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A questão da integração nas instituições americanas deveria ser garantir que a habilidade, não a cor da pele, etnia ou fé, determinasse o direito a um trabalho| Foto: BigStock

Em meio à atmosfera atual de pânico moral na política racial norte-americana, qualquer proposta, por mais reacionária ou discriminatória que seja, pode se tornar uma exigência inegociável se vendida como parte de uma campanha do movimento Black Lives Matter. Essa é a única forma de compreender o impacto em potencial de um texto recente escrito por Anthony Tommasini, principal crítico de música clássica do jornal New York Times. O texto defende o fim do sistema meritocrático de contratação de músicos para as orquestras norte-americanas.

Como afirma o texto de Tommasini, a discriminação com base na raça e gênero eram comuns no processo de contratação das principais orquestras do país. Em 1969, quando dois musicistas afro-americanos disseram que a Filarmônica de Nova York os discriminou, a controvérsia obrigou essa e outras orquestras clássicas de prestígio a reformarem o processo de contratação. A parti daí, os candidatos faziam audições por trás de uma tela, a fim de impedir as pessoas nos cargos de comando de serem influenciadas pela raça ou gênero.

O impacto da mudança foi grande. Até então, mulheres e musicistas não-brancos eram uma raridade nas principais orquestras. Hoje eles estão por todos os lados; quase metade dos musicistas da Filarmônica são mulheres e quase 20% são asiáticos. Mas ainda são poucos os afro-americanos. Somente um membro em tempo integral da orquestra é negro, assim como era em 1969.

Para Tommasini, a persistência da disparidade é prova o bastante de que o sistema de audições às cegas, que garante que um lugar no universo da música clássica é conquistado apenas com base no mérito, deve ser abolido. No lugar dele, Tommasini propõe uma forma de ação afirmativa para musicistas negros, a fim de que a Filarmônica fique mais parecida com Nova York.

Será preciso mais do que um único texto, mesmo que ele tenha sido escrito por um crítico de visibilidade como Tommasini, para mudar um sistema marcado por contratos cheios de cláusulas sindicais e do qual os músicos, muitos dos quais com dificuldade para sobreviver devido à pandemia de coronavírus, não abdicarão facilmente. Mas por mais injusta que ela a proposta, na atual atmosfera, assim que ela é colocada na mesa como algo necessário para que as instituições artísticas demonstrem seu caráter antirracista, seria uma tolice ignorar a probabilidade de que alguma forma de mudança acabe ocorrendo.

Há dois problemas graves com a bomba que Tommasini jogou sobre as orquestras. Um é a ideia questionável de que a busca por excelência no reino da música clássica de elite é ilusória. O outro é um argumento que ele prefere manter nas entrelinhas: se as orquestras acabarem com as audições às cegas, os maiores perdedores não serão os brancos privilegiados, e sim os asiáticos, cuja representatividade nas principais orquestras já é desproporcional e continua aumentando. Assim como as ações afirmativas nas faculdades de elite, a ideia de Tommasini teria como consequência a contratação de menos asiáticos.

Tommasini diz que a diferença de habilidade entre os candidatos às principais orquestras do país é mínima. Músicos que alcançam o ápice da carreira não têm culpa se acham que ele está errado. Um crítico que exerce um papel importante como juiz da música clássica na capital cultural do mundo deveria saber que está dizendo uma bobagem.

A questão da integração nas instituições americanas deveria ser garantir que a habilidade, não a cor da pele, etnia ou fé, determinasse o direito a um trabalho. Se isso significa que 14 dos 15 jogadores de basquete dos Knicks são negros, que seja. Se os times de beisebol da cidade -- os Yankees e os Mets -- são em sua maioria hispânicos, ninguém diz que há discriminação na contratação deles. A vitória exige que se contrate os melhores jogadores, independentemente da identidade deles.

Embora não haja como avaliar a competição entre as principais orquestras do país, na era das audições às cegas a mesma ideia básica -- a de que o talento deveria ser a única coisa levada em consideração -- reina suprema. A fim de manter o prestígio -- e contratos com gravadoras, turnês e ganhos com a venda de ingressos -- a Filarmônica de Nova York e suas principais rivais na Filadélfia, Boston, Chicago e Los Angeles devem contratar os melhores musicistas e maestros, ponto.

A consequência desse imperativo é que os asiáticos acabaram por dominar as principais orquestras do país. Devido a mudanças culturais e no gosto da população, bem como a falta de educação musical nas escolas, o interesse pela música clássica diminuiu entre os norte-americanos. Mas entre os asiáticos-americanos o interesse pelo assunto está em alta. Os asiáticos fazem sucesso na indústria da música clássica da mesma forma que dominam o sistema de entrada nas faculdades de elite, no qual prevalece o mérito. Assim, descartar as audições às cegas ajudaria uma minoria racial à custa de outra, desprezando o talento e o esforço.

Há uma forma de remediar a escassez de musicistas afro-americanos e hispânicos nas principais orquestras e que não envolva este tipo de negociação faustiana?

Qualquer esforço nesse sentido deve incluir o investimento na educação musical de jovens, sobretudo daqueles eu vivem nas cidades, onde as escolas passam por dificuldades e os currículos musicais são escassos. Tais esforços já existem. Joseph Conyers, um dos poucos musicistas negros da Orquestra Sinfônica da Filadélfia, por exemplo, estimula as crianças a tocarem trabalhando como maestro de uma orquestra estudantil. Da mesma forma, uma importante organização que promove a música de câmara, a Dolce Suono Ensemble, realizada o evento Musica in Tuas Manos para que crianças hispânicas sejam expostas à música clássica.

Tais iniciativas merecem mais apoio diante das forças culturais que aceleram o declínio das artes nos Estados Unidos. Mas acabar com o bem-sucedido sistema meritório que eliminou a discriminação a fim de alcançar uma ilusória igualdade racial acabaria apenas por transformar a música clássica em mais uma dessas forças -- mais uma instituição que ruma desnecessariamente para a autodestruição.

Jonathan S. Tobin é editor-chefe da JNS.org e colaborador da National Review.

©2020 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês
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