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Clamor cresce para que Oprah Winfrey, vista aqui em julho de 2017, concorra à presidência, após seu discurso nos Globos de Ouro, domingo à noite | Patrick T. Fallon/Bloomberg
Clamor cresce para que Oprah Winfrey, vista aqui em julho de 2017, concorra à presidência, após seu discurso nos Globos de Ouro, domingo à noite| Foto: Patrick T. Fallon/Bloomberg

Paris – Eu perco vários daqueles momentos considerados imperdíveis da TV estando deste lado do Atlântico, mas depois de ter deixado minha filha na escola, na manhã de segunda, foi impossível não notar o número de pessoas nas minhas redes sociais que acharam que alguma coisa politicamente significativa tinha acontecido durante a cerimônia do Globo de Ouro, no domingo à noite. Parece que Oprah Winfrey tinha praticamente declarado sua candidatura à presidência dos EUA.  

Vestida de preto em solidariedade ao movimento #MeToo, ao aceitar o prêmio Cecil B. DeMille pelo conjunto da obra ela fez um discurso ágil e de um otimismo comovente, abordando temas como a injustiça racial, a desigualdade de gêneros e a importância da imprensa livre em uma sociedade democrática. 

Foi um belo desempenho de uma mulher inspiradora – e a primeira negra a receber a honraria – que, ao contrário do atual presidente, batalhou pela própria fortuna. E pontuou uma semana definida por um schadenfreude catártico, quase orgásmico, em relação ao livro intriguista de Michael Wolff sobre Donald Trump e sua reação deprimente e pouco digna a ele. 

Seth Meyers, o apresentador da festa, pôs fogo no Twitter, insinuando a candidatura de Oprah já no monólogo de abertura:

"Em 2011, fiz algumas piadas sobre o atual presidente no Jantar dos Correspondentes da Casa Branca, principalmente a respeito de seu despreparo para o cargo. Há quem diga que foi naquela noite que ele resolveu ser candidato. Se for verdade, só gostaria de dizer: 'Oprah, você nunca será presidente'". 

A ideia subiu à cabeça de figuras influentes da imprensa. "Nossa presidente está fazendo o discurso sobre o Estado da União", tuitou Roxane Gay. 

"Pus de volta no Globo de Ouro para ver Oprah receber seu prêmio. E que jamais se diga que eu não respeito a presidente dos EUA", escreveu Joy Reid. 

Até Bill Kristol, recém-engajado, não resistiu: "Oprah, mais confiável na economia que Bernie Sanders, compreende o norte-americano médio melhor que Elizabeth Warren, menos emotiva que Joe Biden, mais agradável que Andrew Cuomo, mais carismática que John Hickenlooper. #ImWithHer (#EstouComEla). 

Para Dan Pfeiffer, ex-assessor de Barack Obama, a ideia não parece tão disparatada.

"Pensei muito e cheguei à conclusão de que esse lance da Oprah não é tão maluco", tuitou – e nem para Stedman Graham, companheiro de longa data da apresentadora, que disse a um repórter: "Ela toparia, com certeza". 

Não sou imune ao charme de Oprah, mas a ideia de uma presidente Winfrey é péssima. E também deixa bem clara a extensão do trumpismo – a submissão ao mito da celebridade e da audiência, o repúdio à experiência e à competência – que infectou a nossa vida cívica. O político pós-Trump ideal teria que ser, no mínimo, uma figura extremamente séria, com um currículo impecável no serviço público. Os democratas estariam dando um tiro fatal no pé se decidissem imitar, ainda que com a melhor das intenções, o circo alucinatório de Trump. 

De fato, o pensamento mágico que insufla a ideia de ter Oprah disputando a presidência em 2020 é um sinal preocupante do estado do espírito democrata. A ideia de que Oprah possa levar a melhor sobre aqueles que são considerados favoritos – Joe Biden, Bernie Sanders, Kirsten Gillibrand – prova o nível de desmoralização e carência de talento político que tomou conta do partido. 

De certa forma, a disposição da esquerda (e da direita anti-Trump) de levar Oprah em consideração é mais problemática que a imaturidade emocional e o anti-intelectualismo dos estados vermelhos (republicanos) que elegeram Trump, pois esses eleitores há tempos já se definiram como oposição à seriedade intelectual supostamente personificada pelos democratas. 

Se os liberais não mais se orgulham de ser o adulto da casa, o bastião contra os caprichos das massas, o mergulho do país no caos absoluto será inevitável. O frisson Oprah revela até que ponto as causas e identidades sociais – e os sentimentos tribais que despertam – eclipsaram qualquer coisa que se pareça com uma visão de mundo mais filosófica. A política norte-americana se tornou um esporte de equipe, e se a presença de uma rebatedora mão pesada como Oprah é inevitável para ganhar o campeonato, então que seja. 

A noção de que a presidência deva se tornar apenas mais um prêmio para as celebridades, mesmo aquelas com cujos princípios imaginamos concordar, é extremamente perigosa. Se teve uma coisa que o primeiro ano de governo de Trump deixou bem claro foi que a experiência, o conhecimento, a educação e a sabedoria política são tremendamente importantes. Governar é completamente diferente de fazer campanha. E talvez seja essencial lembrar que gente famosa não dá bom chefe de Estado. A presidência não é reality show, muito menos talk show. 

É verdade que ela disse à CBS, no ano passado, que não concorreria em hipótese alguma – mas quando o jornalista conservador e crítico de Trump, John Podhoretz, publicou um artigo no New York Post, em setembro passado, com o título "A melhor aposta dos democratas para 2020: Oprah", ela o compartilhou no Twitter. 

"Se há uma figura pública nos EUA que vale a pena ser observada nos próximos anos, principalmente com a continuação da transformação radical da mesma cultura política que levou à eleição de Donald Trump, essa pessoa é Oprah. Estando disposta a aceitar o desafio, ela se encontra em uma posição única, podendo conquistar a indicação democrata para a presidência e encarar Trump frente a frente em 2020", escreveu Podhoretz. 

Vamos torcer, em nome da nação, para que ela não queira. 

Thomas Chatterton Williams está concluindo um livro sobre identidade racial e contribui com a coluna de opinião da New York Times Magazine

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