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Em meio a grandes discussões como a da Reforma da Previdência, os deputados federais sempre encontram um tempinho para propôr leis esdrúxulas.
Em meio a grandes discussões como a da Reforma da Previdência, os deputados federais sempre encontram um tempinho para propôr leis esdrúxulas.| Foto: Jonas Pereira/Agência Senado

Entre a promulgação da Constituição de 1988 e setembro de 2016 foram editadas 5.471.980 normas no Brasil. Foram criadas, em média, 769 normas por dia útil. É o que apontou levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação.

Tudo isso atrapalha o desenvolvimento do país. Estima-se que cada empresa por aqui tenha de seguir em média 3.796 normas diferentes, considerando apenas as regras tributárias. Isso significa ter de cumprir regras expostas em mais de 11 milhões de palavras. Tanta regulação faz com que as empresas brasileiras gastem mais de R$ 60 bilhões por ano apenas para cumprir burocracias. É dinheiro que poderia ser destinado a investimentos, inovações ou mesmo para diminuir o custo de produção de bens e serviços.

Para reforçar essa quantidade kafkiana de normas, não falta criatividade aos congressistas brasileiros. Do início da atual legislatura, em fevereiro deste ano, até esta terça-feira (16), foram protocolados 4.123 projetos de lei na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Selecionamos aqui 10 dos projetos mais curiosos — para não utilizar outro predicado — pelos quais você pagou e que, na falta de bom senso do Parlamento, podem virar leis que ditarão sua vida daqui por diante.

1 Proibição de games “violentos”

O deputado Júnior Bozzella (PSL/SP) quis surfar na tragédia de Suzano. Aproveitando a fala do vice-presidente República, Hamilton Mourão, que atribuiu o massacre à possível influência de videogames, ele propôs “a criminalização do desenvolvimento, da importação, da venda ou empréstimo de aplicativos ou jogos eletrônicos com conteúdo violento”.

Não há na justificativa do projeto qualquer embasamento científico, até porque os estudos disponíveis mostram que jogos violentos não influenciam no comportamento agressivo. O parlamentar, portanto, defendeu com base em preconceitos e filosofias de R$ 1,99 a proibição de parte de uma indústria que movimentou mais de R$ 5,5 bilhões em 2018 no país.

2 “Almoço grátis” para jovens

A frase “Não existe almoço grátis” foi popularizada pelo Nobel de Economia Milton Friedman. Ela significa que, se alguém deixa de pagar por um bem ou serviço, isso será pago por outras pessoas.

Mas o deputado federal Rubens Otoni (PT/GO) parece acreditar no tal do almoço grátis. Atualmente, há leis que exigem que as empresas deem passagens gratuitas para idosos e jovens viajarem em ônibus interestaduais dentro de um limite estabelecido. Na prática, porém, a lei é “para inglês ver”.

Mesmo assim, Otoni propôs uma lei que estende a cota para jovens entre 15 e 29 anos - e para as empresas aéreas também. Tudo para assegurar o exercício de "direitos peculiares à juventude", como informa a justificativa do projeto. E que os outros paguem passagens mais caras em nome disso.

3 Plástico: o inimigo da vez

A guerra contra os canudinhos de plástico ganhou especial atenção nos projetos desta legislatura. Um exemplo foi o parlamentar Rui Falcão (PT/SP), que propôs a proibição da fabricação, comercialização e uso de canudos plásticos em todo o território nacional.

Já o deputado Pompeo de Mattos (PDT/RS) protocolou projeto que obriga o uso de materiais biodegradáveis em sacolas, copos, canudos plásticos e embalagens de todos os produtos e mercadorias vendidos em estabelecimentos comerciais. Sem qualquer estimativa de quanto isso custaria, é claro.

O deputado Rubens Otoni (PT/GO) foi mais contido: ele quer vetar apenas a utilização de garrafas PET em embalagens de alimentos e bebidas. Mas sem propor alternativa alguma e muito menos estimar o impacto nos custos que a medida poderia representar.

4 Controle de preços

Controle de preços não é nenhuma novidade. O livro "Quarenta Séculos de Controles de Preços e Salários", de Robert L. Shuettinger, mostra que desde a Mesopotâmia, passando pela Grécia Antiga e Idade Média, as medidas de controle de preços sempre tiveram o mesmo resultado: escassez. Como ninguém trabalhará para oferecer um produto ou serviço para ter prejuízo, empreendedores deixam de produzir os bens tabelados quando há um descompasso entre os custos de produção e o valor tabelado pelo governo.

Os brasileiros já sofreram muito com os efeitos do controle de preços. Um exemplo ocorreu após o fracasso do Plano Cruzado, em 1987. Com as prateleiras vazias, integrantes do governo Sarney chamaram empreendedores de “sonegadores e especuladores” e a Polícia Federal prendeu vários empresários, confiscando produtos para dar alguma satisfação à população.

Apesar dos fracassos, nada impediu Gleisi Hoffmann (PT/PR) de propor controlar o preço do botijão de gás em até R$ 49. A fundamentação é a “garantia do direito humano à alimentação adequada”. O texto do projeto de lei traz ainda críticas à política de preços da Petrobras.

Só faltou um mea-culpa da presidente nacional do PT, já que a empresa viveu seus piores dias quando o partido influenciava suas operações, seja por meio de esquemas de corrupção desvendados pela Operação Lava Jato, seja pelo controle de preços dos combustíveis que gerou rombos bilionários.

5 Cota para mulheres na política

As mulheres têm baixa representação na política brasileira. Apenas 12,96% das cadeiras do Senado e 15% das vagas na Câmara dos Deputados são ocupadas por mulheres. A proporção é semelhante nas Assembleias Legislativas, com somente 15,20% das cadeiras ocupadas por mulheres.

A proporção é menor que a ocupação feminina no parlamentos da Arábia Saudita, Iraque, Síria e Afeganistão, por exemplo. Em praticamente todos os outros países da América Latina, as mulheres ocupam mais espaço no Parlamento. Como resolver isso e empoderar as mulheres? Para Marcelo Freixo (PSOL/RJ) e Sâmia Bomfim (PSOL/SP), basta criar uma cota que reserve 50% das cadeiras legislativas para as mulheres.

Na justificação do projeto, a ex-vereadora do município do Rio de Janeiro Marielle Franco é citada como uma referência da importância da representatividade feminina. Inexplicavelmente, o mesmo prestígio não foi dado a Dilma Rousseff, mulher que ocupou o cargo mais importante da política nacional.

6 Suco do bem

Se por um lado o Congresso discute o marco regulatório de políticas públicas, questões tributárias, trabalhistas e previdenciárias, por outro também debate a composição de um suco industrializado para que ele possa ser chamado de “suco”.

O deputado Luiz Nishimori (PR/PR) quer que sucos industrializados tenham pelo menos 35% de fruta ou parte do vegetal de origem. Não é um caso isolado: há duas legislaturas tramitam no Congresso projetos de lei que visam aumentar o teor de cacau no chocolate brasileiro.

7 Ética nas redes sociais

centenas de projetos de lei que propõem novas disciplinas nos currículos escolares: educação para o trânsito, ensino do esperanto, educação financeira, ecologia e direitos do consumidor são alguns dos exemplos. Nesse sentido, o deputado Paulo Pimenta (PT/RS) deve ter pensado que uma sugestão a mais não faria mal.

O projeto do parlamentar manifesta preocupação com a difusão de notícias falsas em redes sociais. Por isso ele propõe a criação da “disciplina sobre a utilização ética das redes sociais - contra a divulgação de notícias falsas (Fake News)”.

Não acreditar em notícias falsas e compartilhá-las é, sem dúvida, primordial, mas acrescentar mais uma disciplina à grade curricular significaria diminuir a carga horária de outras matérias do ensino fundamental e médio. Há um custo de oportunidade nesta escolha: é menos português e matemática sendo ensinados no país que está apenas na 59º colocação em leitura e no 66º lugar em matemática entre os 70 países analisados pelo PISA em 2016.

8 Veganismo nas escolas

O parlamentar Célio Studart (PV/CE) apresentou um projeto de lei que promove a alimentação vegana nas escolas.

Na fundamentação da proposta, consta que “a alimentação vegana pode representar uma redução no risco de doenças”, como diabetes tipo 2, controle arterial e colesterol. Mas a dieta vegana também acarreta em riscos. Adotá-la requer cuidados para que não haja déficit de alguns nutrientes, como proteínas, ômega-3, ácidos graxos, ferro, zinco, cálcio e vitaminas D e B12.

Como afirma o cardiologista Everton Gomes, pesquisador do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP, “as pessoas veganas precisam de acompanhamento nutricional e reposição de alguns componentes por meio de vitaminas sintéticas”.

9 Guerra contra os radares

A percepção dos motoristas de que as autoridades querem mais coletar o dinheiro de multas do que prevenir as violações das regras que geram essas mesmas multas é muito comum.

O fato de algumas prefeituras incluírem a previsão de arrecadação com multas em seu orçamento é um sinal de que, no mínimo, há poucos incentivos para se criar regras de trânsito mais eficientes e que gerem menos infrações.

Nesse sentido, o deputado José Nelto (PODE/GO) propôs a proibição de todos os radares do país. Ele alega que “esse tipo de fiscalização tem verdadeiro viés arrecadatório". Mas proibir todos os radares e meios eletrônicos de fiscalização seria “jogar o bebê com a água suja”, já que os estudos empíricos mostram que, sim, radares evitam acidentes.

10 A farra das datas comemorativas

Os projetos de lei que criam datas comemorativas e outras legislações inócuas em 2019 é grande. O deputado Pastor Sargento Isidório (AVANTE/BA), por exemplo, propôs a criação do Dia do Orgulho Hétero. O Dia Nacional do Paleontólogo é ideia do deputado João Roma (PRB/BA). Tadeu Alencar (PSB/PE) quer o Dia dos Desbravadores, Igor Kannário (PHS/BA), o Dia da Favela. O Dia do Medicamento Genérico é uma contribuição de Expedito Netto (PSD/RO), o Dia do Mototaxista é de João Roma (PRB/BA) e o Dia de Cuidados com as Mãos é de Luciano Bivar (PSL/PE).

Mas há também exemplos de parlamentares que, em um lapso de bom senso, acabam pedindo o arquivamento da legislação proposta por eles próprios. Foi o caso de 70 propostas de lei nesta legislatura até aqui. Um dos exemplos veio do parlamentar Luiz Lima (PSL/RJ) que, em meio à guerra contra o canudinho plástico, propôs uma nova frente de batalha: a proibição das embalagens de papelão dos cremes dentais.

Sem estimativa de impacto financeiro e com a rejeição do tema em redes sociais, ao menos neste caso o projeto acabou sendo arquivado por pedido do próprio autor. Considerando que leis absurdas podem atrapalhar a vida de muita gente, o exemplo do deputado Luiz Lima é algo a ser seguido por outros parlamentares.

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