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Selo chinês mostra os ditadores Joseph Stalin e Mao Tse-tung
Selo chinês mostra os ditadores Joseph Stalin e Mao Tse-tung| Foto: Pixabay

Durante a II Guerra, Hayek, em seu clássico O caminho da servidão, mostrara como as diferenças entre fascismo e comunismo são tênues: ambas as formas de governo centralizam o poder político e econômico nas mãos do chefe de um agigantado Poder Executivo (seja esse chefe o Partido Comunista ou a pessoa do Condutor). A diferença é que no comunismo o chefe do Executivo “expropria” o setor produtivo e transforma tudo em estatal, enquanto que no fascismo o Condutor arma um concerto entre sindicalistas pelegos, empresários amigos e a economia de modo geral.

Na Alemanha, empresas como a Bayer, a Volkswagen, a ThyssenKrupp e a Bertelsmann tiveram em suas histórias a mão amiga do III Reich coordenando o mercado teutão para si. Uma coisa engraçada dessa divisão é que os nossos governos filocomunistas (os do PT) agiram imitando o nazifascismo nesse quesito: aí estão a Friboi e a Odebrecht, campeãs nacionais. É possível que se trate de uma imitação da boliburgesiachavista, e Chávez, como já mencionei, tinha um mentor neonazista. Por outro lado, os arqui-inimigos do petismo, os militares, fizeram um governo mais aproximado do comunismo do que eles, abrindo uma quantidade imensa de estatais. Nossos militares são pupilos de Comte, que é um irmão mais velho de Marx, ambos filhos espirituais do excêntrico Conde de Saint-Simon.

Já a China é ambígua. Ela tem aquela montanha de empresas privadas que querem negociar com o Ocidente, e juram de pé junto que o seu dono não é o Partido Comunista Chinês. Por outro lado, é certo que nenhuma empresa lá cresceu sem a anuência do Partido Comunista Chinês, e no momento em que o Joesley deles (Jack Ma) resolveu criticar uma política do governo, desapareceu.

Peculiaridade dos Estados Unidos 

Nos Estados Unidos, estamos assistindo a algo provavelmente sem precedentes: a mais sólida democracia de massa ter o seu governo superado, em poder, por companhias privadas. Hitler e Xi adubaram a Bayer e o AliBaba, e por isso detinham poder sobre tais companhias. Já os presidentes dos Estados Unidos, até onde saibamos, não adubaram o Google, nem a Amazon, nem o Twitter, nem o Facebook. Ainda assim, a prosperidade do seu país permitiu que gigantes se erguessem enquanto se massificava essa tremenda novidade na história da humanidade que é a internet.

De todas essas quatro, só duas atuam na China: Google e Amazon. A China tem a sua Grande Firewall, uma muralha, uma espécie de Cortina de Ferro feita para censurar toda a internet estrangeira. Dentro da Grande Firewall, a internet está sujeita ao controle do Partido Comunista Chinês, com um exército de censores burocratas. Em português, o melhor material sobre a censura da internet chinesa provavelmente é o documentário do Spotniks sobre a covid. Para se ter uma ideia: chinês não tem WhatsApp, tem um aplicativo paraestatal chamado WeChat, sujeito ao escrutínio de burocratas, e capaz de censurar automaticamente alguns termos e expressões, em nome do combate às fake news. Os chineses comuns (gente que só quer tocar sua vida, como nós) desenvolvem quotidianamente uma linguagem cifrada para escapar à censura e, à medida que as gírias vão sendo conhecidas, mais palavras vão sendo censuradas do aplicativo.

O Google tem desde 2006 o Google China, sediado na China, e que opera segundo os ditames do Partido Comunista Chinês. Quanto à Amazon chinesa, passou a existir quando Bezos comprou uma empresa chinesa chamada Joyo.

Facebook e Twitter são banidos da China. É digno de nota que, a despeito disso, as relações exteriores da China sejam entusiastas do Twitter. Antes que algum ocidental pense que se trate de embaixadores com sangue quente, leia o texto de Leonardo Coutinho a respeito, neste mesmo jornal. É tudo coordenado desde Pequim, e os embaixadores vêm dando altos faniquitos no Twitter mundo afora. O último deles foi contra a Austrália, acusando-a de assassina de afegãos com uma imagem falsa. Pergunte se o Twitter pune alguma embaixada chinesa. Nada, pune só Trump.

Será que o Twitter e o Facebook não podem pensar que vão recuperar o valor de suas ações se ingressarem na China, que é o maior mercado do mundo, e além disso o maior mercado regulado do mundo? Mercado regulado é o sonho do empresário monopolista. E Pequim não aceita empresários insubmissos.

Acontecendo isso, teremos mais uma situação sem precedentes nos Estados Unidos: gigantes monopolistas nacionais submissos a uma potência estrangeira totalitária.

Espionagem doméstica 

Que o Google é espião, já sabemos desde Snowden, que vazou em 2013 para Glenn Greenwald a parceria entre Obama e a gigante, usada para espionar inclusive Dilma Rousseff. (Na época, nossa esquerda ainda era anti-EUA. De certa forma, talvez ainda seja: está com os norte-americanos fãs das Big Techs, os quais gostam mais de Xi Jinping do que de Trump, e talvez até do que de Biden.)

Entre 2013 e 2021, o mundo mudou bastante. O Facebook certamente não era usado (como é hoje) por cidadezinhas de interior como lugar para classificados, e o WhatsApp sequer tinha sido comprado pelo Facebook. Agora, em 2021, o WhatsApp acaba de obrigar seus usuários a, caso queiram permanecer usando, aceitar o compartilhamento de dados entre as duas empresas, o que implica um homem – Mark Zuckerberg – tendo acesso a essa imensa capilaridade de informação provocada pela difusão da internet móvel, e podendo vendê-la a quem quiser. Os Estados Unidos têm lei antitruste, e por que o país não age contra esses monopolistas, é um mistério.

O fato é que as Big Techs fazem o que querem, sem ninguém as segurar. Você provavelmente já ficou espantado ao ver que conversou com alguém, offline, sobre comprar algo, e súbito começou a aparecer propaganda para você daquilo que pensava em comprar. Então você concluiu que um smartphone é um instrumento de vigilância, que nos ouve pelo microfone e nos vê pela câmera.

Já vi gente em redes sociais brasileiras falando espantada sobre isso, mas infelizmente só encontrei matérias em inglês sobre o assunto. Aqui está uma da CBS News do começo de 2018, em que uma ex-gerente do Facebook diz que isso é apenas “muito improvável”. Nos textos da Fox e da Forbes, ambos do fim de 2019, lemos taxativamente que as Big Techs estão espionando, sim, e no da Fox há algumas instruções para mexer nas configurações e minorar o problema. Este outro site explica melhor o funcionamento do OK Google. Agora, fica a questão: e se o Google quiser gravar algumas pessoas e vender isso para a China ou outra ditadura, como ficamos? Quem vai segurá-lo?

Mais perguntas 

Outras perguntas que temos a fazer são: se normalizarmos a censura das Big Techs, quem vai impedir os bancos virtuais de pagarem os seus clientes? Vimos já como há quem peça ao PayPal e PagSeguro o boicote a Olavo de Carvalho. Agora é com Olavo, depois pode ser com qualquer outro reacionário que diga coisas “transfóbicas” como “homens têm pênis”, ou use alguma “racista” como “esclarecer” e “denegrir”.

Nisso, sempre tem o trouxa dizendo que é livre concorrência, e que basta trocar de serviço. Acabamos de ver o que aconteceu com a rede social Parler. Numa ação concertada, Google, Apple e Amazon tiraram a rede social primeiro dos smartphones, e depois do ar.

O Estado existe por uma série de motivos. Um deles é impedir o arbítrio de quem tem a força da grana, em vez da do voto.

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