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Genoma
As sequências-base de informação genética de quaisquer seres humanos, escolhidos aleatoriamente de qualquer lugar, é 99,6% idêntica| Foto: BigStock

Existem ursos tão diferentes entre si que um deles, o pardo, alcança mais de 3 metros de comprimento e 800 quilos de peso, enquanto que o urso-malaio não passa de 1,5 metro e 70 quilos. Diferentes características físicas, costumes alimentares e habitats permitiram que os especialistas em taxonomia dividissem os ursos em oito espécies diferentes. Já os tubarões são organizados em mais de 400 espécies. Entre as abelhas, são mais de 20 mil espécies.

Os seres humanos não: todos estão classificados como Homo sapiens. Há um motivo para essa diferença no tratamento. Enquanto que os primeiros tubarões sugiram por volta de 400 milhões de anos atrás, e tiveram todo esse tempo para se diferenciar de acordo com características mais adequadas para os mais diversos habitats marítimos disponíveis na Terra, os humanos modernos surgiram há apenas aproximadamente 300 mil anos.

E, por muito tempo, permaneceram num único local, a África, e restritos a uma população relativamente pequena, de não mais do que 20 mil pessoas. Foi só por volta de 80 mil anos atrás que nossa espécie começou a explorar outros continentes.

Em termos de genética, é pouco tempo para provocar diferenciações expressivas no DNA. O resultado é que ainda hoje as sequências-base de informação genética de quaisquer seres humanos, escolhidos aleatoriamente de qualquer lugar, é 99,6% idêntica.

“Somos todos iguais”

As diferenças entre os humanos, portanto, são apenas superficiais, e se explicam pela adaptação às condições dos locais de onde nossa espécie se instalou. A pele negra, por exemplo, é adequada para proteger do sol mais forte na altura da linha do Equador. Em locais mais frios, a pele branca, que facilita a absorção de raios ultravioleta e a produção de vitamina D, facilita a adaptação. Ou seja, a cor da pele permite uma melhor regulagem de nutrientes de acordo com o ambiente.

Outras especificidades, como o tamanho das narinas ou os olhos esticados, também surgiram como resultado da seleção natural favorecendo características mais adequadas para determinados ambientes. Em muitos casos, há mais diferenças genéticas entre populações de mesma cor de pele do que entre populações de tonalidades diferentes. É na África, aliás, que se encontram as maiores variações de DNA – afinal, a humanidade passou mais dois terços de sua existência vivendo exclusivamente nesse continente.

“Do ponto de vista genético e biológico não existem raças humanas. O Homo sapiens é uma espécie jovem demais para que tenha havido a possibilidade de criação de raças”, explica o geneticista Sérgio Pena, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“Isso não quer dizer que as populações humanas não tenham se adaptado por seleção natural ao ambiente de que vive, como o fato de a população africana de modo geral ter a pele bastante mais escura. Mas por baixo da pele e de algumas outras características físicas somos todos iguais, ou melhor, igualmente diferentes”.

Tudo o que está escrito acima faz parte do consenso alcançado pela ciência nas últimas décadas. Mas nem sempre foi assim. Entre os séculos XVIII e XX, os próprios cientistas ajudaram a construir a noção de que a humanidade se diferenciava entre diferentes raças, umas superiores a outras.

Darwinismo social

A partir do século XVIII, a ciência gerou uma série de técnicas capazes de ampliar exponencialmente o grau de conhecimento do passado. Data dessa época a criação da taxonomia moderna, que divide os seres que habitam o planeta. Curiosamente, o criador dessa organização da vida no planeta, o botânico e zoólogo suíço Carl Linnaeus (1707-1778), também defendeu erroneamente a divisão dos seres humanos em diferentes espécies, sendo, segundo ele, de forma mais uma vez equivocada, os europeus mais ativos e curiosos e os negros mais preguiçosos.

A capacidade de medir a idade de fósseis, edifícios e artefatos antigos deu origem à arqueologia moderna, que permitiu conhecer, pela primeira vez, detalhes sobre a vida em locais clássicos, do Egito antigo a Pompeia. “O que diferenciou o arqueólogo após 1770 de seus predecessores foi a utilização de um método de investigação, centralizado na observação sistemática dos restos materiais deixados sobre o solo”, afirma o historiador Johnni Langer no artigo "As Origens da Arqueologia Clássica".

As mesmas ferramentas intelectuais e técnicas, unidas à teoria da evolução, permitiram o desenvolvimento da antropologia moderna, que se tornou capaz de comparar seres humanos de diferentes épocas e identificar transformações ocorridas ao longo do tempo.

Por outro lado, a capacidade de analisar ossadas humanas de diferentes locais e épocas, em busca de padrões e diferenças, deu origem de uma técnica muito popular no século 19, que hoje é amplamente desacreditada pelo ambiente acadêmico em geral: a frenologia, que afirmava que a forma do crânio e do cérebro têm consequência direta na capacidade mental de cada pessoa.

Com base na comparação de crânios humanos, diferentes pesquisadores adeptos da frenologia começaram a comparar pessoas, com o objetivo de identificar padrões. O pioneiro foi o médico alemão Franz Joseph Gall (1758-1828), e a ele se seguiram especialistas da área de saúde, como o americano Samuel Morton (1799-1851) e o brasileiro Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906).

A partir da medição de crânios, Morton, por exemplo, escreveu textos em que defendia que os brancos eram os humanos mais inteligentes, seguidos, na ordem, pelos “mongólicos” (vindos do Leste da Ásia), pelos orientais do Sudeste Asiático, pelos indígenas americanos e, por último, pelos negros.

Ancestralidade

“Nina Rodrigues defendeu um tratamento diferenciado para negros, índios e mestiços – produtos das chamadas raças inferiores – no Código Penal Brasileiro. Seu argumento partia do pressuposto de que haveria uma diferença fundamental entre as raças no que se referia à sua constituição mental”, escreveu a cientista Marcela Franzen Rodrigues no artigo "Raça e criminalidade na obra de Nina Rodrigues".

Para Nina Rodrigues, os negros africanos “pertencem a uma outra fase do desenvolvimento intelectual e moral”. São “populações infantis”, que “não puderam chegar a uma mentalidade muito adiantada”.

O conceito de que existiam diferentes raças humanas se sustentou até pelo menos meados do século 20. A partir de então, o termo “raça” começou a ser substituído por “ancestralidade”, primeiro com base em exames de sangue comparando etnias diferentes, depois com pesquisas apoiadas na genética. “A raça é uma criação social e cultural, com consequências poderosas”, escreveu Alan Goodman, professor de antropologia do Hampshire College, em Massachusetts. “Em termos genéticos, não existe”.

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