um alento no meio de
tanta coisa, sobretudo nesse momento de isolamento social. Alice fala que
sempre gostou de ter objetos que a lembra pessoas queridas e desde pequena se
interessa por coisas antigas, possivelmente pela influência do pai. Ela acha
que talvez exagere um pouco na quantidade de objetos que decora o apartamento
que divide com o namorado, mas ela tem uma história para contar e justificar
cada um deles. “Porque para mim não é a decoração pela decoração, cada coisa
realmente tem uma história”, diz.
Desde que saiu de Mossoró
e se mudou para Natal, ela acumula presentes e memórias que levou também para
Curitiba, onde mora atualmente. Entre os objetos que passou a ganhar da família
do namorado, de amigos e da própria família, Alice tem um carinho especial por
aqueles que lembram seu pai. “São coisas bem significativas para mim. Desde que
ele partiu há dois anos, eu trouxe os rádios dele, um deles é um radinho de
pilha que ele ouvia futebol aos domingo. Tenho também o gravadorzinho que ele
usava quando era repórter esportivo”, conta.
“Afetividade é o nome
da minha casa”, brinca. Alice acha que algumas pessoas podem não gostar da
decoração de sua casa “porque é tudo muito misturado”. “Talvez tenha coisa
demais mesmo, mas é muito significativo para mim, parece que só é minha casa
mesmo se eles estiverem ali”, diz.

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