Urbanismo

Como tornar cidades mais amigáveis às mulheres? Projeto apresenta soluções que unem segurança e mobilidade

Aléxia Saraiva
01/06/2018 13:00
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Foto: Patrícia França

Medo. Um sentimento constante em experiências de qualquer mulher, em qualquer cidade. Seja com violências explícitas — como as inúmeras formas de assédio sexual — ou simbólicas — mulheres objetificadas em manequins e revistas, ofensas machistas pichadas em paredes — sinais que fazem com que elas não se sintam bem-vindas em espaços públicos estão por toda parte.
E, embora essa já seja uma pauta em alta no planejamento urbano, a segurança das mulheres não costuma levar em consideração a caminhabilidade, o que frequentemente leva a soluções urbanas que excluem uma à outra. Como, então, pensar em uma cidade que valorize o espaço público mas ao mesmo tempo não facilite a violência contra a mulher?
Foto: divulgação/Mulheres Caminhando
Foto: divulgação/Mulheres Caminhando
Essa foi a grande pergunta explorada — e respondida — pelo projeto Mulheres Caminhantes!, realizada por três organizações de São Paulo: a Rede MÁS, o SampaPé! e o Fórum Regional das Mulheres da Zona Norte, com apoio da WRI Brasil. O projeto realizou uma  auditoria na qual mulheres da Zona Norte de São Paulo ajudaram a criar soluções concretas para seus problemas urbanos diários na região. O resultado foi a elaboração de uma metodologia pioneira na área, que traz soluções globais e locais, e que pode ser aplicada a qualquer cidade.

Três fases

Para chegar às conclusões, o projeto foi dividido em três etapas. Na primeira, teórica, a metodologia foi criada a partir de outras já existentes nas áreas de segurança de gênero e caminhabilidade. A segunda foi o trabalho de campo, aplicando a metodologia no entorno do Terminal Santana, um dos principais pontos de transporte público de São Paulo. Por último, foram realizadas a análise e difusão de resultados — tudo isso em parceria com mais de 20 mulheres com idades entre 16 e 74 anos, de diferentes etnias e orientações sexuais.
Resultados da auditoria foram apresentados no dia 5 de maio, pelas próprias participantes, a diversos setores da sociedade, convidados a participarem das soluções para a região. Foto: Patrícia França
Resultados da auditoria foram apresentados no dia 5 de maio, pelas próprias participantes, a diversos setores da sociedade, convidados a participarem das soluções para a região. Foto: Patrícia França
Alice Junqueira, da Rede MÁS, explica que o objetivo era chegar a resultados concretos para a região através da diversidade de experiências pessoais. “A principal lição que a gente quer passar para as cidades é o processo participativo, para que políticas públicas sejam mais eficazes em diferentes territórios. É uma observação do espaço público feita junto às mulheres nos lugares em que elas vivem, e é isso que faz a diferença”, relata a especialista.
Para ela, políticas públicas que não têm diálogo não resolvem o problema. “As soluções podem ser boas, mas têm um limite de alcance, pois não pensam em como esses problemas estão conectados“.
A diretora presidente da organização sem fins lucrativos SampaPé!, Letícia Sabino, reforça a necessidade de humanizar o planejamento urbano. “O nosso incômodo com outras metodologias era que existem muitas auditorias sobre segurança da mulher que funcionam como checklists, sem subjetividade nem espaço para as mulheres apontarem outros elementos“, destaca.
Foto: divulgação/Mulheres Caminhando
Foto: divulgação/Mulheres Caminhando

Exemplos

Entre os problemas apresentados pelo estudo está a sensação de insegurança gerada por mobiliários urbanos, como totens de propaganda em pontos de ônibus, que funcionam como esconderijos para agressores. Muros, arbustos e árvores muitas vezes proporcionam o mesmo medo.
Além disso, como explica Sabino, conceitos clássicos do urbanismo também podem ser relativos. “Segundo a urbanista Jane Jacobs, o comércio leva pessoas na rua e gera segurança. Em casos como o nosso, pode gerar insegurança”, relata. “Em uma das observações noturnas, um dos únicos comércios abertos era a banca de jornal. A percepção do urbanismo é que proporciona movimento e iluminação, mas as mulheres apontaram que era agressivo com elas”. Isso é consequência da violência simbólica, presente no conteúdo ofensivo das revistas e jornais das bancas.
Outro engano comum é relativo a câmeras de vigilância: “Encher de câmera não adianta. A mobilidade é inibida se tem muitas câmeras, as áreas tendem a ser menos ocupadas pelas pessoas, e acaba propiciando mais violência“, explica Junqueiro.
Três encontros foram realizados com as mulheres que moram na região, e aconteceram nos dias 16, 18 e 25 de novembro de 2017. Foto: Patrícia França
Três encontros foram realizados com as mulheres que moram na região, e aconteceram nos dias 16, 18 e 25 de novembro de 2017. Foto: Patrícia França

Próximos passos

Os resultados do projeto foram apresentados pelas próprias participantes da auditoria em uma reunião aberta no dia 5 de maio. Estiveram presentes integrantes de diversos setores da sociedade, como representantes da Prefeitura Regional da Vila Maria e Vila Guilherme e dos vereadores Toninho Vespoli (PSOL) e Sâmia Bomfim (PSOL). “A gente saiu com uma lista de compromissos voluntários, e a ideia é que se dê continuidade a eles, desde reuniões com a Prefeitura Regional até a possibilidade de uma audiência pública”, comemora Junqueira.
No dia 16 de maio, elas foram selecionadas pelo edital Fundo CASA Cidades, que vai financiar uma das soluções previstas no projeto. Junqueira estima que esse é um primeiro passo para que os resultados saiam do papel e sejam efetivos. “As cidades são bem difíceis pra gente, mulheres. Porque não é só se deslocar: é viver, estar, permanecer e participar da cidade“.

Confira as soluções do projeto

Uma cidade para mulheres que promove sua segurança, mobilidade sustentável e direito à cidade é uma cidade:
  • em que nenhum mobiliário é um possível esconderijo
  • onde há atividades noturnas nas ruas
  • onde os bairros estão sinalizados para se deslocar a pé e de transporte público que garante espaço nas ruas para diversos ritmos e usos
  • onde é possível atravessar a rua com segurança
  • onde as demarcações de espaços garantem visibilidade para dentro dos terrenos
  • onde há oportunidade para escuta e participação constante da população na zeladoria
  • onde comércios e serviços são pontos de apoio e acolhimento em caso de sentimento de
    insegurança
  • com pontos de acesso em todos os trechos do caminho
O que não é uma cidade para mulheres:
  • uma cidade cheia de câmeras de segurança
  • uma cidade com arbustos no lugar de árvores
  • uma cidade com conteúdo ofensivo nas bancas de jornais, nas paredes e cartazes na rua
  • uma cidade onde as decisões são tomadas de forma centralizada e sem incluir as diversas perspectivas
  • uma cidade com muros demarcando os espaços
  • uma cidade onde todas as manequins nas vitrines são representadas apenas de uma maneira
  • uma cidade com espaços públicos gradeados
  • uma cidade sem comércio de rua
  • uma cidade onde as pessoas são excluídas e marginalizadas
Leia o relatório completo aqui.
Assista ao vídeo-resumo do projeto:

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