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Livraria São José: a mais antiga do Rio, vítima da pandemia
Livraria São José: a mais antiga do Rio, vítima da pandemia| Foto: Pixabay

Corria o ano de 1954, o segundo governo de Getúlio Vargas, quando José Germano da Silva começou a trabalhar como faxineiro na primeira livraria do Rio de Janeiro, aberta havia 26 anos. Entrou como faxineiro, aos 14 anos, sem carteira assinada por conta da idade, ao lado de outros quatro funcionários com o mesmo primeiro nome. Por isso, virou só “Germano”. Desde 1938, o “José” já pertencia ao próprio estabelecimento, que até este mês de março de 2021, quando declarou seu fechamento, foi conhecido como Livraria São José.

Fundada em 1926 por José Oliveira Vaz da Silva e Manuel Augusto da Silva, a loja que funcionava no número 38 da Rua São José, no Centro do Rio, foi inicialmente batizada de Livraria Briguet. Por conta de uma alteração contratual, adotou o nome do logradouro. Vinte anos depois do nascimento, viria a primeira grande crise: a decadência do mercado de livros durante a Segunda Guerra Mundial, que levaria à venda da livraria para os sócios Carlos Ribeiro, o “Carlinhos”, e Walter Alves da Cunha.

A era de Ouro

As décadas de 1950 e 1960 veriam os anos de ouro da Livraria São José, que seria considerada o maior sebo da América do Sul. Já com carteira assinada, ajudando no atendimento, Germano presenciou, no trabalho, a primeira tarde de autógrafos do Rio, que vivia seu último ano como capital fluminense. Ali, entre as estantes de São José, Manuel Bandeira lançaria seu “Itinerário de Pasárgada”.

A livraria também receberia figuras como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes e Pablo Neruda. O dono, Carlos Ribeiro, se associaria à gravadora “Festa” para lançar discos de versões declamadas das obras. “Todo esse pessoal consagrado foi lançado lá”, lembra Germano, hoje com 83 anos. os ex-presidentes João Goulart, Castello Branco e Eurico Gaspar Dutra também estariam entre os frequentadores da São José, além de inúmeros romancistas, poetas, cronistas e jornalistas.

A década de 1970 trouxe novas dificuldades financeiras, e a livraria, que chegou a ocupar três lojas, mudou-se para a Rua do Carmo. Em 1973, ao lado de Carlos dos Santos Vieira, José Germano assumiu o negócio.

Referência em Direito

Desde que assumiu a livraria, seu Germano se encarregava pessoalmente dos livros. Desenvolveu ali uma paixão especial pelo direito, de modo que a São José, a alguns quarteirões da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), se tornou referência na área.

“Eu me especializei em livros jurídicos a ponto de o pessoal me perguntar se eu era formado, porque falava como um advogado. Respondia que não, que só gostava de ler a orelha, entender do que se tratava…”, conta Germano. Foram fregueses do livreiro os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) José Carlos Moreira Alves, aposentado em 2003, e Luiz Fux. “Para cada estudante ou profissional, eu sabia o que indicar e recomendar. Como não tinha computador, era tudo na memória”, conta o livreiro.

A crise das livrarias, que, desde meados de 2014, vem levando grandes lojas à falência - e muitas pequenas no comboio -, atingiu em cheio a São José, que passou a contar com uma página no portal Estante Virtual. “Vender livro no Brasil é um negócio difícil. O livro usado até tem algum espaço, mas os novos são todos informatizados”, conta Germano que, até março, pegava “uma vendinha ou outra” pelo site. O último golpe contra o estabelecimento histórico foi o diagnóstico de Covid-19, que o deixou internado por dois meses - 11 deles no CTI, onde perdeu 15 quilos.

Ao sair, o negócio estava quebrado. “A pandemia me deixou a pão e água, não tinha mais nenhum capital de giro”, diz o livreiro. “Só não fui para o outro lado porque Deus não quis”. Deste “lado”, as memórias de seu Germano farão parte de um livro sobre a livraria São José. Sua primeira dose da vacina contra o coronavírus está marcada para o próximo dia 3 de abril.

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