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Argentina barcos pesqueiros
Luzes de barcos pesqueiros ilegais vistos na Argentina a partir de um avião em 19 de março de 2023. A maioria dos barcos é de origem asiática. A exploração do mar argentino leva a danos ecológicos e perda de empregos locais.| Foto: EFE/ Juan Ignacio Roncoroni

Em meio a várias mudanças devido a nova gestão de direita, o governo de Javier Milei lançou, na metade do mês de janeiro, uma nova operação para fortalecer o combate contra os navios pesqueiros chineses que exploram ilegalmente o Atlântico Sul. A falta de controle por parte da Argentina tem facilitado este tipo de atividade ilícita em território nacional.

As imagens das centenas de embarcações estrangeiras instaladas no limite da Zona Econômica Exclusiva Argentina (ZEE) formando a chamada “cidade flutuante” (devido às luzes dos barcos avistadas durante a noite) não deixam de impactar ano após ano. 70% dos navios são chineses, os demais são de origem taiwanesa, sul-coreana, russa, espanhola, entre outros.

Na região, ao longo da Patagônia, as correntes ricas em nutrientes produzem grandes quantidades de plâncton que a termina transformando em uma área fértil para a alimentação de determinadas espécies marinhas como a merluza, o camarão e a tão cobiçada lula.

“As águas argentinas apresentam uma enorme abundância e diversidade de vida marinha, incluindo mais de 330 tipos de peixes, quase 120 deles de águas profundas, e uma variedade de invertebrados”, indica documento divulgado pela ONG americana Oceana.

A Oceana conta em seu relatório que “os pescadores comerciais procuram entre 60 e 70 destas espécies, incluindo a lula argentina (Illex argentinus), que constitui a segunda maior pescaria de lula do mundo”.

Segundo Marla Valentine, porta-voz da ONG, “essas lulas têm uma vida útil muito curta, cerca de um ano. Como essas embarcações capturam centenas de toneladas, não deixam que elas possam se reproduzir nos próximos anos”.

Milha 201

A ZEE é uma faixa que estende-se, além do limite exterior do mar territorial, até uma distância de 200 milhas náuticas das linhas de base estabelecidas no artigo 1º da Lei 23.968, sobre a qual o país tem prioridade para a utilização de seus recursos naturais e responsabilidade na sua gestão ambiental. Isso representa para a Argentina um espaço marítimo de 2.809.237 km2.

Nas últimas duas décadas, a milha 200 emergiu como o ponto central das atividades de pesca. Estima-se que naquela área operam-se nada menos que 500 barcos por ano, segundo dados da Marinha Argentina. Enquanto os navios argentinos vão à região apenas em janeiro, respeitando os ciclos do ecossistema, centenas de embarcações de diversas nacionalidades convergem do Oceano Índico e do Pacífico a partir de novembro. Ao posicionar-se no limite jurisdicional das águas argentinas, esses navios conseguem ficar suficientemente próximos para atrair as lulas com suas luzes.

Para poder permanecer no mar durante longos períodos, os buques utilizam a modalidade de “transbordo”, na qual transferem suas cargas para outros que, por sua vez, as reabastecem com combustível e alimentos em águas internacionais.

Contudo, o que mais alarma às autoridades argentinas, é que os navios não respeitam a demarcação da ZEE e utilizam diversas técnicas para poder pescar dentro da faixa sem receber qualquer sanção, sendo uma delas, a desativação do Sistema de Identificação Automática (AIS) que dificulta o trabalho da guarda costeira para identificá-las.

Em 2020 o Congresso argentino aprovou um novo sistema de multas com um mínimo de 300 mil dólares e um máximo de 1,75 milhões de dólares. O esquema permite a captura e detenção da embarcação no porto até o pagamento da multa. No ano da sua promulgação, a nova lei permitiu a captura de três barcos pesqueiros e a cobrança de multas no valor de 2,91 milhões de dólares.

China

A presença chinesa nestas águas distantes do Oceano Atlântico não é novidade. De acordo com o informe da Fundação Latino-Americana de Sustentabilidade Pesqueira (FULASP), este cenário na Argentina começou a ocorrer há 25 anos. A primeira vez que a Prefeitura Naval Argentina (PNA), uma das Forças Federais de Segurança da Argentina, detectou buques chineses em águas argentinas foi em 2001, quando apenas representavam algum tipo de ameaça aos recursos pesqueiros. O gigante asiático construiu em apenas duas décadas a maior frota pesqueira do mundo, com quase 3.000 embarcações, das quais mais de 400 operam ilegalmente no Atlântico Sul.

Impulsionado principalmente pelo financiamento e subsídios governamentais, o seu crescimento e suas atividades são descontrolados, em parte porque a própria China não dá importância às regulamentações deste tipo de operações.

Segundo relatório da organização InSight Crime, hoje ela é considerada a “maior infratora do mundo de pesca ilegal, não declarada e não regulamentada”. O documento também destaca que “a frota chinesa representa uma ameaça séria e permanente à soberania, economia e biodiversidade argentinas”.

Apesar das inúmeras provas e acusações, a China continua negando ligações com a pesca ilegal no Atlântico Sul.

No entanto, as ameaças ao mar argentino vão além das garras chinesas. Nas próximas semanas as atividades devem intensificar-se na área. Acontece que uma grande frota de navios espanhóis já navega em direção às águas patagônicas depois de renovar as garantias de pesca com o Reino Unido que hoje administra as Ilhas Malvinas após vencer a Argentina na guerra de 1982.

O Reino Unido concede anualmente cem licenças e quotas de pesca (conhecidas como ITQB, Quota Individual Transferível) por um período de 25 anos. Cerca de 120 embarcações têm permissão para pescar na ZEE. Até o momento, em 2023, foram emitidas 106 licenças de ITQB para a pesca de diversas espécies. Contudo, estas autorizações por parte do governo britânico, gera tensão com o governo argentino que alega ser prejudicial para seu território este tipo de atividade e que constituem uma violação grave das regras do Sistema do Tratado da Antártica, firmado em 1961, que regula a atuação dos países e indivíduos naquela região.

20% das lulas consumidas na Europa, especialmente na França, são capturadas nas águas que rodeiam o arquipélago. De acordo com o informe oficial do Governo das Ilhas Malvinas, em 2022, a pesca espanhola no arquipélago ultrapassou as 101 mil toneladas de lulas e algumas outras espécies marinhas, o que constitui o segundo recorde histórico desde 1989 (quando foram capturadas 118 mil toneladas).

Impacto na Argentina e prevenção

Segundo estudo realizado pela Fundação Latino-Americana para a Sustentabilidade Pesqueira (FULASP), a Argentina é o terceiro país mais afetado pela pesca ilegal no mundo e é o mais afetado na América Latina. As perdas globais devido à atividade são estimadas em até 50 bilhões de dólares. No caso da Argentina, ela experimenta anualmente perdas de até 3,5 bilhões de dólares.

O documento da FULASP indica que o impacto econômico é substancial, uma vez que as empresas argentinas exportam para os mesmos destinos que os navios ilegais. Caso essas embarcações tenham sucesso em suas atividades de pesca, os preços da lula, por exemplo, podem cair de uma faixa de 2.700 a 3.000 dólares por tonelada para menos de 2.000 dólares por tonelada. Além disso, os custos operacionais das empresas nacionais são consideravelmente mais elevados.

Essa competição é considerada desleal por muitos devido a que os navios estrangeiros remuneram seus trabalhadores com salários de 200 dólares por mês, totalizando cerca de 4.000 dólares mensais para uma tripulação média de 20 pessoas. Em contrapartida, para um navio argentino, os mesmos serviços implicam em um custo superior a 50 mil dólares.

Para enfrentar a problemática da pesca ilegal em território nacional, o ministro da Defesa, Luis Petri, lançou uma nova operação de vigilância e controle dos espaços marítimos do Atlântico Sul.

Petri acompanhou desde Mar del Plata a partida do buque ARA “Contraalmirante Cordero”, que se dedicará durante duas semanas ao patrulhamento da zona e controlará a localização dos barcos de pesca de bandeira estrangeira que se encontram na milha 201 para proibir a sua entrada sem autorização na ZEE Argentina. Ele contará com 40 tripulantes e é o último de uma série de 4 navios polivalentes de patrulha oceânica destinados à Marinha Argentina.

De acordo com Petri, “o governo nacional planeja a criação de um espaço interagências e multidisciplinar para garantir a proteção e sustentabilidade dos recursos marinhos”.

Ao longo de mais de duas décadas, a Prefeitura Naval apreendeu 80 embarcações que transgrediram a ZEE. Em 2016, ela até conseguiu, por meio da Interpol, deter um barco de pesca chinês "Hua Li 8" em um porto indonésio, que havia escapado ao não respeitar a linha das 200 milhas.

Porém, apesar de todas as medidas implementadas, “deve ser sancionado um novo marco regulatório e sancionatório”, enfatizou o ministro desde a Base Naval na cidade costeira.

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