Apropriar-se de maneira positiva das estruturas do bairro em que se vive é construir uma cidade inclusiva. Esse é o propósito da horta comunitária na Rua Raquel Prado, nas Mercês, chamada carinhosamente pela comunidade de “Escadaria Comestível das Mercês”. Em funcionamento há apenas três meses, a nova horta comunitária da cidade tem manjericão, sálvia, feijão crioulo, brócolis, salsinha e outras variedades.
A iniciativa do projeto foi do antropólogo Ricardo de Campos Leinig, junto com outros quatro amigos: na adolescência, ele costumava se reunir com os amigos no mesmo local, para conversar e tocar violão. “É uma incerteza se a comunidade vai se apropriar ou não. Mas puxamos um mutirão e vieram 50 pessoas para ajudar”, conta.
Uma homenagem ao médico paranaense Abib Calixto, a estrutura onde se encontra a horta consiste em um jardim em degraus. Porém, nos últimos anos, as floreiras, que deveriam ser destinadas ao plantio, foram concretadas pela administração pública. No primeiro mutirão da Escadaria Comestível, o foco foi retirar esse concreto para poder iniciar o plantio da horta.
Ocupação e intervenção
Além de fornecer alimentos orgânicos livres de agrotóxicos , esses projetos, crescentes no Brasil e em todo o mundo também ocupam espaços vazios da cidade.
De acordo com o engenheiro civil e urbanista Roberto Ghidini, as hortas comunitárias datam o período pós Guerra Mundial, em que a população dos países envolvidos plantava nos quintais de casa os alimentos a serem consumidos, e compartilhava com os vizinhos. “Naquela época, já havia um princípio de solidariedade, de recuperar a perda”, diz.
Entretanto, o fundo do quintal destinado às plantas foi sendo apropriado gradativamente por grandes empreendimentos imobiliários. “O espaço urbano vai se transformando e os espaços pessoais vão sendo substituídos”, afirma Ghidini, que salienta, ainda, que as hortas comunitárias podem combater a chamada ocupação negativa. “Mudar o patrimônio ou colocar câmeras não adianta. É preciso resgatar a memória de cada bairro, promover uma ocupação positiva que minimize a negativa”, afirma Leinig.
Cuidado compartilhado
De acordo com Ricardo, os próximos passos para a horta da Escadaria Comestível das Mercês são a captação de água da chuva para regar as plantas e a compostagem.“Queremos chegar ao ponto de regar com a água da chuva, mas enquanto isso, há um morador que rega com a água do condomínio em que vive. Depois dividimos o valor da conta entre nós”, conta ele sobre a manutenção.
Apesar do temor de alguns moradores de que o trabalho do plantio pudesse ser vandalizado, o local tem sido respeitado e ocupado. “Nossa relação é de amor à horta. A pessoa que tem essa relação com o submundo, que usa a estrutura para se esconder, ali se sente incluída em algo radicalmente publicizado. Mesmo que não seja colaboradora da horta, ela respeita”, salienta o idealizador.
Impasses
A Escadaria Comestível surgiu após os impasses entre Prefeitura e moradores que mantêm uma horta comunitária no bairro Cristo Rei terem sido solucionados. Em junho deste ano, a horta do Cristo Rei, criada na calçada da Rua Roberto Cichon, recebeu uma notificação da Secretaria Municipal de Urbanismo exigindo a retirada das plantas em até dez dias. A notificação tratava a horta comunitária como uma situação de falta de limpeza adequada na calçada.
Para preservar a horta comunitária, os moradores da região protocolaram uma Defesa de Notificação na Secretaria Municipal de Urbanismo, e fizeram um abaixo-assinado, que reuniu mais de 2 mil assinaturas a favor da horta. Um mês depois, a notificação foi suspensa.
LEIA TAMBÉM