Urbanismo

Falhas em programa de habitação social mantém população distante dos centros urbanos

HAUS*
22/01/2019 17:03
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Foto: Antônio More/Arquivo/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Dez anos depois de lançado, o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), do governo federal, registra recordes históricos de construção de habitações populares, mas repete erros de concepção que aumentam custos e problemas urbanos ao levar as unidades habitacionais para locais distantes dos centros urbanos e carentes de serviços públicos. Essa é a principal conclusão do estudo “Morar Longe: o Programa Minha Casa Minha Vida e a expansão das Regiões Metropolitanas”, do Instituto Escolhas, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e divulgado nesta terça-feira (22).
O foco do estudo foram os empreendimentos voltados para a faixa 1 do programa, destinados às famílias com renda mensal de até R$ 1,6 mil, a população mais pobre atendida pelo programa habitacional. Nessa faixa, o subsídio chega a 95% do valor da moradia.
A partir de uma análise estatística por imagens de satélite, o estudo constatou que municípios com empreendimentos dentro desta faixa desenvolveram novos núcleos de moradias muito distantes dos centros urbanos, o que demanda investimentos diretos do poder público para a implantação de uma infraestrutura básica nesses locais.
O levantamento indica também que, ao concentrar a população de baixa renda nestes locais, o MCMV repetiu o padrão dos programas de habitação popular anteriores, em vez de inovar e induzir a construção de unidades habitacionais nos espaços não utilizados das áreas mais centrais e já urbanizadas das grandes cidades brasileiras.
“A escassez de terrenos baratos em bairros com melhor provisão de serviços públicos e de infraestrutura leva o programa a buscar localidades periféricas para implantar as unidades, o que acaba por estimular a expansão nas bordas das cidades”, diz Sergio Leitão, um dos coordenadores do estudo.
Foto; Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Foto; Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Um dos principais problemas causados por essa expansão, ainda segundo o estudo, é o impacto na mobilidade urbana, pois incentiva que a população tenha um elevado tempo de deslocamento dentro da cidade, gerando congestionamento de tráfego e poluição do ar. A má qualidade da oferta dos serviços de saúde, educação e segurança é outro ponto levantado pelos pesquisadores. “Além disso, a distância entre a moradia e os empregos induz a desigualdade de oportunidades e o crescimento na periferia urbana incentiva a deterioração das áreas centrais”, afirma Leitão.

A pesquisa

Para entender o impacto do MCMV nas grandes cidades brasileiras, o estudo identificou a localização dos conjuntos em relação às áreas já ocupadas das regiões metropolitanas. Os empreendimentos foram classificados em três categorias, conforme termos técnicos em inglês: aqueles que ficam dentro de uma área urbana com todos os serviços públicos existentes (“infill”); os localizados nas margens das cidades, pouco ocupadas mas já urbanizadas (“extension”); e construções feitas fora do tecido urbano, em áreas não ocupadas, sem infraestrutura (“leapfrog”, salto de sapo).
Foram analisadas as regiões metropolitanas de Belém, Belo Horizonte, Campinas, Cuiabá, Curitiba, Distrito Federal, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Palmas, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Santos, São Luís, São Paulo, Teresina e Vitória.
Os resultados sugerem que o MCMV tem contribuído para provocar saltos urbanos (leapfrog), a ocupação de espaços além da margem da mancha urbana, ou seja, locais geralmente carentes de serviços e de infraestrutura, como afirmam os autores. “Na melhor das hipóteses, o programa manteve as famílias de classe baixa na mesma localização relativa que tinham anteriormente”, aponta o estudo.
Apesar disso, os autores dizem que a “mensagem final não é de pessimismo”. É possível produzir um programa melhor desde que sua realização não economize no custo dos terrenos nem aposte na grande quantidade de unidades em cada empreendimento (o que cria guetos e potencializa os problemas sociais). Assim, para se aprimorar a política habitacional no país, seria preciso articular iniciativas conjuntas nos setores de uso e ocupação do solo – que está à cargo das prefeituras – e de crédito imobiliário – sob tutela do governo federal – para que se pudesse garantir a ampliação da oferta de empreendimentos nos centros urbanos e de juros acessíveis para que a população de baixa renda possa comprar sua própria moradia.

Uma década

Criado em 2009, o Minha Casa, Minha Vida está completando uma década de existência, consolidado como o maior programa habitacional do país na atualidade e com tamanho similar ao de outros projetos do passado.
O MCMV tem empreendimentos em 92% dos municípios brasileiros. Segundo a Caixa Econômica Federal, já foram investidos cerca de R$ 319 bilhões na construção de 4,4 milhões de unidades habitacionais. Esse é o mesmo número de unidades construídas entre 1964 e 1986 (22 anos) pelo Programa Nacional de Habitação (BNH). Para a faixa 1 do MCMV, foram investidos R$ 84 bilhões e construídas cerca de 1,8 milhões de unidades.
*Com Folhapress e Estadão Conteúdo 

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