• Carregando...
 | BRYAN DENTON/NYT
| Foto: BRYAN DENTON/NYT

Durante anos, Rasool Landay viajava pelo norte do Afeganistão oferecendo um serviço especializado e muito procurado: um tratamento para mulheres incapazes de ter filhos. Agora ele é um fugitivo. Religiosos e autoridades exigiram sua execução pública. Um governador provincial ofereceu seu próprio veículo blindado como recompensa por informações.

As autoridades da província de Faryab dizem que o homem conhecido como Mullah Landay – que, apesar de se fazer passar por clérigo islâmico, não tinha credenciais religiosas – liderou um esquema de extorsão visando mulheres. Com a ajuda de pelo menos duas cúmplices que já foram presas, Landay é acusado de explorar aquelas que não conseguiam ter filhos, alegando que poderia “curá-las”, primeiro com amuletos religiosos e, quando isso não funcionava, com sexo. Ele se filmava fazendo sexo com elas, e então extorquia dinheiro e joias, chantageando-as com as gravações, de acordo com o procurador provincial Farid Ghori.

Leia também:  Uma vitória contra a barulheira do #MeToo

Além da extorsão, os crimes pelos quais Landay é acusado geraram uma preocupação para as autoridades em Faryab: em uma sociedade em que a honra está ligada à sexualidade feminina e os parentes das mulheres podem atacá-las violentamente se houver a menor suspeita de transgressão, o que acontece com as suspeitas de terem procurado os serviços de Landay?

Uma das respostas pode ser que, conforme a busca por ele se amplia, os corpos de mulheres começaram a aparecer nos lugares que ele visitou.Ter filhos, particularmente do sexo masculino, é considerado um dever primário das afegãs casadas, particularmente em áreas rurais, e elas geralmente são consideradas culpadas se isso não acontece.

“Houve vários assassinatos de honra recentemente, e eu me pergunto se estão relacionados a esse caso.”

Naqibullah Fayeq governador provincial de Faryab

Se os homens suspeitam que uma parente teve relações sexuais com Landay – talvez até mesmo engravidando dele –, podem decidir matá-la com a intenção de preservar o bom nome da família, em uma prática conhecida como “assassinato de honra”. Assim, as mulheres que foram enganadas por Landay poderiam acabar sendo vítimas novamente, dessa vez de sua própria família. “Houve vários assassinatos de honra recentemente, e eu me pergunto se estão relacionados a esse caso”, disse Naqibullah Fayeq, governador provincial de Faryab.

Nossas convicçõesA valorização da mulher

Paternidade questionada

Embora as consequências em curto prazo das ações de Landay tenham sido devastadoras o suficiente, a natureza das acusações semeia dúvida e desconfiança nas comunidades onde trabalhou, pois por muito tempo as pessoas vão questionar a paternidade das crianças locais.

Fayeq disse que o corpo de uma mulher foi encontrado em meados de setembro no bairro Pashtun Kot, perto de onde Landay morava. Os investigadores estão tentando determinar se há alguma relação.

Sharifa Azimi, diretora provincial dos assuntos da mulher, disse que nove haviam sido mortas nos últimos três meses como resultado da violência baseada em gênero, em comparação com quatro no mesmo período do ano passado. “O temor é que os assassinatos de honra aumentem, que as mulheres suspeitas de procurá-lo sejam mortas”, disse Azimi.

Perfil do acusado

Detalhes exatos sobre a vida de Landay são escassos, mas alguns fatos surgiram em conversas com autoridades. Acredita-se que tenha cerca de 40 anos, que era dançarino na adolescência, muitas vezes fornecendo entretenimento nas festas dos senhores da guerra locais, que controlavam a região durante a guerra civil, de acordo com Sebghatullah Selab, vice-líder do conselho provincial.

“Ele havia organizado um grupo que, na base do boca a boca, levava as mulheres até ele. Primeiro, ele dava amuletos, então dizia: ‘Traga uma galinha’, e na visita seguinte, uma ovelha. Quando o problema não era resolvido, ele dizia: ‘Agora há só mais uma coisa que eu posso fazer’, e fazia. Isso é o que as pessoas que prendemos disseram”, contou Fayeq.

Nossas convicçõesO alcance da noção de dignidade da pessoa humana

Landay e seus cúmplices, então, chantageavam as mulheres, que faziam pagamentos regulares. Mas seu esquema se virou contra ele quando um poderoso homem local descobriu tudo, invadiu sua casa com dois guardas armados e levou seu celular e os vídeos, segundo Selab. “Eles exigiram cerca de US$ 2.500 por mês dele. Rasool Landay deu cerca de US$ 700 no início, e depois não conseguiu fazer outros pagamentos. Aí começaram a divulgar os vídeos”, disse Selab. 

Nos últimos meses, gravações antigas começaram a aparecer em redes sociais, pondo em perigo as mulheres que ele explorou. Landay fugiu para a Turquia, onde viveu por uns dois anos. Quando voltou para Faryab em meados deste ano, juntou-se a uma milícia armada pró-governo em Pashtun Kot.

“Cerca de três meses atrás, ele veio até mim e falou que queria ser meu combatente. Disse que tinha se arrependido e não estava mais fazendo aquele negócio. Eu respondi que poderia pegar as armas, sem problema’”, contou Abdul Jamshidi, o comandante da milícia.

Jamshidi disse que estava com Landay em uma missão no mês passado quando recebeu uma chamada do serviço de inteligência afegão, informando-o das ações do homem, e que era procurado pelo governo. E acha que o outro pode ter ouvido a conversa, já que fugiu naquele dia e não foi visto desde então.

Outros dizem que Jamshidi conhecia muito bem a história de Landay e o havia recrutado por essa razão, deixando-o escapar quando o governo o contatou. “Se eu soubesse, eu mesmo o teria matado. Não o teria deixado fugir”, disse Jamshidi sobre essas acusações. 

O atual paradeiro de Landay é desconhecido. Fayeq, o governador, contou que ele havia sido visto na cidade de Mazar-e-Sharif, ao norte, com barba raspada e nova aparência. Postos de controle foram estabelecidos ao longo da rodovia, mas Fayeq acreditava que Landay havia ido para Cabul, a capital afegã.

Selab, o membro do conselho provincial, tem outra teoria: depois que foi visto em Mazar-e-Sharif, Landay viajou para o oeste para a província de Nimroz, na fronteira com o Irã. “A inteligência afegã conseguiu rastrear o sinal de seu telefone até lá, mas talvez ele tenha jogado o aparelho fora.”

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]