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A rede de computadores do LHC, que contém todos os dados obtidos pelo Grande Colisor de Hádrons, em Meyrin, na Suíça. | LESLYE DAVIS/NYT
A rede de computadores do LHC, que contém todos os dados obtidos pelo Grande Colisor de Hádrons, em Meyrin, na Suíça.| Foto: LESLYE DAVIS/NYT

Debaixo dos campos e dos centros de compra da fronteira franco-suíça nos arredores de Genebra, no Grande Colisor de Hádrons (Large Hadron Collider - LHC), as partículas conhecidas como prótons estão zunindo ao redor de uma pista de corrida eletromagnética de 27 quilômetros e batendo umas nas outras à velocidade da luz, recriando as condições do universo com apenas um trilionésimo de segundo de idade.

Cerca de cinco mil físicos voltaram a trabalhar aqui no Cern, a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, observando os computadores peneirar os entulhos das colisões primordiais em busca de novas partículas e forças da natureza, e eles pretendem continuar assim ao menos pelos próximos 20 anos. 

A ciência está batendo na porta do céu, como a física de Harvard Lisa Randall escreveu no título de seu livro sobre a física de partículas

Mas e se ninguém atender? E se não existir nada de novo a ser descoberto? Essa perspectiva é agora uma nuvem que paira sobre a comunidade dos físicos. 

Após cinco anos e mais de sete quatrilhões de colisões de prótons desde 2012, quando o colisor descobriu o Bóson de Higgs, que explica por que algumas das outras partículas elementares possuem massa. Essa conquista completou um edifício de equações chamado Modelo Padrão, finalizando um capítulo significativo na física. 

Em 2015, uma descoberta nos dados do colisor sugeriu uma nova partícula, inspirando uma enxurrada de estudos teóricos antes de desaparecer como ruído – mais um acaso da natureza. 

Desde então, porém, o silêncio na fronteira tem sido desencorajador. 

"O sentimento na área é, na melhor das hipóteses, uma confusão e, na pior, uma depressão", escreveu Adam Falkowski, físico de partículas do Laboratório de Física Teórica de Orsay, França, em artigo para o periódico científico "Inference"

"É um momento difícil para os teóricos. Parece que nossas esperanças se despedaçaram. Não descobrimos o que queríamos", diz Gian Giudice, chefe do departamento de teoria do Cern. 

Supersimetria

O que os físicos do mundo buscam há quase 30 anos é qualquer sinal do fenômeno chamado supersimetria, que parece inalcançável como um pomo de ouro, a promessa de uma beleza matemática escondida no núcleo da realidade. 

Na década de 1970, teóricos postularam uma relação entre as partículas que carregam forças, como o fóton que transporta eletromagnetismo ou luz, e os componentes básicos da matéria, elétrons e quarks. 

Se a teoria da supersimetria estiver correta, deve existir um novo conjunto de partículas elementares a ser descoberto, os chamados "superparceiros" dos quarks, dos elétrons e de outras partículas que já conhecemos e amamos. Nuvens deles deixados pelo Big Bang poderiam também compor a misteriosa matéria escura que, para os astrônomos, constituiria um quarto do universo e cuja força gravitacional controla o destino das galáxias. 

Os colisores tiram sua magia da equivalência entre massa e energia de Einstein. Quando um par de prótons se choca no Grande Colisor de Hádrons, eles recriam um pouquinho do Big Bang original que deu origem ao cosmos. Quaisquer que sejam as formas de matéria que possam ser geradas com essa energia – partículas e forças dominantes quando o universo era jovem – podem reaparecer e, rapidamente, desfilar pelos labirintos de detectores eletrônicos e computadores. 

Sempre que os colisores obtêm um pouco mais de energia para gastar, os cientistas têm acesso a reinos de tempo, natureza e possibilidade, que nunca experimentamos, e chegamos um pouco mais perto dos ossos matemáticos da realidade. 

O Grande Colisor de Hádrons foi projetado para colidir prótons com energias de sete trilhões de elétrons-volts. Os físicos sabiam que isso bastaria para descobrir o Higgs ou provar que a teoria estava errada. 

Muitos teóricos também esperavam que as partículas supersimétricas apareceriam quando o Grande Colisor de Hádrons foi finalmente ligado em 2010. Na verdade, as partículas misteriosas poderiam ter surgido até antes, nos predecessores do colisor, de acordo com algumas versões da teoria. 

No escuro

Segundo manchete do "New York Times" de 1993, "315 físicos reportam fracasso na busca pela supersimetria". 

E, até agora, continuam fracassando. Em maio, nova análise feita pelos três mil físicos que monitoram o grande detector Atlas (um dos dois grandes detectores no túnel do Cern) mostra que não foram encontradas pistas das superpartículas até uma massa de quase dois trilhões de elétrons-volts. 

Enquanto isso, em outros experimentos, iniciativas cada vez mais sensíveis para capturar as supostas partículas da matéria escura à deriva no espaço (e atravessando nossos corpos) também não tiveram resultados positivos, e os teóricos começaram a recorrer a ideias mais complicadas para o que a natureza pode estar fazendo no escuro. 

No ano passado, cientistas reunidos em Copenhague para pagar uma aposta – com garrafas de conhaque caro – haviam prometido que a supersimetria já teria aparecido agora. 

"Muitos dos meus colegas estão desesperados. Eles investiram suas carreiras nisso", afirma Hermann Nicolai, do Instituto Max Planck de Física Gravitacional, em Potsdam, Alemanha. 

Esquisitice quântica

A ideia de que o Grande Colisor de Hádrons descobriria o Bóson de Higgs, e nada mais, é um velho pesadelo dos físicos. Entre outras coisas, eles não saberiam explicar sua maior conquista, o Higgs em si. 

Segundo o Cern, o bóson tão procurado, a pedra fundamental do Modelo Padrão, pesa 125 bilhões de elétrons-volts, quase tanto quanto o átomo de iodo. Só que isso seria leve demais, segundo cálculos teóricos. A massa do Higgs deveria ser milhares de quatrilhões mais alta. 

A causa é a esquisitice quântica, que estabelece, entre outras coisas, que tudo que não for proibido irá acontecer. Isso significa que o cálculo do Higgs deve incluir os efeitos de suas interações com todas as outras partículas conhecidas, incluindo as chamadas partículas virtuais que surgem ou desaparecem da existência. 

Os teóricos têm de remendar suas equações para que o Higgs e outros números caibam no Modelo Padrão. 

Contudo, quando as alegadas partículas supersimétricas são inseridas na receita, acontece um milagre. Elas cancelam os efeitos das outras partículas, deixando o Higgs com uma massa normal, perfeitamente finita. É assim que a natureza deveria ser, argumentam. 

A supersimetria é uma ideia tão geral que sempre existe outra versão que pode ser proposta. 

Nem todos estão dispostos a desistir dela, nem pagar as apostas. 

Momento de confusão

Gordon Kane, teórico das supercordas da Universidade do Michigan famoso na comunidade por seu otimismo em relação à supersimetria, diz que seus cálculos previram que a superpartícula mais leve deveria surgir ao redor de 1,6 trilhão de elétrons-volts, quando dados suficientes fossem analisados. "Infelizmente, os pesquisadores não conduziram pesquisas realistas." 

Outro defensor convicto é John Ellis, teórico veterano do Cern e professor do Kings College, Londres, cujo escritório no laboratório tem um esqueleto de papelão segurando um cartaz dizendo que foi aquilo que aconteceu à última pessoa a criticar a supersimetria. "É claro que estou desapontado por ela não ter aparecido quando o Grande Colisor de Hádrons foi ligado", acrescentando que ainda existem muitas oportunidades para esse aparecimento. 

Guido Tonelli, professor da Universidade de Pisa, na Itália, um dos líderes da caçada ao Higgs, diz que, "durante algum tempo, pensávamos que descobriríamos o Higgs e a nova física ao mesmo tempo – era muito empolgante". Todavia, ele não se mostra deprimido como os colegas. "O fato de o Higgs caber no Modelo Padrão significa que a nova física se encontra muito acima na escala de energia. Sabemos que ela está lá, só não sabemos se será amanhã ou em dez anos." 

"Precisamos explorar; não podemos ser tímidos", acrescenta. 

Até o final de 2018, o colisor terá registrado 15 mil trilhões de colisões. Se algo não aparecer até lá, afirma Giudice, será hora de voltar à prancheta. 

"É um nível elevado de pesquisa quando nos sentimos confusos. Sem dúvida, este é um momento de confusão." 

Segundo ele, "confusão significa uma oportunidade para novas ideias". 

Mero acaso

Entre outras ideias, Giudice sugeriu com rabiscos no quadro-negro, que a massa do Higgs seja determinada não por um princípio profundo da simetria, mas pela dinâmica contínua de campos e forças. À medida que o universo se expande e evolui durante o Big Bang, o campo do Higgs, do qual o bóson é uma expressão, passa por essas transições de fase, como água que vira gelo. Em certo instante, ele fica preso. 

"O que determina o valor do Higgs é a história do universo", explica ele. Só que isso tornaria o campo do Higgs instável ao longo de períodos de tempo muito longos – acima da idade do universo – e poderia, um dia, entrar em colapso, dissolvendo o que consideramos ser a realidade. 

Outra possibilidade, um anátema para muitos einsteinianos de carteirinha, é a de que esses números problemáticos se devem ao mero acaso. Existe um número praticamente infinito de universos possíveis com diferentes massas de Higgs, mas somente um com a capacidade de evoluir para estrelas, planetas e nós. 

O Cern começou a esboçar planos para um sucessor gigante do Grande Colisor de Hádrons. Ele teria cem quilômetros de diâmetro e colidiria prótons a cem trilhões de elétrons-volts. A China também está explorando um "Grande Colisor" nesses parâmetros. 

Com 14 trilhões de elétrons-volts, o Grande Colisor de Hádrons encontraria o bóson de Higgs ou outra coisa porque o Modelo Padrão desmorona nesse nível de energia. 

O Futuro Colisor Circular, como a Cern o chama, não tem propósito específico porque segundo o Modelo Padrão, esse patamar elevado de energia é destituído de novas partículas – um deserto, como se costuma dizer. Entretanto, ninguém acredita que o Modelo Padrão, sem falar na gravidade, seja a última palavra quanto ao universo. 

Pista encorajadora

Existem trilhões e mais trilhões de colisões de prótons a serem feitas antes de desistirmos. 

Uma pista encorajadora veio de estudos recentes do Cern sobre uma pequena e esquisita partícula de vida curta chamada méson B, a qual, entre outras coisas, se alterna entre ser ela mesma e seu oposto em antimatéria trilhões de vezes por segundo. Segundo o Modelo Padrão, tais partículas deveriam ter a mesma chance de produzir elétrons, tanto quanto seus primos grandes, os múons, quando se desintegram de certa forma. Contudo, as mensurações no colisor do Cern demonstraram uma propensão bem definida para os mésons produzirem menos múons do que o esperado, como informou a entidade, em abril. 

A mesma esquisitice quântica que explode a massa teórica do Higgs também pode agir neste caso, dizem os físicos, deixando entrever uma nova partícula muito maciça chamada leptoquark. Ou poderia ser um acaso feliz. 

"Nem é preciso dizer, mas se esses sinais forem comprovados, então seria um fato extremamente importante, mas ainda é muito cedo para dizer qualquer coisa", afirma Guy Wilkinson, professor de Oxford que é o porta-voz da colaboração LHCb. 

Há apenas seis anos, o colisor estava prestes a excluir o bóson de Higgs, ao menos como descrito pelo Modelo Padrão. Cientistas se preparavam para explicar ao público por que não encontrá-lo seria mais empolgante do que achá-lo – outra chance de confusão criativa. 

Foi apenas então, é claro, que uma pequena colisão que apareceu nos gráficos de dados mostrou ser o elusivo bóson. 

"A natureza pode ser mais sutil do que pensamos", diz Joel Butler, físico do Laboratório do Acelerador Nacional Fermi, que chefia uma das equipes do detector do Cern. 

"Demorou 50 anos para achar o Higgs", ele diz, em pé, ao lado do detector, que tem uma altura de vários andares, conhecido como CMS, 90 metros abaixo do solo. 

"Sem dúvida, a paciência é uma virtude na física", acrescentou.

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