Urbanismo

As transformações urbanas que marcaram Curitiba em um século

HAUS*
01/02/2019 16:00
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Foto: Henry Milleo/Arquivo/Gazeta do Povo | GAZETA

Espontaneidade. Essa talvez seja a palavra que melhor define o nascimento e o crescimento de uma cidade desde os mais remotos tempos. Afinal, como um organismo vivo, os centros urbanos se expandem e se modificam de acordo com as necessidades e desejos de seus habitantes em uma espécie de caos organizado e orgânico, salvo raras exceções.
E Curitiba é uma delas. De uma vila com agrupamentos esparsos e sem ligação direta no início do século passado, a capital do Paraná passou da trivialidade ao brilhantismo no planejamento urbano em um curto espaço de tempo, o que a transformou em vitrine para o mundo e faz de termos como inovação e planejamento os mais adequados para descrevê-la.
Ainda hoje reconhecida pelas soluções que exportou, no entanto, a cidade parece ter ‘parado no tempo’, ou ao menos ‘perdido a mão’ em relação ao modo de fazer que a levou ao estrelato, como apontam mentes brilhantes de ontem e de hoje que pensam seu passado, presente e futuro.

Uma vila que ganhou o mundo

Não é preciso voltar muito no calendário para entender a rapidez com que a transformação urbana chegou e os impactos que trouxe para a cidade. “Pegando um mapa da década de 1950, percebemos que o tecido do que é hoje a zona central de Curitiba já era bem delineado. Mas sua feição, sua paisagem era a de uma cidade de interior”, aponta o arquiteto e urbanista Emerson Vidigal, do Estúdio 41 Arquitetura.
É este aspecto provinciano, segundo ele, que é deixado para trás a partir da implantação do primeiro plano diretor da cidade, elaborado em meados da década de 1960, que, orientado pelo sistema viário e de infraestrutura, mudou radicalmente a cara da cidade a partir do início dos anos 1970, quando foi implementado pelo então prefeito Jaime Lerner. Tal mudança fez com que Curitiba ganhasse personalidade e se diferenciasse de qualquer outra cidade, uma vez que passou a ser projetada a partir de uma visão de futuro.
Imagem: Abrão Assad/Alan Cannell/Arquivo Pessoal
Imagem: Abrão Assad/Alan Cannell/Arquivo Pessoal
Imagem: Abrão Assad/Alan Cannell/Arquivo PessoalIsto é percebido, por exemplo, no superdimensionamento das canaletas exclusivas para a circulação dos ônibus expressos, cuja estrutura estava além da necessária ao fluxo de passageiros quando de sua implantação. “Elas eram quase como uma previsão, para que fosse possível se ter controle sobre o crescimento da cidade”, acrescenta João Gabriel Rosa, do Estúdio 41.
Outros fatores, como a abertura do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) na década de 1960, convergiram para a criação deste ambiente de inovação ao fomentar a discussão em uma cidade ainda pouco adensada e urbanizada, o que dava margem para se planejar o futuro.
“A gente sabia que o primeiro que fosse prefeito iria revolucionar. Foi o caso do Jaime”, relata Roberto Luiz Gandolfi, um dos arquitetos envolvidos na fundação do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) e na construção da nova fase da cidade. Com nostalgia, ele conta que a época era marcada por uma atmosfera colaborativa de uma trupe de arquitetos e urbanistas que, juntos, criavam inúmeros projetos para a cidade. E, por isso, levaria os louros aquele que começasse a tirar tais ideias do papel.

Estagnação

Passada a euforia que perdurou sobre a cidade entre os anos 1960 e 1990 – período no qual os curitibanos presenciaram a evolução do sistema de transporte por canaletas exclusivas (o BRT) e a criação dos parques públicos, como o Jardim Botânico e a Ópera de Arame, que voltaram novamente os holofotes para a capital -, Curitiba entrou em uma espécie de ‘hibernação’, na qual a inovação ficou relegada e o foco voltou-se quase que à revisão dessas antigas soluções, ou de desdobramentos delas, como é o caso do lendário metrô.
Indispensável para uns e obsoleta para outros, a implantação do modal nunca saiu do papel e hoje é vista como um investimento muito significativo (e dependente do governo federal) para um “benefício que talvez não seja tão grande assim”, como destaca o arquiteto Fabio Henrique Faria, também do Estúdio 41. “O metrô virou um grande bicho-papão nas cidades. Quem pode esperar um sistema que demora vinte anos para ser construído?”, questiona Felipe Guerra, do escritório Jaime Lerner Arquitetos Associados.
Projeto Diversidade, do Estúdio 41, propõe uma Curitiba mais amigável ao pedestre. Imagem: Divulgação
Projeto Diversidade, do Estúdio 41, propõe uma Curitiba mais amigável ao pedestre. Imagem: Divulgação
Opinião semelhante tem o engenheiro e urbanista Alan Cannell, ex-integrante do Ippuc. “Nos últimos anos, houve uma paralisia e uma incapacidade de se preparar o que a cidade sempre precisa, que é uma biblioteca de projetos viáveis e que possam ser financiados”, avalia. “O Ippuc já foi vanguarda, mas hoje engessa a discussão, que só pode acontecer lá dentro, sem permeabilidade para o novo”, acrescenta Martin Kaufer Goic, do Estúdio 41.

O que reserva o futuro

“Então é o seguinte: nunca mais. A fase de ouro da arquitetura e do urbanismo de Curitiba acabou”. O ceticismo de Gandolfi quanto à cidade repetir a transformação urbana que viveu deve-se à combinação específica de fatores que seriam necessários para isso, e que dificilmente podem ser arranjados, segundo ele.
Na verdade, a cidade ruma na direção contrária. “Tantas coisas estão perdendo valor. Curitiba tinha vida, era uma cidade gostosa. Hoje, destroem tudo. Urbanismo não existe mais. Ou existe? Não existe. O que fizeram de novo?”, questiona.
Guerra concorda que é difícil perceber um movimento para que a cidade volte a ser novidade, mas dá pistas sobre os dois pilares que se pode esperar para seu futuro. São eles: um centro vivo — reapropriado e revitalizado — e um adensamento dos bairros, revisitando o que foi previsto.
“A nova revolução da cidade é que o curitibano saiu de casa e está na rua. O segredo está em aproveitar o que já existe, investindo em tecnologia de ponta e dando mais densidade onde a cidade permite, para que as bordas fiquem menos pressionadas e que se preserve as áreas verdes e os mananciais”, detalha.
Este protagonismo por outros atores que não o poder público também é apontado por Cannell como um dos principais caminhos para a Curitiba do futuro. Isso porque, na opinião dele, a cidade está bem estruturada e as pressões demográficas hoje são menores do que no passado. Além disso, a redução dos fluxos dos capitais tradicionais e a falta de verbas torna mais difícil para a prefeitura ser a protagonista deste esforço de transformação.
“O Jaime falava ‘a gente tem que fazer acontecer’. Talvez, no futuro, a gente tenha que facilitar para que aconteça. E essa facilidade vem da legislação, da estrutura de cobrança de impostos e pequenos investimentos complementares”, vislumbra.

100 ANOS da Gazeta do Povo: Um espaço para arquitetura, design e urbanismo

Prestes a completar seu quinto aniversário, HAUS se consolida como uma das maiores plataformas de arquitetura, decoração, design e urbanismo do país. Sua história, porém, é muito anterior a
isso e tem início lá em 1983, quando esses temas passaram a ser cobertos pelo suplemento “Para Viver Bem/Para Morar Bem” da Gazeta do Povo. Outros títulos se sucederam a este, como o Rodapé, Construção e Decoração, Viver Bem Casa e Imóveis, sempre com a missão de apresentar aos leitores novas técnicas construtivas, formas de morar, tendências de decoração, soluções para problemas cotidianos e organização doméstica.
Em 2014, a editoria ganha independência na linha de cobertura. Um ano depois, passa a contar com uma página semanal no extinto Caderno G e, posteriormente, na edição semanal da Gazeta do Povo, retratando histórias e curiosidades sobre a arquitetura e as personalidades que ajudaram a construir e a pensar a cidade. Neste período, a revista mensal também passa a ser produzida pela editoria e a publicar o Anuário Haus, que apresenta os profissionais e escritórios do estado e se firmou em 2018 como a maior publicação do setor em Curitiba e no Sul do Brasil.
Atualmente Haus continua presente nestas duas plataformas e também online com conteúdos locais, nacionais e globais. Sua cobertura é reconhecida por recuperar os temas relacionados ao patrimônio histórico, que estavam relegados – assim como boa parte de seus exemplares – e por explorar as principais feiras e premiações internacionais. Neste ano,  por exemplo, Haus estará pelo
décimo ano consecutivo no Salão do Móvel de Milão e acompanhará pela primeira vez a entrega do iF Design Award, em Munique e Hamburgo, na Alemanha.
*Aléxia Saraiva e Sharon Abdalla.

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